Área indígena

MPF pede suspensão da licença para construção do Porto Brasil

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30 de junho de 2008, 16h21

O Ministério Público Federal em Santos pede à Justiça Federal que suspenda o licenciamento da construção do complexo portuário Porto Brasil. Ao menos enquanto não for concluído o processo de demarcação da área indígena de Piçaguera, no município de Peruíbe (litoral sul de São Paulo). O pedido de liminar foi negado pela juíza da 3ª Vara Federal de Santos, por isso o MPF entrou com Agravo de Instrumento.

O local foi identificado e delimitado pela Funai em 2002, mas a empresa LLX, de propriedade do empresário Eike Batista, reafirmou a intenção de construir o complexo na área.

No recurso, os procuradores da República em Santos Luiz Antonio Palácio Filho e Luís Eduardo Marrocos de Araújo reiteraram os pedidos da Ação Civil Pública proposta em abril e requerem liminar para que o estado de São Paulo, através do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), suspenda o procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento.

O MPF propôs a ação em conjunto com a Funai. Na petição, pedem ainda que a empresa LLX seja proibida de entrar na terra indígena de Piaçaguera e de abordar seus integrantes sem a formal autorização e presença da Funai, como prevê a lei.

Além disso, determina que a empresa não faça publicidade do complexo ou qualquer ato para concretizar o licenciamento, como executar estudos ou protocolar petições em quaisquer órgãos públicos. Se concedida a liminar, o MPF pede a aplicação de multa de pelo menos R$ 100 mil em caso de descumprimento dos pedidos.

Nova Cubatão

Os procuradores da República Luiz Antonio Palacio Filho e Luís Eduardo Marrocos de Araújo não concordam com a decisão da juíza Simone Karagulian, da 3ª Vara Federal de Santos, que substituía o juiz natural do processo. Segundo os promotores, a juíza não analisou corretamente a documentação contida nos autos.

Para o MPF, a juíza não percebeu que o que está sendo objeto de licenciamento não é apenas um porto, mas um parque industrial projetado para a instalação de inúmeras indústrias poluidoras — o chamado Complexo Industrial Taniguá.

O projeto abrange uma faixa territorial que se inicia no litoral de Peruíbe estendendo-se dezenas de quilômetros adentro em direção à Serra do Mar, ocupando uma área de 19,5 milhões de metros quadrados. “O Porto Brasil é uma nova Cubatão”, classificaram os procuradores.

Na decisão liminar, a juíza admitiu que o empreendimento poderia ser construído no local sem prejuízo aos índios que vivem na região.

A própria LLX admitiu, de acordo com o Ministério Públio, que o sucesso do empreendimento depende do resultado do processo de demarcação da Terra Indígena Piaçaguera. Para lançar ações na bolsa de valores, a empresa elaborou um documento onde reconhecia que o sucesso do negócio só se daria com a saída dos índios, que detêm a posse tradicional da área.

Além disso, a decisão de primeira instância, como acusa o MPF, desconsiderou que Piaçaguera é uma terra indígena reconhecida pela Funai desde o ano de 2002, quando foi publicado o ato oficial de identificação e delimitação. Apesar de impugnações das partes contrariadas, o ato oficial continua em vigor, reconhecendo que as terras são tradicionalmente ocupadas, segundo os usos, costumes e tradições do povo Guarani.

“Se a licença de instalação para o empreendimento chegar a ser concedida, a presença indígena estará excluída e a demarcação, interrompida. Por outro lado, se o licenciamento for suspenso até que ocorra a demarcação, nada impede que o empreendimento seja rediscutido em novas bases no futuro”, rebatem os procuradores.

Em sua decisão, a juíza Simone Karagulian afirmou que não existiu ilegalidade na atuação da administração pública que justifique a paralisação do processo de licitação que tramita na Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).

No recurso, o MPF ressalta que a Sema não observou que o empreendimento seria implantando em área indígena. O plano de trabalho foi protocolado junto ao Departamento de Avaliação e Impacto Ambiental (Daia) em outubro de 2007.

No entanto, o plano de trabalho só foi encaminhado ao Ibama e à Funai em 16 de maio deste ano, quase dois meses após o juiz do processo, Antonio André Muniz Mascarenhas de Souza, da 1ª Vara Federal de Santos, conceder liminar em ação cautelar movida pelo MPF, que suspendeu a audiência pública marcada para discutir o empreendimento com os índios.

Terras por carros

A Constituição proíbe a remoção dos índios de suas terras, sendo vedada qualquer negociação relativa à posse das áreas terras indígenas. No entanto, o MPF acusa a LLX de induzir os índios a assinarem um documento em que desistiriam da posse de suas terras.

O MPF apurou que a LLX utilizou o antropólogo José Borges Gonçalves Filho, o Cabelo de Milho, para iniciar, de maneira irregular e sem autorização da Funai, o trabalho de aproximação da empresa com as lideranças da comunidade indígena.

Segundo a ação, depois de criar laços com a tribo, o antropólogo levou uma representante da tribo para uma reunião com o advogado Ubiratan de Souza Maia, de origem indígena, que se apresentou como advogado da Funai e mostrou a ela uma série de documentos que demonstravam que a aldeia havia perdido suas terras de modo definitivo, inclusive no Supremo Tribunal Federal, o que não procede.

Como solução para a “perda de terras”, Maia e Cabelo de Milho propuseram que a representante indígena convencesse a comunidade a fazer um negócio com a empresa LLX: os indígenas assinariam um documento no qual a comunidade desistiria da posse das terras e a empresa lhes daria uma fazenda produtiva, veículos, salário e outros benefícios.

As conversas com a empresa resultaram num clima de tensão na tribo, dividida entre os que temiam perder suas casas e os que estavam sensibilizados pela proposta da LLX.

O Ministério Público Federal afirma que a coordenadora-geral de defesa dos direitos indígenas da Funai, Azelene Inácio, acompanhou, sem autorização da Funai, o diretor de desenvolvimento da LLX, Salomão Fadlalah, e outros funcionários da empresa na reunião ocorrida na aldeia. Azelene teria ajudado Salomão a convencer os índios, dizendo que não deveriam confiar na Funai, porque a demarcação das terras jamais iria sair.

Diante disso, argumentaram os representantes da empresa que o melhor seria aceitar a oferta, evitando serem despejados sem direito algum. Dias depois, Azelene foi exonerada do cargo que ocupava na Funai.

Foi após o MPF receber informações sobre a possibilidade de conflito entre os guaranis que os procuradores propuseram a ação cautelar e a Justiça Federal determinou a suspensão da audiência pública. O MPF apurou que poderia haver conflito violento durante a audiência pública entre o grupo convencido pela empresa LLX e o grupo que deseja permanecer na aldeia.

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