Liberdade de expressão

Para promotoras, pré-candidato só pode falar da vida pessoal

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19 de junho de 2008, 16h30

Os promotores eleitorais que pediram à Justiça Eleitoral que multasse o jornal Folha de S. Paulo e a revista Veja São Paulo reiteraram a tese de que os dois veículos fizeram propaganda política e não informaram seus leitores quando veicularam a entrevista com a pré-candidata Marta Suplicy (PT/SP) à prefeitura da capital paulista. As reportagens foram publicadas em 4 de junho no jornal e na edição de 4 a 11 de junho da revista semanal.

“Você poderia fazer o perfil do candidato. Quem é Marta Suplicy? É uma mulher, psicóloga, trabalhou, fez isso e fez aquilo. […] Gosta de cachorro, gosta de boxe, gosta de rock and roll, gosta de poesia. […] Agora, se ela falar: ‘Eu vou mudar o trânsito em São Paulo’, não pode”, disse a promotora Patrícia Moraes Aude ao jornal Folha de S. Paulo.

Na mesma linha, a promotora Maria Amélia Nardy Pereira defendeu que o artigo 24 da Resolução 22.718, do Tribunal Superior Eleitoral, indica que os pré-candidatos poderão participar de entrevistas, debates e encontros antes de 6 de julho, desde que não exponham propostas de campanha. Também assinaram a denúncia os promotores, Yolanda Alves Pinto Serrano de Matos e Eduardo Rheingantz.

Sobre o fato de a mesma Resolução indicar que o jornal pode antecipar opinião do candidato, sem que seja configurada propaganda eleitoral, a promotora afirmou: “O texto diz que abusos, excessos, assim como as demais formas de uso indevido do meio de comunicação serão apurados e punidos. E o que vimos na entrevista não é uma opinião favorável a candidato, mas a promoção do próprio candidato. É uma situação totalmente diferente”.

Maria Amélia Nardy Pereira disse, ainda, que não houve censura à imprensa. Para ela, a Folha e a Veja São Paulo poderiam ter feito a entrevista, mas sem questionar a candidata sobre plataforma eleitoral. “É proibido porque a lei diz assim. E a lei não proíbe entrevistas. Veja, a atuação do Ministério Público de maneira alguma busca a censura. Você pode entrevistar, desde que o candidato não faça promoção eleitoral, não apresente a plataforma eleitoral”.

Os recursos

A Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha, e a Editora Abril, responsável pela Veja São Paulo, recorreram na quarta-feira (18/6) da decisão de primeira instância da Justiça Eleitoral, que aplicou pouco mais de R$ 21 mil de multa para cada veículo por entender que as entrevistas publicadas com a pré-candidata à prefeitura paulistana Marta Suplicy (PT) foi propaganda eleitoral.

Os argumentos contrários à determinação da Justiça Eleitoral serão avaliados por seis juízes do Tribunal Regional Eleitoral. No recurso, o advogado da Folha, Luís Francisco Carvalho Filho, afirmou que a sentença ignora o princípio constitucional da liberdade de imprensa e questiona se no Brasil existem temas proibidos de serem tratados publicamente.

“Todo mundo sabe que Marta, [Geraldo] Alckmim e [Gilberto] Kassab serão candidatos em São Paulo e que é natural que falem de suas idéias e qualidades. Por que Marta não pode falar isto ou aquilo? Por que a Folha não pode perguntar isto ou aquilo para Marta Suplicy? Em que dispositivo da legislação eleitoral está prevista a existência de temas proibidos para jornais?” questionou Carvalho Filho. Ele ponderou ainda na própria sentença o juiz eleitoral reconheceu que “é inquestionável o interesse público da matéria em exame”

“Ora, a entrevista é de interesse público, mas, segundo o magistrado, o jornal ‘extrapolou’. E chega a sugerir que a propaganda é ‘dissimulada’. O magistrado pinça frases contidas na entrevista, atuando como um editor parcial, e elimina os aspectos críticos à candidata contidos nos texto para tentar confirmar a sua tese”, atacou o defensor da Folha.

Carvalho Filho encerrou dizendo que, o jornal, ao contrário das emissoras de rádio e TV, que são concessões públicas, não é obrigado a manter equivalência de espaço no noticiário para os candidatos.

Advogados da ex-ministra, multada em pouco mais de R$ 42 mil, também recorreram da sentença do juiz auxiliar da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Francisco Carlos Shintate. O juiz disse que não vai se manifestar publicamente sobre a decisão.

Leia a nota do Movimento do Ministério Público Democrático sobre a polêmica

Direito à Informação

São Paulo, 19 de junho de 2008

O Movimento do Ministério Público Democrático, organização não-governamental sem fins econômicos que reúne promotores e procuradores de todo o país, vem tornar público seu entendimento que a recente condenação pela Justiça Eleitoral de veículos da imprensa ao pagamento de multas em razão da publicação de entrevistas de pré-candidata à Prefeitura de São Paulo configura clara violação a direitos fundamentais assegurados pela Constituição da República do Brasil.

Nós, que em nosso estatuto defendemos e lutamos pelo “respeito absoluto e incondicional aos valores político-jurídicos próprios de um Estado Democrático de Direito”, entendemos que o direito à informação, consagrado expressamente no art. 5, XIV, da Constituição Federal, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito no Brasil, e a sua negação implica obscurantismo jurídico, contribuindo para o agravamento do quadro de falta de consciência de cada brasileiro e brasileira a respeito daqueles que postulam cargos eletivos e dificultando o exercício do direito ao voto de forma consciente.

As restrições previstas na lei federal no 9504/97 são precisamente dirigidas a ações de propaganda eleitoral e ao uso indevido de televisão e rádio, sabidamente concessões públicas. Os jornais e revistas não precisam pedir a ninguém e podem, e devem, a qualquer tempo, antes, durante e depois de eleições, entrevistar pessoas, candidatas ou não. Quando assim procedem, contribuem para o fortalecimento da cidadania brasileira e dão vida ao direito fundamental à informação.

Roberto Livianu

Presidente do Movimento do Ministério Público Democrático e promotor de Justiça em São Paulo

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