Tributação injusta

CSS não resolve o problema crônico da saúde pública no Brasil

Autor

  • Simone de Sá Portella

    é procuradora do Município de Campos dos Goytacazes (RJ). Mestre em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU/FDC e professora de Direito Constitucional.

9 de junho de 2008, 16h26

Por iniciativa do PT, está sendo discutida uma proposta de criação da Contribuição Social para a Saúde, através de substitutivo ao Projeto da Lei Complementar 306/2008, que regulamenta a Emenda Constitucional 29. O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana, assegurou que o novo tributo, se aprovado, acarretará um aumento de R$ 10 bilhões para o Orçamento da União na área da saúde1.

Mas, a criação de contribuição social depende de previsão expressa na Constituição, a não ser que não seja cumulativo, e não tenha fato gerador e base de cálculo dos demais, conforme determina o artigo 195, parágrafo 4º, da CF, que remete ao artigo 154, I, referente aos impostos residuais.

O parágrafo 4º, do artigo 195, da CF, assim determina:

“(…)

§ 4º. A lei pode instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I”.

O artigo 154, I, da CF, por sua vez, dispõe:

“Art. 154. A União poderá instituir:

I — mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.

No entanto, a Contribuição Social para a Saúde será cumulativa, pois alcança a cadeia produtiva, recaindo o ônus no consumidor. Além disso, tem o mesmo fato gerador do IOF, pois incide sobre a movimentação financeira, razão pela qual não pode ser criada por lei complementar. A criação da CSS só pode se feita por emenda constitucional, do mesmo modo que se deu com a antiga CPMF. Assim sendo, caso seja aprovada, terá o vício de inconstitucionalidade.

Nos mesmos moldes da antiga CPMF, o tributo incidirá sobre as movimentações financeiras, com diferencial em relação à alíquota, que será de 0,1%.

As Contribuições Sociais são tributos com destinação específica. No caso da CPMF, e agora, da CSS (Contribuição Social para a Saúde), o destino das verbas será o financiamento da saúde pública.

Ricardo Lobo Tôrres enfatiza que as contribuições sociais possuem fato gerador parecido com os impostos, pois a incidência se dá independentemente de manifestação de vontade do contribuinte2. Isso acontece com a instituição das chamadas “contribuições sociais anômalas”3, como a CPMF, que tinha o fato gerador idêntico ao do Imposto de Renda. A diferença consiste, somente, na destinação especial, típica das contribuições sociais.

Ademais, há de se ressaltar que, o financiamento da saúde pública poderia ser feito com a receita do Imposto de Renda, como se dá na Alemanha.

Portanto, a instituição da CSS é de todo absurda e desnecessária. Além de agravar o ônus fiscal incidente sobre pessoas que utilizam movimentações financeiras, não resolverá o problema crônico da saúde pública no Brasil. Nada garante que os recursos, apesar de serem destinados a saúde, não serão desviados para outros fins.

Por outro lado, houve aumento de arrecadação com o acréscimo das alíquotas do IOF, após o fim da CPMF.

Ademais, há de se lembrar que, toda criação de tributo pressupõe previsão constitucional e criação por lei específica. Isso significa que, deve haver aprovação da sociedade, representada pelos integrantes do Parlamento, na sua criação.

Ocorre que, no Brasil, não há essa democracia substancial, e sim, os arranjos políticos de ceder a um grupo político para atender a outro. A população, no entanto, que é a verdadeira destinatária da legitimidade, não tem voz para dizer o que pretende.

Isso não é democracia, é anarquia, ou qualquer outro nome, mas não é o governo do povo para o povo. Por trás da roupagem límpida da justificação de aprovação pelo Congresso Nacional, sabe-se que não há, no Brasil, partidos políticos com identidade ideológica, razão pela qual, aqui, ao contrário de outros países, se vota na figura do candidato, pouco importando a legenda que ele representa.

Não se está aqui a defender, como alguns, que a tributação em si, é injusta. Não, ao contrário, o sistema tributário é a fonte de receitas para o atendimento das necessidades e anseios da coletividade.

Mas, deve-se partir da idéia de justiça na tributação. Todo tributo desnecessário é um mal maior que a ausência de um tributo necessário.

Nesse sentido, a proposta de criação da Contribuição Social para a Saúde é despida de justiça e legitimidade. No primeiro caso, porque como demonstrado acima, é desnecessária, pois a saúde pode ser financiada com o Imposto de Renda. No segundo, é ilegítima, porque não tem o apoio popular. E isso já foi demonstrado com a derrubada da CPMF.

Vê-se, assim, que o povo, quem suportará o ônus fiscal, terá sua vontade desconsiderada, caso seja aprovada tal contribuição.

Espera-se, assim, que os lobbies de sociedades civis organizadas sejam fortes o suficiente para fechar qualquer tentativa de reestruturar um tributo, intitulado Contribuição Social para a Saúde, já desaprovado, anteriormente. Do contrário, haverá flagrante violação à soberania popular.

No entanto, se ainda com a resistência, o tributo for aprovado, deve ser ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, por um dos legitimados no artigo 103, da CF, pelo vício de inconstitucionalidade, pois só por emenda constitucional pode ser instituído um tributo de incidência cumulativa, e com o mesmo fato gerador do IOF.

Notas de rodapé

1. Notícia extraída do site www.ultimosegundo.ig.com.br; de 27/05/2008; acesso em 28/05/2008.

2. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. Os Tributos na Constituição. Rio de Janeiro. Editora Renovar. 2007. P. 525.

3. Expressão usada por Ricardo Lobo Torres.

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