Prova do crime

Boletim de ocorrência de furto não livra depositário infiel da prisão

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2 de maio de 2008, 11h42

Apenas o boletim de ocorrência informando o furto de bens penhorados não livra depositário infiel da prisão. A veracidade de seu conteúdo exige prova complementar. O entendimento é da Seção Especializada em Dissídios Individuais 2 do Tribunal Superior do Trabalho. Os ministros mantiveram o decreto de prisão da sócia da Gráfica Rossi Ltda., de Caxias do Sul (RS), considerada depositária infiel.

A empresária, nomeada depositária de duas máquinas de imprimir etiquetas, avaliadas em R$ 8 mil cada, deveria devolver os bens, mas não o fez, alegando que foram furtados. Após várias tentativas de resolver a questão, a 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul determinou a prisão civil da sócia da gráfica, considerada depositária infiel. O juiz apontou manobra fraudulenta por parte da empresária.

Segundo a primeira instância, no processo de execução “figuram como devedores um rol de sócios que têm por costume não cumprir as obrigações judiciais e ocultar patrimônio, servindo-se de vários expedientes ilícitos, dentre os quais criar novas empresas com os mesmos equipamentos”. A 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul concluiu que, após ter sido detectada a tentativa de fraude, “os devedores alienaram as máquinas penhoradas, tentando mascarar isso com alegação de furto”.

A sócia entrou com pedido de Habeas Corpus. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) concedeu a liminar. No entanto, ao receber as informações e analisar o mérito da ação, o TRT gaúcho revogou a decisão. Em mais uma tentativa de barrar a ordem de prisão, a empresária entrou com Agravo Regimental ao TST. Ao julgá-lo, a SDI-2 negou provimento, mantendo, assim, a decisão do TRT.

De acordo com a jurisprudência do TST, o boletim de ocorrência policial, sem outros elementos de convicção, não é suficiente para demonstrar a ocorrência de furto do bem. Para a ministra Kátia Magalhães Arruda, relatora do Agravo, ficou demonstrada a condição de depositária infiel da empresária, devido à inexistência de provas de desvio involuntário ou caso fortuito que esclarecessem a não-restituição dos bens.

Processo

A Ação Originária foi proposta por um trabalhador que atuou como impressor na Gráfica Rossi, em 1999. Seu objetivo era receber os depósitos de FGTS que não tinham sido feitos. A 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul julgou procedente o pedido. A ação de execução veio em seguida, com o leilão dos bens penhorados marcado para 22 de fevereiro de 2005. O leilão não se realizou devido à decretação de falência da empresa. Determinou-se então a reavaliação dos bens, não cumprida porque a gráfica encerrou as atividades.

O trabalhador informou que os bens estavam em outra empresa, e o juiz determinou a remoção das máquinas penhoradas ao depósito do leiloeiro. Foi aí que veio a comunicação de furto. O juiz notificou a empresária para apresentar os bens (ou seu valor em dinheiro), sob pena de prisão. A executada não se pronunciou. O juiz emitiu a ordem de prisão em 18 de setembro de 2006.

Jurisprudência

O Supremo Tribunal Federal já sinalizou que deve derrubar a prisão de depositário infiel. O sinal foi dado no dia 12 de março. Os ministros não definiram a questão por conta de pedido de vista do ministro Menezes Direito. O entendimento está sendo firmado em três recursos que julgam se o devedor em alienação fiduciária pode ser equiparado ao depositário infiel. Para este último, há previsão constitucional de prisão civil, assim como para o devedor de pensão alimentícia.

No entanto, há tratados internacionais que permitem a prisão civil apenas em caso de inadimplência de pensão alimentícia. Os ministros discutem qual a hierarquia desses tratados. Em um voto, o ministro Celso de Mello, que havia pedido vista na última sessão de julgamento, mudou a sua posição. Ele se posicionou contra a prisão do depositário infiel. Celso de Mello relembrou votos que o ministro Marco Aurélio vem proferindo há tempos contra a prisão do depositário infiel. Qualificou os votos de Marco Aurélio como precursores de uma nova mentalidade que está surgindo no Supremo.

O ministro Celso de Mello lembrou que o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, proíbe a prisão civil por dívida, excetuado a do devedor de pensão alimentícia. O mesmo, segundo ele, ocorre com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela ONU, ao qual o Brasil aderiu em 1990. Em seu artigo 11, ele dispõe: “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”. Até a Declaração Americana dos Direitos da Pessoa Humana, firmada em 1948, em Bogotá (Colômbia), com a participação do Brasil, já previa esta proibição, disse o ministro.

Ele observou que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que aconteceu em Viena (Áustria), em 1993, com participação ativa da delegação brasileira, então chefiada pelo ex-ministro da Justiça e ministro aposentado do STF Maurício Corrêa, preconizou o fim da prisão civil por dívida.

AG-HC-181.939/2007-000-00-00.0

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