Pausa imprópria

Lei não poderia dar efeito suspensivo à execução fiscal

Autor

  • Marcio Basso

    é advogado tributarista com MBA em Direito Tributário pela FGV e membro da Fundação Escola Superior de Direito Tributário.

26 de julho de 2008, 0h00

O advento da Lei 11.382/06 trouxe profundas alterações no processo de execução extrajudicial, acarretando uma nova rotina de procedimentos que por serem normatizados por diploma processual, por certo se aplicam de imediato ao mundo jurídico. No entanto em relação à Execução Fiscal, regrada pela lei especial conhecida como LEF (Lei 6.830/80), estão ocorrendo temerárias interpretações e, sobretudo aplicações equivocadas das inovações processuais.

Vejamos que o novel diploma processual que modificou o procedimento de execução de título extrajudicial dispôs que o oferecimento de embargos à execução, em regra, não suspenderia o feito executivo (artigo 739 A).

A regra, por seu turno, é excepcionada em situações elencadas no diploma. Aprioristicamente, as modificações não apresentam deveras dificuldades para aplicação aos casos regulados pelo codex processual, eis que aparentemente não houve flagrante dicotomia gerada.

No entanto, é na Execução Fiscal — baseada em título executivo extrajudicial especial — que o tema quando não interpretado com ‘olhos de ver’ e sim de ‘arrecadar’ pode gerar uma situação temerária para os contribuintes, e isso, vem ocorrendo com uma regularidade preocupante que causa perplexidade aos operadores do Direito Tributário.

Ocorre que, sendo o processo de Execução Fiscal regulado por lei especial que admite, supletivamente (artigo 1º) a aplicação do Código de Processo Civil, é clarividente que as inovações legislativas trazidas pela lei 11.382/06 somente nesse sentido podem ser incorporadas à LEF, para complementar, entretanto, de forma alguma, s.m.j. inovar, criar.

Nesse diapasão, o oferecimento de Embargos à Execução com a conseqüente suspensão do feito executivo é inerente e cogente ao sistema legal vigente, sendo por demais descabida a pretensão de aplicar a norma processual que — em regra — impede a suspensão do feito executivo eis que o princípio da especialidade dá guarida à lei vigente que regula o feito executivo fiscal e nessa seara não houve modificação de seus procedimentos, sendo admitida, tão somente, a aplicação supletiva, mas não derrogando procedimentos vigentes.

O efeito suspensivo atribuído aos embargos à execução fiscal, embora não expressamente previstos na LEF, decorre da interpretação teleológica do artigo19, que dispõe sobre o prosseguimento da execução apenas no caso de não haver embargos ou diante da rejeição dos mesmos.

Destarte, oferecidos os embargos à execução fiscal, que pressupõe a garantia do juízo da execução e regulados por lei especial intocada pelas modificações legais, a suspensão do feito executivo é medida cogente que se impõe.

J.M. Carvalho Santos elucida o tema de forma objetiva e precisa: “E a lei geral posterior não revoga a especial? É preciso que revogue explicita ou implicitamente e, se não o faz, é porque o legislador não quis revogar a regra divergente que já existia; não quis, em suma, acabar com a exceção. Se a intenção do legislador fosse revogar a lei especial, que já existia contendo uma regra divergente, o seu dever era isso dizer claramente na lei geral nova ou dispor de modo a contrariá-la, regulando o mesmo assunto”.(1)

Sabe-se que, a regra da não suspensão dos embargos à execução de título extrajudicial, encontra exceções elencadas no parágrafo 1º do artigo 739-A do CPC, sendo necessária a coexistência das mesmas para agregarem o efeito suspensivo somente mediante a garantia plena do juízo.

Ora, estando garantida a execução fiscal — pressuposto para ajuizamento dos embargos e não mais presente na execução regida pelo CPC — razão também sob esse viés não há para não ser atribuído o efeito suspensivo aos mesmos.

Ademais, a execução fiscal regulada pela LEF diz respeito à seara tributária e tratando-se de débitos tributários devidos por contribuintes atrai-se a aplicação sistêmica do arcabouço legal tributário que no artigo 151 do CTN prevê a suspensão da exigibilidade do crédito tributário em razão de depósito integral do valor devido.

Outrossim, estende-se também este entendimento aos casos de penhora por se mostrarem forma hábil de garantir a efetivação da execução, trazendo mais um motivo para afastar a possibilidade de prosseguimento da execução após a garantia do juízo e o oferecimento de embargos.

Visto na forma singela das breves linhas acima traçadas, nos parece óbvio, evidente, que não há que se falar em alteração da LEF pelas modificações processuais no que concerne à suspensão do feito executivo, sendo totalmente descabida e despida de qualquer fundamento jurídico o entendimento em sentido contrário, eis que a impossibilidade de tal interpretação é, data venia, flagrante!

Não é crível nos depararmos com decisões judiciais, encorpadas de fiscalismo e, por certo, inovando o procedimento previsto na LEF, praticamente legislando — afastando-se perigosamente do papel de interpretação e aplicação da lei — no caso concreto, o que torna imperiosa a intervenção dos defensores dos contribuintes como forma de exercício de defesa frente à voracidade fiscal, que, por vezes, encontra sucedâneo em entendimentos fiscalistas de operadores do direito com visão jurídica deturpada pela contaminação da ânsia de arrecadação do Estado, dificultando e até inviabilizando a continuidade das empresas que são responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção do próprio Estado.

Contudo, espera-se que com o embate levado às Cortes Superiores seja efetivado um pronunciamento definitivo que afaste e inviabilize o despautério jurídico do entendimento que convalida a aplicação das modificações processuais do codex processualista, para afastar garantias dos contribuintes previstas em lei especial e previsões legais afetas ao bojo legal tributário.

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