Decisão absurda

Liberdade de imprensa não é uma benesse às empresas

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18 de junho de 2008, 11h24

Editorial da Folha de S.Paulo

É absurda a decisão do juiz auxiliar da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Francisco Carlos Shintate, que impôs multa a Marta Suplicy, à Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha, e à Editora Abril S.A., responsável pela Veja São Paulo, por entender que entrevistas publicadas por esses veículos com a candidata configuram propaganda eleitoral antecipada.

A determinação — da qual cabe recurso —, embora travestida da aparência de juridicidade, viola mandamentos constitucionais, preceitos elementares de lógica e todas as lições sobre a importância da liberdade de imprensa.

Ao tentar fundamentar sua decisão, o magistrado sustenta que o princípio constitucional que assegura a liberdade de imprensa (artigo 220) e o caput do artigo 5º, que estabelece “a igualdade entre todas as pessoas”, são hierarquicamente idênticos. A seguir, porém, o juiz conclui ser legítimo restringir a liberdade de informação para preservar a “igualdade de oportunidade entre pré-candidatos”.

É uma solução abstrusa. O caput do artigo 5º é antes de mais nada uma idéia reguladora, dada a impossibilidade de tratar a todos igualmente. A própria Constituição estabelece diferenças jurídicas entre cidadãos: militares, por exemplo, não têm direito a greve. Bem mais longe vai a legislação ordinária: mulheres aposentam-se com menor tempo de contribuição do que homens; empregados domésticos não têm o FGTS obrigatório.

Deve-se ainda lembrar que até as normas eleitorais discriminam entre candidatos, ao conceder-lhes tempos diferenciados de exposição no rádio e na TV, segundo a representação de seu partido. E assim deve ser, pois é ridículo dispensar o mesmo tratamento jornalístico a um candidato líder nas pesquisas e a um dos chamados nanicos. A vigorarem as regras do mundo fantástico de certos juízes, o jornal do PT, por exemplo, teria de dar o mesmo espaço a seus candidatos e respectivos rivais.

Para tornar o panorama mais sombrio, pululam indícios de que este não é um caso isolado. O TSE não acatou um pedido das empresas O Estado de S. Paulo eAgência Estado para que suas páginas na internet recebessem o mesmo tratamento dispensado a jornais, e não a rádios e TVs -as quais, a partir de 1º de julho, ficam sujeitas a restrições, como o impedimento de manifestar opinião favorável ou contrária a candidatos.

Não há dúvida de que o legislador errou ao equiparar, na lei 9.504/97, a internet a rádios e TVs e não a publicações escritas. A rede de computadores, ao contrário das emissoras, não é uma concessão pública nem comporta um número máximo de estações. É frustrante ver a máxima corte eleitoral eximir-se de corrigir tamanho equívoco.

Falta a representantes do Judiciário a percepção de que a liberdade de imprensa não é uma benesse às empresas, mas um direito de todos. Quem bem colocou a questão foi Felix Frankfurter (1882-1965), um dos maiores magistrados dos EUA: “A liberdade de imprensa não é um fim em si mesmo, mas um meio para se chegar a uma sociedade livre”.

[Editorial publicado na Folha de S.Paulo, desta quarta-feira, 18 de junho]

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