Boca solta

Google responde por mensagem ofensiva e anônima no Orkut

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15 de junho de 2008, 0h00

A Google é responsável pelas mensagens anônimas e ofensivas deixadas no site de relacionamento Orkut. Com base nesse entendimento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou a Google a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais para uma usuária chamada de prostituta em uma das comunidades do Orkut. A mensagem foi postada por um anônimo. Cabe recurso da decisão.

De acordo com os autos, a mensagem foi escrita na comunidade Na boca do povo – TR, em um tópico que trata de prostituição em Três Rios, Região Serrana do Rio. O anônimo dizia que a usuária do Orkut se prostituía para pagar a faculdade. A estudante se sentiu ofendida e entrou com ação de indenização.

A primeira instância acolheu seu pedido e fixou a reparação em R$ 10 mil. Google e estudante recorreram: a Google para reformar a sentença e a usuária para aumentar o valor da indenização.

A Google argumentou que é o usuário quem controla a informação inserida no perfil e nas comunidades e que é impossível fazer o monitoramente, controle e bloqueio de todo conteúdo. Também afirmou que não há legislação que obrigue os provedores a exercer o controle inserido na internet e que não poderia ser considerada culpada por não fazer parte da relação entre o ato ilícito e os danos morais sofridos pela estudante. A empresa ainda disse que até era possível identificar o usuário dono da mensagem ofensiva, no entanto, só poderia proceder assim com autorização judicial.

As alegações não foram aceitas pelo relator do processo, desembargador Benedicto Abicair. Segundo ele, ao invés do Orkut manter seu perfil de site de relacionamento, “tomou outro rumo, tornando-se um meio eficaz de execução de condutas ilícitas”. De acordo com o desembargador, como ainda não existem leis “adequadas” ao universo virtual, cabe ao caso o artigo 927 do Código Civil, que trata da teoria da responsabilidade civil objetiva.

“A regra estabelece que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outro”, explicou, lembrando também que a Constituição, no artigo 5º, inciso IV, dispõe que é livre a manifestação de pensamento, mas vedado o anonimato.

De acordo o desembargador, ainda que se considere a dificuldade de fiscalizar os conteúdos de tudo o que é lançado nas páginas do Orkut, o site tem como saber a procedência das informações. “Há possibilidade de identificação dos usuários do Orkut, por meio do IP. No entanto, quedou-se inerte neste sentido, não indicando ao longo do processo o provável autor das ofensas dirigidas à autora”, lembrou o desembargador.

Ele ressaltou que, para excluir a responsabilidade do dono do domínio, é necessária a identificação do usuário. “Se a recorrente permite a criação de sites com conteúdos ofensivos, onde qualquer um pode registrar informações, escondendo-se através do anonimato, é clara a sua responsabilidade e o dever de reparar o dano sofrido pela requerente”, afirmou.

Segundo o advogado Renato Ópice Blum, especialista em Direito Eletrônico, a decisão do TJ fluminense é uma das poucas proferidas nesse sentido. Ópice Blum explica que a jurisprudência tem avançado no sentido de entender que responsabilidade do provedor ou site só se inicia no momento em que toma conhecimento do ato ilícito, o que precisa ser comprovado — não pelo site, mas pela parte que alega ter sido ofendida, o que não aconteceu no caso analisado pela Justiça do Rio de Janeiro. O mais comum é que a parte notifique o site sobre o conteúdo ilícito. A partir daí, o provedor retira o conteúdo do ar. “A responsabilidade direta, automática, não tem acontecido. Não é a regra”, defende Ópice Blum.

Leia a decisão

SEXTA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.001.18270

APELANTE 1: JULIENE DA SILVA RIBEIRO

APELANTE 2: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA

APELADO: OS MESMOS

RELATOR: DES. BENEDICTO ABICAIR

AÇÃO ORDINÁRIA. INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. OFENSAS À AUTORA INSERIDAS POR ANÔNIMO NO ORKUT.

1. Ação movida contra a Google em razão de referências ofensivas em relação à autora inseridas no Orkut.

2. Se o réu é proprietário do domínio “Orkut” e permite a postagem de mensagens anônimas e ofensivas, responde pelo dever de indenizar a parte que sofreu dano à sua honra e dignidade.

3. Não havendo identificação da origem daqueles que hospedaram mensagens não há como eximir o réu, apelante 2, da responsabilidade direta se o anônimo efetuou algum ataque a honra de pessoas.

4. Aplicação do art. 927, parágrafo único, do CP que adota a teoria da responsabilidade civil objetiva, estabelecendo que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direito de outrem.


4. O art. 5º, inciso IV, da CF/88 veda o anonimato nas livres manifestações de pensamento.

5. Caracterizado o dever de indenizar do réu.

5.No arbitramento do dano moral deve-se levar em consideração a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano, pelo que, verifica-se que o valor de R$ 10.000,00 foi arbitrado de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

6.Sentença de procedência, que se mantém.

7. Recursos não providos.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 2008.001.18270, em que é apelante 1 JULIENE DA SILVA RIBEIRO, apelante 2 GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA e apelados OS MESMOS.

ACORDAM os Desembargadores da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento aos recursos, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Adoto, na forma do permissivo regimental, o relatório da sentença de fls. 190/201, que julgou procedente o pedido formulado por Juliene da Silva Ribeiro em face da Google Brasil Internet Ltda, condenando-a ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, em face de Montaury Pimenta, Machado & Lioce s/c ltda.

Ambas as partes apelaram.

A autora, em suas razões de fls. 203/211, requerendo a majoração do quantum fixado a título de dano moral.

O primeiro réu, a Google Brasil Internet Ltda, apela, às fls. 212/230, alegando que: a) o usuário, autor do Perfil de sua página do ORKUT, é quem controla a informação ali inserida, seja por ele ou por terceiros; b) as informações são propagadas pela internet muito rapidamente, tal qual no ORKUT, sendo impossível tecnicamente o monitoramento, controle e bloqueio prévios de inserção de conteúdo; c) exigir o monitoramento e controle de toda a massa de informações que transita em seus servidores causaria ônus desmesurados e inviabilizaria a continuidade dos serviços, hoje considerados tão essenciais; d) não há legislação que obrigue os provedores a exercer o controle do conteúdo inserido na internet por terceiros a todo instante, não havendo culpa in vigilando; e) não há como atribuir culpa de qualquer natureza à apelante, tendo em vista que não faz parte da relação entre o ato ilícito praticado por terceiro e os danos morais sofridos pela apelada; f) através do IP (Internet Protocol) é possível a identificação dos usuários de serviço de internet disponibilizados pela Google, no entanto a sua revelação depende de ordem judicial; g) dentificação é sigilosa, h) os danos morais não foram comprovados; i) o valor fixado a título de indenização é excessivo.

Contra-razões às fls.282/294 e às fls. 296/309.

É o relatório.

V O T O

Cuidam-s de apelações interpostas contra a sentença que julgou procedente o pedido inicial, condenando o primeiro réu, Google, ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais em decorrência de ofensa à honra da autora, que teve o seu nome citado com referências injuriosas na Comunidade “Na boca do Povo – TR” no tópico “As mais putas de Três Rios” do Orkut.

Ambas as partes apelaram. A autora requerendo a majoração do valor fixado para a indenização e a primeira ré, pleiteando a improcedência do pedido ou a redução do quantum indenizatório.

A controvérsia delineada nos autos diz respeito a responsabilidade da Google em relação aos textos que são inseridos no site “www.orkut.com”, tendo em vista ser a ré criadora do site.

A recorrente 2 alega que não é responsável pelos conteúdos inseridos no Orkut, por não exercer controle sobre as páginas e comunidades criadas pelos usuários.

No meu entender a sentença da lavra da Douta Magistrada Dra.Lindalva Soares Silva deu a melhor solução à matéria, devendo ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Se não vejamos.

De acordo com o que consta dos autos e das pesquisas realizadas na internet, o Orkut é um dos mais famosos sites de relacionamento, onde as pessoas se cadastram, montam o próprio perfil e formam uma rede de relacionamentos.

No entanto, o que era para ser apenas uma rede social, uma nova forma de fazer amigos, tomou outro rumo tornando-se um meio eficaz de execução de condutas ilícitas. A imprensa vem noticiando com regularidade a prática de crimes no site em questão, dentre eles a pedofilia e a venda de drogas.

No caso em comento, a recorrente 1, autora da ação, teve seu nome mencionado por anônimo, que dizia, entre outras ofensas, que a mesma se prostituía para pagar a faculdade.

O fato foi demonstrado pelos documentos de fls. 19 e dano é incontroverso, tendo em vista as ofensas dirigidas à autora, que maculam a sua honra, sua dignidade e o seu nome.


Resta saber se a ré deve ser ou não responsabilizada pelas ofensas veiculadas, tendo em vista o anonimato de quem fez as declarações.

O Eminente Des.Sergio Cavaliere, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil, nos ensina que “sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos que identificar a quem a lei imputou obrigação, porque ninguém poderá ser responsabilizado por nada sem ter violado o dever jurídico preexistente.

É certo que ainda não existem leis adequadas às características o universo virtual, no entanto o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, adota, em termos genéricos de conduta, a teoria da responsabilidade civil objetiva, estabelecendo que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direito de outrem.

E ainda, a Constituição em seu art. 5º, inciso IV, dispõe que é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato.

Sobre este assunto, Alexandre de Moraes explica:

“A manifestação de pensamento é livre e garantida em nível constitucional, … Os abusos porventuras ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com a consequente responsabilidade civil e penal de seus autores (…)” (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 20ª edição, pág. 39)

A proibição ao anonimato é ampla, abrangendo todos os meios de comunicação (cartas, matérias jornalísticas, informe publicitários, mensagens na Internet, notícias radiofônicas ou televisivas, por exemplo). Vedam-se, portanto, mensagens apócrifas, injuriosas, difamatórias ou caluniosas. A finalidade constitucional é destinada a evitar manifestação de opiniões fúteis, infundadas, somente com o intuito de desrespeito à vida privada, à intimidade, à honra de outrem.

Neste passo, conforme mencionado na sentença, às fls. 194/196, a Google é uma empresa “hosting service provide”, onde administra e armazena conteúdo em seus sítios para que terceiros os acessem através da internet. O Orkut pertence à empresa americana, que possui filial regularmente constituída no Brasil, no caso, apelante 1 e, como mencionado acima, através dele pessoas se cadastram, montam o próprio perfil e criam comunidades diversas.

Assim, a Google permite que se criem quaisquer tipos de comunidades, até aquelas com conteúdos ofensivos, permitindo, também, a disponibilização de informações injuriosas ou caluniosas de procedência duvidosa e desconhecida a respeito de outrem.

Ainda que se considere a dificuldade de fiscalizar os conteúdos de tudo o que é lançado nas páginas do Orkut, a empresa ré, ora apelante 2, tem como saber a procedência das informações, conforme relata em seu recurso, onde diz que há possibilidade de identificação dos usuários do Orkut, através do IP (Internet Protocol), no entanto quedou-se inerte neste sentido, não indicando ao longo do processo o provável autor das ofensas dirigidas à autora, apelante 1.

Neste sentido transcrevo o seguinte parágrafo da sentença por sua pertinência:

“Não havendo identificação da origem daqueles que hospedaram mensagens não há como eximir o primeiro réu da responsabilidade direta se o anônimo efetuou algum ataque a honra das pessoas. Não fazendo nenhum esforço na sua devesa de maneira voluntária a identificação precisa do usuário, seu “e-mail” ou “internet protocol”, passa a assumir o ônus pela ofensa. A internet é um meio poderoso de ataque a honra alheia e deve contar com a colaboração de todos para eliminar seu mau uso por terceiros que se escondem.”

A sentença ainda trouxe à baila a conclusão encontrada pela Comissão Européia a respeito das mensagens que circulam na internet, considerando como regra geral que os provedores de serviços de internet não devem responder pelo conteúdo que circula na rede, desde que o produto pertença a terceiros e que eles sejam identificados pelo próprio provedor (fls. 197)

Assim, para excluir a responsabilidade da ré, caracterizando-se como fato de terceiro, conforme sustenta a apelante 1, seria necessário a identificação do usuário. Se a recorrente permite a criação de sites com conteúdos ofensivos, onde qualquer um pode registrar informações, escondendo-se através do anonimato, é clara a sua responsabilidade e o dever de reparar o dano sofrido pela requerente.

Portanto, no que concerne ao dano, restou induvidoso o fato, devendo a ré indenizar à autora pelos danos morais sofridos.

Em relação ao valor arbitrado, impugnado pela apelante 1, no arbitramento do dano moral há que se levar em conta não apenas os evidentes transtornos pelos quais passou a parte e que extrapolaram a simples normalidade da vida, como também, a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano e, principalmente, os princípios punitivo-pedagógicos da indenização, bem como a fortuna das partes.

Com efeito, a sentença fixou o valor da indenização de acordo com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como os princípios orientadores da intensidade da ofensa, sua repercussão na vítima, o grau de fortuna das partes e o punitivo-pedagógico.

Portanto, o valor da indenização está fixado de acordo com o limite razoável e dentro dos parâmetros adequados, não ensejando enriquecimento sem justa causa.

Por tais motivos, voto pelo não provimento dos recursos.

Rio de janeiro,

DESEMBARGADOR BENEDICTO ABICAIR

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