Dragão desperto

Gestão incompetente abastece o fantasma da inflação

Autor

  • Luiz Roberto Kallas

    é consultor e professor nas áreas de Planejamento Estratégico Tecnologia da Informação e Mercado Financeiro no Brasil Estados Unidos Oriente Médio Uruguai e outros países. Foi professor em cursos de graduação e pós-graduação em Direito na Unip.

20 de junho de 2008, 0h00

Um dos maiores sucessos brasileiros em todos os tempos foi a derrota da inflação. Os méritos dessa vitória foram de diversos governos desde Sarney até Lula, com destaque para os governos Itamar e FHC que, brilhantemente, criaram o Plano Real, cujas premissas possibilitaram derrotar o monstro diabólico. Eis que o Banco Central, sob o comando de Henrique Meirelles, alerta sobre o perigo de sua retomada em seu relatório sobre a última reunião do Copom.

O Banco Central do Brasil tem sido irreprimível em seu esforço de combate inflacionário, mesmo que seja obrigado a ministrar um remédio amargo, que é a maior taxa de juros do mundo. Já tivemos oportunidade de escrever anteriormente que a alta da taxa de juros não é culpa do Banco Central. Sua missão é controlar a inflação e ponto final. Podemos até discutir se essa seria a abordagem mais correta ou não. Porém, ninguém pode afirmar que o Banco Central não atua dentro daquilo que foi definido para ele, tanto segundo a lei como ao senso econômico-financeiro.

A origem da inflação está em outro lugar, qual seja a política econômica e administrativa do país em seus aspectos mais gerais. O Banco Central é como se fosse um administrador financeiro que cuida do caixa. Os demais ministérios e órgãos da administração federal é que têm o controle sobre os gastos e investimentos. O Brasil de hoje é como uma empresa com um excelente diretor financeiro, cercado de incompetência por todos os lados. De nada adianta o administrador financeiro cuidar de seu papel se aqueles responsáveis diretos pelos gastos, pelos investimentos e pela produção, vendas e administração não atuem da forma adequada. O Governo Federal é improdutivo na sua ação, à exceção do Bacen. Privilegia ações com pequeno valor agregado. Gasta sem controle. Não investe o que deveria. Não prioriza as ações econômicas mais importantes. No afã de livrar-se de culpa, o governo ora acusa os empresários ora os consumidores, taxando-os de responsáveis pela inflação. Esquece, no entanto, que o movimento de distribuição insustentável de renda foi provocado pelo próprio governo, ao aumentar os gastos governamentais e o consumo das pessoas, sem se preocupar com o aumento da produção.

Ocorre que a inflação está voltando por culpa do governo e não dos empresários e consumidores. Empresas e trabalhadores brasileiros são produtivos. Quem é improdutivo é o governo. A inflação hoje, no Brasil, é decorrente muito mais da falta de produtividade da administração governamental do que da falta de produtividade das empresas e seus colaboradores. As razões, todos conhecem, começam pela corrupção e ausência do cumprimento a leis. O presidente Lula sempre falou que sua meta era expandir a demanda interna no país. Essa é a outra causa da dificuldade do Banco Central de controlar a inflação.

Os economistas sabem que a produção cria a sua própria demanda como afirmava Lorde Keynes. Ou seja: se não existe produção não existirá demanda. Se aumentarmos a demanda sem aumentar a produção, existirá inflação. Em resumo, o governo põe o carro na frente dos bois e, com isso, a carroça pode parar.

Até os faraós do Egito, há milênios, já sabiam que a produção é causa da demanda. As pirâmides do Egito estão dando empregos há milênios. Um constante processo de produção desde as obras faraônicas até o turismo, que já empregou milhões de pessoas, por séculos e séculos. Sempre produzindo empregos. Do engenheiro ao feitor, do professor ao guia turístico, do arqueólogo ao vendedor de chá. Desde que seja ético, não interessa se o produto é um túmulo, um hospital, uma fazenda, uma indústria ou um parque de diversões. Sempre é a produção que gera o emprego sustentável.

O governo do presidente Lula está distribuindo renda de forma insustentável. Possibilita às pessoas comprarem mais, porém não privilegia a produção, contrariamente ao seu discurso eleitoral. Ele apenas se esconde atrás de um desenvolvimento medíocre frente a outras nações. Desenvolvimento, porém, importado e insuficiente para atender às necessidades do povo brasileiro. Isso significa que o governo deveria parar de distribuir a bolsa esmola? Não. A bolsa esmola é uma política compensatória, correta e emergencial e que ninguém se atreva a extingui-la. Ocorre que, ao se adotar uma medida distributiva, sem um aumento significativo da produção e da produtividade, a inflação volta.

E como resolver o problema da produção e, sobretudo, da produtividade, como vinha sendo feito antes desse governo e que gerou uma herança bendita, hoje colhida. Os governos anteriores tinham como premissa privatizar e racionalizar, pois o Estado não dispunha de recursos para investir. Faziam o controle das despesas, ao contrário do que se aplica hoje. Aprimoravam o marco regulatório, coisa que atualmente é considerado supérfluo. Vejam, nesse sentido, as declarações do presidente Lula dizendo que a lei atrapalha o governo. Nunca ouvi dizer que outro presidente tivesse falado tamanha barbaridade. Percebe-se que o governo Lula toma decisões apenas baseado em juízos de valor, esquecendo-se dos juízos de fato. Ou seja: adota providências subjetivas sem respaldo real, mas apenas psicológico. É por isso que a inflação está voltando e pode, como alerta o Banco Central, subir mais. Os juros logicamente terão que subir para não termos uma explosão de preços.

É a produção que gera empregos e não os empregos que geram a produção. O governo trocou as bolas e está marcando um gol contra, mesmo com a excelência da ação do Banco Central. Emprego surge quando o empresário investe e não quando os pobres recebem esmola. O mote seria: mais esmola com menos produção gera inflação.

No entanto, tenho esperança no pragmatismo do presidente, pois ele sabe como ninguém, já que sua especialidade é conseguir votos, que a inflação pode detonar sua popularidade. É bom, pois, que ele abandone o discurso eleitoreiro e adote aquele do governante preocupado com a situação de seus liderados — o povo brasileiro. Todos nós sabemos, e já não prevalecem dúvidas, de que a inflação prejudica o pobre e beneficia, até certo ponto, o rico. Os ricos têm patrimônio que é corrigido pela inflação. Os pobres têm déficit financeiro e patrimonial e então perdem duplamente com a desvalorização da moeda e ficam mais pobres.

Solução existe: basta resgatar o que já vinha sendo feito pelo país e que foi paralisado: plantar. O governo atual é exímio coletor do que os outros plantaram, mas a safra está chegando ao fim. As soluções seriam: primeiramente, recuperar o avanço, antes ocorrido, do marco regulatório favorável à produção. Em segundo lugar, parar com os aumentos de impostos como a CSS e diminuir os que aí estão, além de diminuir os gastos, em última análise, eleitoreiros. Em terceiro lugar, aproveitar o grau de investimento e privatizar aquilo que o estado não consegue fazer. Em quarto lugar criar um modelo de gestão que tanto privilegie os critérios técnicos como os critérios de valor, estes últimos de natureza política, mas que costumeiramente descambam para a politicagem. Em quinto, liderar a recuperação dos demais poderes da República para que, de forma partilhada, encontrem um projeto de estado e não apenas de governo. A queda da taxa de juros e da inflação será conseqüência pois são a febre e não a doença. Embora exista muito mais, bastam essas diretrizes para que uma reforma seja iniciada. Para tanto não são necessárias novas leis. Basta interpretar bem e cumprir o que já está escrito.

Torço pelo Brasil e em conseqüência por seu governo, embora ele torça contra si. Talvez a saída seja o presidente parar de fazer comício pelo seu partido e começar a fazer comício pelo Brasil. Não um comício demagógico, enganoso e insustentável, recheado de bobagens que qualquer pessoa lúcida identifica. Mas um discurso despretensioso em termos de projeto de poder, e pretensioso em termos de objetivos para um Brasil mais justo, mais produtivo, mais conseqüente e muito mais subordinado ao império da lei e da ética. Pare de enxovalhar o governo dos outros e pense naquilo que o seu governo pode fazer. Esse é o compromisso de um presidente que assume tanto o que é bom como também as dívidas e problemas anteriores. Para quem já abandonou as bandeiras do partido, não custa segurar a bandeira do Brasil.

Presidente Lula: tire uma de Juscelino Kubitschek, que abandonou seu candidato a presidente, para pensar no Brasil. Isso sem falar na coragem de Getúlio Vargas que preferiu a morte para não se ver enxovalhado pela vida. Por favor, pense em ser como Getúlio, como o senhor diz que é, mas sem chegar aos extremos arbitrários, tanto vivendo como morrendo. Não queremos nem mais alguém autoritário nem mais um mártir. Queremos um presidente que lidere o Brasil, rumo ao futuro, no qual o senhor escreveu parte com o controle da inflação, assim como com a expansão da inevitável e misericordiosa bolsa esmola. Não queremos um presidente que dê canetadas, mas que eduque o povo, pelo exemplo de respeito à lei, à racionalidade e à dedicação ao trabalho. E em tempo: que evite a volta do dragão inflacionário, que certamente produziu a má distribuição de renda, pior doença deste país.

Posso quebrar a cara com esse desafio. Vai que o presidente controle a inflação. Poderia ficar com cara de tacho. Se isso ocorrer será ótimo, pois não tenho objetivo político, mas unicamente ver o Brasil e os brasileiros livres desta peste.

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