Invasão de escritórios

OAB defende sanção de projeto que restringe buscas em escritórios

Autor

28 de julho de 2008, 16h58

A Ordem dos Advogados do Brasil saiu novamente, nesta segunda-feira (28/7), em defesa da sanção do projeto que restringe as hipóteses de busca e apreensão em escritórios de advocacia. A OAB emitiu nota (leia a íntegra abaixo) depois que ministros de Estado e líderes partidários da base aliada do governo aconselharam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vetar o projeto.

De acordo com a Agência Brasil, Lula ainda não tomou uma decisão. Ele aguarda o resultado das discussões em uma reunião entre o ministro da Justiça, Tarso Genro, e representantes de entidades da magistratura e do Ministério Público.

As entidades pedirão ao ministro o veto do Projeto de Lei 36/2006. O texto altera o artigo 7º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) estabelecendo punição criminal para quem violar escritórios de advocacia. O texto veta também a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado investigado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

Pela proposta, as buscas e apreensões em escritórios de advocacia, com ordem judicial, continuam permitidas, mas se restringem aos casos de advogados investigados. Para os advogados, a proposta é salutar porque põe fim a abusos verificados em operações passadas, onde o cliente era o investigado e os policiais, com base em mandados genéricos, levavam todos os computadores dos advogados.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, defendeu mais uma vez nesta segunda-feira (28/7) o projeto. Segundo ele, as críticas feitas ao projeto partem de um equívoco, isto é, de que se daria de maneira irrestrita, ainda que haja indícios de cumplicidade do advogado com o crime.

“Não é verdade. A referida lei admite, sim, mandado de busca e apreensão contra os escritórios de advocacia, na hipótese de haver indícios que incriminem o advogado. Basta ler o que dizem os parágrafos 6º, 7º e 8º de seu artigo 2º” — leia abaixo nora da OAB sobre o projeto.

Para Britto, o que o projeto garante é o direito de defesa, evitando que o advogado seja previamente visto e tratado como infrator, por garantir ao cliente um direito humano elementar. “Permitir, como vem ocorrendo de maneira sistemática, que o Estado-polícia, o Estado-Ministério Público e o Estado-juiz espionem, vasculhem, invadam e destruam a defesa, sem que haja os indícios acima explicitados, é fortalecer a lógica autoritária, revogada há 20 anos pela Constituição Federal”, afirmou.

Mas para entidades de classe da magistratura e do MP, se for sancionada como está, a lei permitirá que o crime fique “substancialmente mais fácil”, porque “os criminosos poderão fazer uso de escritórios de advocacia para esconder provas do cometimento de seus crimes, tornando-os imunes à ação da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário”.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) produziram nota técnica que foi encaminhada à Casa Civil, ao presidente da República, à Advocacia-Geral da União e ao Ministério da Justiça contra o projeto.

Para a Ajufe, ANPR e Conamp “a prevalecer o pretendido no projeto, não poderiam ser decretadas a busca e a apreensão em escritório de advogado mesmo se surgissem indícios veementes de que o local estaria sendo utilizado para ocultar a arma, um revólver ou uma faca, utilizada para a prática de um homicídio”.

O projeto de lei foi aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado ao Palácio do Planalto na terça-feira (22/7). O presidente tem 15 dias para decidir se veta ou sanciona o texto.

Leia nota da OAB

As críticas ao projeto 36/2006, recém-aprovado pelo Senado, que garante a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, partem de um equívoco: o de que isso se daria de maneira irrestrita, ainda que haja indícios de cumplicidade do advogado com o crime.

Não é verdade. A referida lei admite, sim, mandado de busca e apreensão contra os escritórios de advocacia, na hipótese de haver indícios que incriminem o advogado. Basta ler o que dizem os parágrafos 6º, 7º e 8º de seu artigo 2º:

§ 6º — Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e de apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

§ 7º — A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.

§ 8º — A quebra da inviolabilidade referida no § 6º deste artigo, quando decretada contra advogado empregado ou membro de sociedade de advogados, será restrita ao local e aos instrumentos de trabalho privativos do advogado averiguado, não se estendendo aos locais e instrumentos de trabalho compartilhados com os demais advogados.

O que a lei garante — em plena consonância com o que determina a Constituição Federal (artigo 133) — é o direito de defesa, evitando que o advogado seja previamente visto e tratado como infrator, por garantir ao cliente um direito humano elementar. Permitir, como vem ocorrendo de maneira sistemática, que o Estado-polícia, o Estado-Ministério Público e o Estado-juiz espionem, vasculhem, invadam e destruam a defesa, sem que haja os indícios acima explicitados, é fortalecer a lógica autoritária, revogada há 20 anos pela Constituição Federal.

Revogar o direito de defesa sob o pretexto de que alguns advogados cometem deslizes éticos é o mesmo que acabar com a vitaliciedade da magistratura porque alguns magistrados compactuam com a corrupção. Não podem os justos pagar pelos pecadores, sob pena de inverter-se o princípio universal da presunção de inocência, sob o argumento de que existem criminosos e de que precisam ser combatidos.

Nessa hipótese, estaríamos chancelando a prática paranóica de alguns países, que, a pretexto de combater o terror, suprimem liberdades civis elementares e impõem ambiente repressivo, que admite prisão sem mandado e prática de tortura.

Foi essa lógica perversa que levou ao assassinato a sangue frio, pela polícia londrina, em 2005, do brasileiro Jean Charles. Seu crime: era suspeito. Supô-lo criminoso resultou num crime, pelo qual os agressores não responderam, pois o combate ao terror chancela tudo, até a prática do próprio terror. Eis o Estado Policial.

A OAB não compactua com o crime. Tem sido, ao longo de sua história, uma das instituições brasileiras que mais se empenham em combatê-lo, em todos os níveis. Esse combate, no entanto, tem que se dar dentro da lei. Caso contrário, será ineficaz e resultará no fortalecimento do crime, indicando que a lei é impotente para detê-lo. É a lógica das milícias que infestam as favelas cariocas, aumentando a violência e, ao contrário do que propõem, expandindo a ação do crime.

O projeto de lei 36/2006 não é o que dele se está dizendo. Os que insistem em apresentá-la como instrumento da impunidade ou não a leram ou desprezam o direito de defesa, sem o qual não há democracia, nem civilização digna desse nome.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!