Defesa na tela

Supremo julga uso de interrogatório por videoconferência

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17 de junho de 2008, 12h04

O plenário do Supremo Tribunal Federal vai definir a constitucionalidade da utilização do interrogatório por videoconferência. Na quinta-feira (19/6), os ministros podem julgar pedido de Habeas Corpus que requer a nulidade de interrogatório feito com base na lei paulista que disciplina a tomada de depoimentos à distância. A decisão vale para o caso concreto, mas pode abrir precedentes. Em agosto do ano passado, os ministros Cezar Peluso, Eros Grau, Celso de Mello e Gilmar Mendes já se manifestaram contra o instrumento por falta de previsão legal.

A Defensoria Pública de São Paulo quer reformar a decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou Habeas Corpus para Fábio Firmino dos Santos. O argumento de nulidade do interrogatório pelo sistema de videoconferência não convenceu os ministros. Agora, direcionado ao Supremo, o pedido tem o mesmo argumento. Segundo a defesa, o interrogatório por videoconferência não equivale ao interrogatório ao vivo que garante a “autêntica comunicação” entre juiz e investigado. Ainda de acordo com a Defensoria Pública, a presença física do réu no interrogatório também está garantida pelo Pacto de São José da Costa Rica.

De acordo com o artigo 1º da Lei Estadual 11.819/05, questionada no HC, “nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, poderão ser utilizados aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, observadas as garantias constitucionais”.

O advogado criminalista Alberto Zacarias Toron disse ao site Consultor Jurídico que a lei paulista “é inconstitucional porque a matéria só pode ser objeto de regulação por meio de lei federal”. Para o advogado, o sistema pode ser utilizado apenas se houver concordância da defesa.

O advogado e professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini considera que o interrogatório dessa forma fere os princípios do Direito Processual Penal. “A presença física do interrogando, quando réu preso, é fundamental e indispensável”, afirma. Bottini lembra que o interrogatório é um ato de defesa e que pode ser cerceado, pelo fato de o réu estar distante do juiz. “Há uma certa dificuldade de produção de provas. A videoconferência também impõe dificuldade se o réu quiser relatar algo de sua condição de preso ou algum problema vivido dentro do cárcere”, destaca. Ele defende o uso da videoconferência somente para testemunhas. “É um meio válido para ouvir alguém no exterior, por exemplo.”

Miguel Pachá, sócio do Tostes e Asssociados Advogados e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, também defende a utilização da videoconferência só na oitiva de testemunhas.

O criminalista David Rechulski também ressalta que a presença física do acusado é de fundamental importância para que o juiz possa perceber a sinceridade, a dissimulação e o nervosismo, por exemplo, diante das perguntas formuladas. “Essas impressões são realmente importantes e não deixam de compor parte do mecanismo de formação do livre convencimento do julgador, que juntamente com os demais elementos de prova existentes nos autos, ajudará na sua convicção para absolver ou condenar o acusado”, afirma o advogado.

Garantias fundamentais

Em agosto do ano passado, a 2ª Turma do STF anulou o processo contra um condenado a mais de 14 anos de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo a partir do interrogatório. O relator do caso (HC 88.914), ministro Cezar Peluso, entendeu que o interrogatório por videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

Segundo Cezar Peluso, “a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal” e torna a atividade judiciária “mecânica e insensível”. O ministro frisou que o interrogatório é o momento em que o acusado exerce seu direito de autodefesa. Peluso esclareceu que países como Itália, França e Espanha utilizam a videoconferência, mas com previsão legal e só em circunstâncias limitadas e por meio de decisão devidamente fundamentada

No Brasil, ainda não há lei que regulamente o interrogatório por videoconferência. “E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-lo não poderia deixar de ser suficientemente motivada, com demonstração plena da sua excepcional necessidade no caso concreto”, afirmou o ministro.

Os argumentos em favor da videoconferência, que traria maior celeridade, redução de custos e segurança aos procedimentos judiciais, foram descartados pelo ministro. “Não posso deixar de advertir que, quando a política criminal é promovida à custa de redução das garantias individuais, se condena ao fracasso mais retumbante.”

O ministro Celso de Mello acompanhou o entendimento do relator. Para o decano do STF, o direito de presença real do acusado durante o interrogatório e em outros atos da instrução processual tem de ser preservado pelo Poder Judiciário. O ministro Eros Grau também seguiu o voto de Cezar Peluso. Gilmar Mendes afirmou, na ocasião, que só o fato de não haver lei que autorize videoconferência já revela a ilegalidade do procedimento.

Em julho de 2007, em decisão monocrática, a ministra Ellen Gracie entendeu que a videoconferência não ofende suas garantias constitucionais. Isso mostra que a matéria ainda não é pacífica na Corte.

No STJ

O Superior Tribunal de Justiça concedeu, pelo menos, duas decisões contra o interrogatório por videoconferência. Na decisão mais recente, a desembargadora convocada no STJ e relatora da matéria, Jane Silva, defendeu que é por meio do interrogatório com a presença física do juiz e do réu que poderão ser extraídas as minuciosas impressões necessárias para o julgamento do caso.

É também pessoalmente que se pode observar se o réu está em perfeitas condições físicas e mentais, segundo ela. Jane Silva concluiu que o interrogatório deve ser feito sempre na presença do juiz e do réu para satisfazer o princípio do contraditório e da ampla defesa, como prevê a Constituição Federal.

Na ocasião, a desembargadora afirmou que não se trata de desvalorizar o papel do desenvolvimento tecnológico no processo, como dizem os defensores do interrogatório online. Para Jane Silva, para a realização do interrogatório, não é possível preterir a presença de juiz e acusado frente a frente.

HC 92.590

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