Principais propostas

Análise das alterações no CPP relativas ao Tribunal do Júri

Autor

  • Rodrigo Iennaco

    é promotor de Justiça em Sete Lagoas (MG) professor convidado da pós-graduação da UFJF mestre em Ciências Penais pela UFMG e coordenador do site Direito Penal Virtual.

6 de junho de 2008, 20h56

Após regular tramitação e aprovação no Congresso Nacional, no dia 21 de maio de 2008 foi encaminhado à sanção presidencial o Projeto de Lei 4.203/01, que altera os dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri. Apesar da previsão, no texto aprovado, de vacatio legis especial e da possibilidade de veto, convém a análise das principais alterações, tomando-se por norte o texto enviado à análise do chefe do Executivo, a despeito de tratar-se de assunto de lege ferenda.

O texto se inspira em predicados de celeridade (direito do acusado ao julgamento em tempo razoável), eficiência (aproveitamento de recursos disponíveis e não-adiamento de atos processuais), simplicidade (instrumentalidade, oralidade e informalismo) e segurança (resposta judicial a demandas sociais).

Embora não esteja infenso a críticas, não há como negar que o legislativo deu importante contribuição para a celeridade processual e simplificação de rito e do sistema de formulação de quesitos. Evidente que tais alterações representam sinalização, para o Judiciário, no sentido de que a administração da Justiça se adapte à nova sistemática, estruturando-se para traduzir em efetividade o anseio social que inspirou o legislador.

Em termos claros: impende reconhecer a necessidade urgente de conferir prioridade aos processos que versem sobre crimes dolosos contra a vida.

O projeto prevê um novo rito, específico para os processos de competência do júri, com uma instrução sumária-preliminar. Oferecida e recebida a denúncia (ou queixa), o acusado será citado para oferecer resposta escrita em 10 dias (contados da efetiva citação válida). Em caso de inércia, será nomeado defensor para fazê-lo (princípio da defesa efetiva). Ultrapassada a fase da defesa prévia, abre-se vista à acusação “sobre preliminares e documentos”, para manifestação em 5 dias. São inquiridas as testemunhas, seguindo-se diligências em, no máximo, 10 dias.

A instrução é orientada pelos princípios da oralidade e da concentração dos atos em audiência. A instrução obedece a seguinte lógica: serão inquiridos, nessa ordem, ofendido (se possível) e testemunhas; seguem-se esclarecimentos de peritos (se previamente requerido), acareação, reconhecimento de pessoas e coisas e, ao final, o acusado será interrogatório — ciente, pois, das provas já produzidas em seu desfavor.

Encerrada coleta de provas, seguem-se debates orais, destinando-se às partes o tempo de 20 minutos, prorrogáveis por mais 10; havendo assistente admitido, terá a palavra (após autor) por 10 minutos, prorrogando-se, neste caso, o tempo da defesa por igual período (10min). A decisão sobre a pronúncia deverá ser prolatada na própria audiência ou, excepcionalmente, em 10 dias.

Nenhum ato será adiado, conduzindo-se coercitivamente os ausentes que deveriam comparecer.

O projeto estabelece que o prazo para conclusão da instrução será de 90 dias. Logo, se não observado, renderá ensejo a excesso que poderá, conforme o caso, resultar na soltura do acusado preso.

A fundamentação da pronúncia permanece restrita, ligada agora ao juízo positivo de materialidade e indícios de autoria; a capitulação jurídica se refere ao tipo base, qualificadoras e majorantes. Surgindo notícia de co-autoria ou participação não veiculada na denúncia, originalmente, em vez de aditamento para sua inclusão, proceder-se-á à separação de processos.

A partir de agora, o acusado solto com paradeiro ignorado será intimado da decisão de pronúncia por edital.

Pouca ou nenhuma novidade está prevista para a hipótese de impronúncia, que permanece como antítese da pronúncia. Prevê o texto, expressamente, que surgindo prova nova que a contrarie, será oferecida nova denúncia, salvo se estiver extinta a punibilidade. A decisão de impronúncia, assim, equivale, em efeitos práticos, à que determina o arquivamento do inquérito policial.

A absolvição sumária, que subtrai do júri a análise de fato intencional praticado contra a vida, será admitida em hipóteses evidentes de: a) inexistência do fato; b) não ser o réu autor ou partícipe do fato; c) o fato não constituir infração penal; d) causa de exclusão do crime ou de isenção de pena (salvo art. 26, caput, CP, se não for a única tese da defesa). De certa forma, aqui, o projeto se limitou a atualizar o texto com os institutos congêneres do Código Penal.

Nenhuma alteração significativa consta para a hipótese de desclassificação para crime de competência do juiz singular, nesta fase do procedimento.

Início da segunda fase (judicium causae), com a supressão do libelo. Segue-se intimação para: arrolar testemunhas a serem ouvidas no plenário do júri, requerer diligências e juntar documentos.

Despacho preparatório do julgamento: deliberação sobre provas, saneamento de irregularidades, diligências para esclarecimento de fatos relevantes e relatório (escrito, que será depois entregue aos jurados) do processo.


Podem ser jurados cidadãos maiores de 18 anos: 800 a 1.500 nas comarcas de mais de 1 milhão de habitantes, 300 a 700 nas de mais de 100 mil, e 80 (oitenta) a 400 nas de menor população (possível aumento; lista de suplentes). A lista geral será completada anualmente.

Importante novidade, que visa à evitar a “profissionalização” do jurado: exclusão, da lista geral, do jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 meses anteriores à publicação.

O sistema previsto atualmente sofrerá significativa ampliação e o instituto do desaforamento passa a funcionar, também, como mecanismo de controle do tempo processual.

Além das hipóteses atuais (ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade do júri ou para segurança pessoal do acusado), o projeto prevê o desaforamento do julgamento em caso de excesso de serviço, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 meses, contado do trânsito em julgado da pronúncia — salvo o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

Não havendo excesso de serviço ou processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação nas reuniões periódicas previstas para o exercício, “o acusado poderá requerer” ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.

A exposição de motivos da reforma do CPP, originalmente frisava:

“O sistema de desaforamento alcança um objetivo mais amplo e ganha um espectro de abrangência mais significativo.

Não será motivo de desaforamento apenas a garantia da ordem pública; a dúvida sobre a parcialidade do Júri ou a segurança pessoal do acusado, como no regime atualmente em vigor.

O desaforamento funcionará como mecanismo de controle do tempo de espera para julgamento, com força de estabelecer que o acusado, como regra, sempre será julgado em um prazo não superior a seis meses.

Previu-se que, em havendo excesso de serviço comprovado e o julgamento não puder ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, o acusado — e somente ele — poderá requerer o desaforamento.

Observe-se que não havendo esse excesso de serviço, mas se constatando a inexistência de processos aguardando julgamento, em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, ficando assim demonstrado inexistir motivo para o retardamento, o acusado poderá requerer diretamente ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.

Embora esta última hipótese não seja de desaforamento propriamente dito, pois o deslocamento do julgamento para outra comarca implicaria em premiar o juiz desidioso, o julgamento dentro do prazo máximo de seis meses passa a ser direito subjetivo irretirável do acusado.”

O texto enviado à sanção prevê:

Seção V

Do desaforamento

“Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

§ 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente.

§ 2º Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri.

§ 3º Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.

§ 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado.” (NR)

“Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

§ 1º Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

§ 2º Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.” (NR)

Quanto ao desaforamento, a interpretação dos dispositivos do projeto não deixa dúvida que, em todas as hipóteses de desaforamento (tradicionais e em virtude de morosidade por excesso de serviço), estarão legitimados juiz, acusação (MP, querelante ou assistente) e defesa. Isso embora o texto pareça restringir a possibilidade de o assistente pleitear o desaforamento no caso de mora por excesso de serviço, vez que tal restrição não se coaduna com o espírito do projeto, que admitiu expressamente a legitimidade do assistente para o pedido de desaforamento, o que não se verifica na sistemática do CPP atual.


A dúvida que surgirá, caso o projeto venha a ser sancionado como consta na atual redação, diz respeito à morosidade do julgamento (após admissibilidade da acusação) não justificada por excesso de serviço. Nesse aspecto, o texto aprovado parece confirmar a dicção inicial da exposição de motivos, no sentido de que somente o acusado poderia requerê-lo.

Não obstante a conclusão que se extrai de uma primeira leitura consagrar uma exegese restritiva, não há como negar a legitimidade do Ministério Público para tal pleito, o que se afirma sob a ótica do sistema constitucional.

É que o Ministério Público (a quem a Constituição atribuiu o status de defensor da sociedade, da ordem jurídica e dos direitos fundamentais) quando atua como parte no processo penal (sendo o titular da ação penal condenatória), age no interesse público de evitar a impunidade e a prescrição. Nesse sentido, eventual restrição do legislador, prevendo a hipótese como prerrogativa exclusiva da defesa, viola o princípio do contraditório, mais especificamente a paridade de armas, que é seu corolário. E não apenas. A legitimação ministerial ainda encontra respaldo na defesa do interesse indisponível do acusado (todo e qualquer cidadão acusado) de ver-se julgado em tempo razoável, haja vista o prejuízo social, moral e psicológico que o status de processado acarreta ao cidadão.

Sobre o tema, portanto, podem-se estabelecer três conclusões1:

1) O desaforamento, nos moldes previstos no Projeto de Lei 4.203/01, passa a funcionar, também, como mecanismo de controle temporal do processo penal: a) para evitar a prescrição e a impunidade; b) para melhor distribuir o ônus da duração do processo entre acusado e sociedade; c) para garantir ao acusado julgamento em tempo razoável.

2) O pedido de desaforamento, em qualquer hipótese, inclusive em virtude de demora no julgamento motivada por excesso de serviço, poderá ser feito pelo Ministério Público, assistente, querelante, acusado ou juiz, conforme interpretação sistemática dos artigos 427 e 428, com a redação que lhes dá o Projeto de Lei 4.203/01.

3) O Ministério Público, atuando no processo penal como parte ou como fiscal da lei, possui legitimidade para requerer ao Tribunal a determinação de julgamento prioritário de processo do júri, em caso de atraso não justificado por excesso de serviço, de acordo com a interpretação constitucional do Projeto de Lei 4.203/01.

O juiz presidente reservará datas na mesma reunião periódica para a inclusão de processo que tiver o julgamento adiado. Sorteio dos jurados para a reunião pelo próprio juiz, precedido de intimação do MP, OAB e Defensoria Pública, independentemente do comparecimento efetivo.

Serão sorteados 25 jurados, em vez dos 21 atualmente previstos. Recusa no alistamento ou não comparecimento acarretam multa de 1 a 10 salários mínimos ao jurado. Havendo escusa de consciência, há previsão de serviço alternativo (proporcional e razoável): atividades administrativas, assistenciais, filantrópicas ou mesmo produtivas, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada.

Ausência MP: redesignação primeiro dia desimpedido da mesma reunião; ciência ao Procurador-Geral de Justiça do fato e da nova data. Se a ausência for do advogado: se outro não for constituído, adiamento único, ciência OAB, com designação de nova sessão no prazo mínimo de 10 dias, intimando-se a Defensoria Pública para patrocínio da defesa, que, no caso, independerá da condição econômica do réu (nada impedindo que o juiz arbitre honorários em favor da instituição, se for o caso, a serem custeados pelo próprio acusado).

O julgamento não será mais adiado, se o acusado solto tiver sido intimado e não comparecer à audiência.

Na ausência do acusado preso, salvo pedido de dispensa de comparecimento subscrito pelo acusado e por seu defensor, adia-se para o primeiro dia livre da mesma reunião.

No caso de ausência de testemunha: condução coercitiva, crime de desobediência, aplicação de multa. Somente haverá adiamento quando arroladas (art. 422) com a marca da imprescindibilidade e pedido de intimação por mandado. Certificada não-localização da testemunha, realiza-se o julgamento.

Instalada a sessão, os jurados receberão cópias da pronúncia (e/ou decisões posteriores de admissibilidade) e do relatório do processo. Juiz, MP, assistente e advogado poderão inquirir diretamente o ofendido e testemunhas; jurados por intermédio do juiz. Partes e jurados poderão requerer acareações, reconhecimentos, esclarecimento dos peritos, e a leitura de peças (exclusivamente precatórias, cautelares, antecipadas ou não-repetíveis).

Após interrogatório judicial, MP, assistente, querelante e defensor perguntam diretamente ao acusado, se presente. Emprego excepcional de algemas, vedada referência nos debates (em seu benefício ou prejuízo)


Há expressa vedação de referência, sob pena de nulidade, à pronúncia como argumento de autoridade, silêncio ou, no dizer do projeto, “ausência de interrogatório por falta de requerimento”. Deve-se interpretar, aqui, ausência por falta de comparecimento (que passa a ser direito do acusado), pois a realização do interrogatório do acusado presente independe de requerimento, havendo imperfeição no projeto que, espera-se, seja suprida.

Inicia-se o debate com a sustentação da acusação admitida e de eventuais agravantes. Possibilidade de reinquirição de testemunha já ouvida em plenário, após a tréplica. Altera-se o tempo: uma hora e meia seguida de uma hora de réplica, se for o caso; se há mais de um acusado, acresce uma hora para cada e dobra o tempo da réplica.

Possibilidade, via juiz, de pedido de indicação da fonte do argumento pelas partes e jurados e de solicitação de esclarecimentos ao orador pelos jurados

De acordo com o projeto, serão formulados quesitos sobre: a) matéria de fato; e b) possível absolvição do acusado (que entendemos ser de formulação obrigatória, ex vi legis, independente das teses sustentadas pela defesa. Os quesitos serão elaborados com base na pronúncia, interrogatório e alegações das partes, observando-se a seguinte ordem: a) materialidade do fato; b) autoria ou participação; c) se o acusado deve ser absolvido; d) se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; e) se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena (reconhecidas na pronúncia ou em decisões de admissibilidade posteriores)

A resposta coincidente em número superior a três encerra a votação (sigilo dos veredictos): interpretação sistemática dos artigos 483, parágrafo 1° e 487 do projeto, a despeito de alteração da redação do art. 489 aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Assim, não haverá revelação de decisão unânime. Negada materialidade ou autoria, absolve-se; afirmadas, quesita-se, ainda, se “o jurado absolve o acusado(?)”. Condenado, prossegue-se na votação.

No caso de tentativa (ou alteração da tipificação para crime de competência do próprio júri), a quesitação se dará após o segundo quesito (ordem: materialidade-participação-tentativa).

Em caso de desclassificação, com alteração da tipificação para crime de competência singular: formulação de quesito após segundo ou terceiro, “conforme o caso”. A nosso sentir, numa primeira leitura do dispositivo, deve-se observar que, como regra, haverá a precedência da tese desclassificatória sobre a absolvição, salvo o caso de excesso culposo nas descriminantes, que justificariam a formulação do quesito após o terceiro.

Secundun eventun litis, as decisões de impronúncia ou absolvição sumária desafiam o recurso de apelação; a decisão de pronúncia, recurso em sentido estrito.

O protesto por novo júri será simplesmente suprimido.

Nota de rodapé

1. Conclusões extraídas de tese a ser apresentada, em breve, no VIII Congresso Estadual do Ministério Público/MG (Diamantina, 04 a 06/06/08).

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    é promotor de Justiça em Sete Lagoas (MG), professor convidado da pós-graduação da UFJF, mestre em Ciências Penais pela UFMG e coordenador do site Direito Penal Virtual.

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