Fonte de financiamento

Equity Kickers ajudam a fomentar o mercado de capitais

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26 de julho de 2008, 0h00

O mercado de capitais cada vez mais tem se mostrado como uma interessante fonte de financiamento para as empresas brasileiras. Essa afirmação encontra respaldo nos levantamentos relativos ao ano de 2007, que apontaram as operações de mercado de capitais como responsáveis por 2/3 do total de recursos captados pelas companhias.[1]

Dentre as formas de captação de recurso via mercado de capitais, a operação de IPO, sigla que reflete a expressão em inglês Initial Public Offering, referente às emissões primárias de ações, foi a que mais se destacou no ano passado, apresentando um aumento de 140,9% comparado ao mesmo período de 2006. No total foram 64 companhias que decidiram abrir seu capital durante todo o ano, captando mais de R$ 39 bilhões.[2]

Ressalte-se, todavia, que os números de 2008 não refletem o mesmo otimismo, conforme se depreende pela leitura do mercado nacional que, mesmo após vivenciar a conquista do ‘investment grade’ pelo Brasil, vive um momento de quase desaparecimento de IPOs em decorrência, dentre outros motivos, da crise financeira americana.

Independente disso, a verdade é que para crescerem as empresas inegavelmente precisam de recursos e o ingresso ao mercado de capitais é uma atraente alternativa ao tradicional aporte de capitais por parte dos acionistas, à reinversão de lucros e até mesmo às linhas de crédito clássicas.

As operações de IPO exigem, dentre outras coisas, a participação do Coordenador da Oferta, representado na figura de um banco de investimento, cuja responsabilidade reside, fundamentalmente, em coordenar a operação, distribuindo e colocando publicamente os valores mobiliários objeto da Oferta.

Nesse passo, e acompanhando a boa maré das companhias novatas no mercado de capitais, os bancos de investimento também tiveram um significativo incremento em seus resultados no ano de 2007. Especialistas de mercado estimam que os valores recebidos por esses bancos no mesmo período somaram uma importância aproximada de U$ 2 bilhões.[3]

Um dado que chama atenção é que do total recebido pelos bancos, uma parte é formada pela comissão, relativa ao valor auferido pela prestação dos serviços de coordenação, distribuição e colocação dos valores mobiliários, e outra parte se refere aos ganhos dos bancos advindos de opções de compra das ações embutidas em empréstimos pré-IPO.

A esses empréstimos pré-IPO tem-se designado “equity kickers”. Portanto, essa expressão em inglês é utilizada para se referir ao empréstimo concedido à companhia, pouco antes de abrir seu capital, com a intenção de capitalizá-la, favorecendo seu IPO no mercado.

Desde que os IPOs viraram moda, os bancos têm sido criativos nas formas adotadas para esses créditos pré-IPOs, sendo diversos os instrumentos de crédito utilizados, incluindo empréstimos bancários tradicionais, cédulas de crédito bancário, debêntures, notas promissórias comerciais, certificados de depósito bancário, entre outros.

Informações da CVM confirmam que do total de IPOs realizados em 2007 nem todos utilizaram equity kickers, contudo, chegaram a somar mais de R$ 1 bilhão as operações que foram alavancadas com esses empréstimos[4].


Diante disso, analistas e estudiosos do mercado passaram a dividir opiniões a respeito do assunto.

A maior preocupação daqueles que são contrários à prática de equity kickers reside, essencialmente, na possibilidade recorrente de IPOs de má qualidade no mercado. Nesse sentido os empréstimos pré-IPOs são vistos apenas como moeda de troca para induzir empresas a entregarem mandatos para abertura de capital. Em outras palavras, os equity kickers resultariam em operações casadas, em que a empresa só obteria o empréstimo de que necessita do banco caso o contrate também como coordenador de sua oferta.

Assim, o suposto risco seria que, sendo os bancos que coordenam IPOs os mesmos que estruturam equity kickers, poderiam eles passar a privilegiar as transações nas quais o crédito esteja envolvido, seja porque ganham mais em IPOs alavancados, uma vez que ao embutir opções de compra de ações nos empréstimos despenderiam maior esforço na realização dessas transações do que em outras; seja porque os equity kickers, ao tornarem as companhias muito alavancadas, passam a gerar riscos de o banco ter que arcar com prejuízo de eventual inadimplência do crédito cedido caso o IPO não se concretize ou caso a companhia não tenha capacidade de geração de caixa futuro suficiente para pagar o total da dívida.

A despeito das questões ético-contratuais que permeiam essas relações entre bancos e empresas, do ponto de vista jurídico não há nada de ilegal, ilegítimo ou injusto nesse processo, tanto é que as práticas de mercado convergem nesse sentido.

Diante da relevância do tema a Comissão dos Valores Mobiliários (CVM) manifestou-se informando que a adoção de mecanismos para regulamentar esses empréstimos está em discussão, contudo, ainda não decidiu de que forma tratará o assunto, apenas antecipando sua intenção de não regulá-lo via instrução normativa, para não correr o risco de engessar as operações.[5]

Maria Helena Santana, presidente da CVM, ao se pronunciar a respeito do papel dos bancos em ofertas, voltou a lembrar a atenção que a autarquia tem dispensando ao assunto. Mesmo sem manifestar-se sobre definições ou prazos para regulamentar o tema ela destacou que a CVM está atenta as regras no mundo, observando que lá fora a questão da remuneração dos coordenadores vem sendo muito discutida.[6]

Por seu turno a Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid) já regulamentou a matéria, incluindo novo capítulo ao Código de Auto Regulação da Anbid, passando a exigir de seus associados absoluta transparência na divulgação dos equity kickers, devendo tais empréstimos ser explicitados no Prospecto das Ofertas, em seção específica denominada ‘Operações Vinculadas à Oferta’, de forma bastante abrangente e detalhada, de modo que o investidor tenha conhecimento das operações subjacentes à Oferta, considerando-as quando da sua decisão pelo investimento.

A verdade é que, no estágio atual da economia brasileira, em que é fundamental o aumento do número de empresas com papéis negociados no mercado de capitais, os bancos de investimento, que em sua maioria, também possuem carteira comercial, cuja função precípua é dar crédito, acabam ajudando a fomentar o mercado de capitais – de certa forma exercendo função social, tendo em vista que o benefício aproveita a toda a sociedade – quando oferecem empréstimos pré-IPOs e passam a subsidiar a entrada de novas empresas no mercado de capitais.


Atente-se ainda para o fato de que não há qualquer conflito de interesse pois, muito embora o banco que forneça o empréstimo seja o mesmo que promova a venda das ações no mercado, há, dentro da estrutura bancária, independência entre a tesouraria do banco comercial e a tesouraria do banco de investimento.

Ao revés do que muitos argumentam o fato é que ao realizar esse tipo de empréstimo previamente à Oferta da Companhia o banco demonstra, sobretudo, que confia na credibilidade e no potencial de negócio dessa empresa.

Os bancos não são ingênuos tampouco levianos, possuem equipes especializadas nas análises das empresas e resguardam-se ao máximo de riscos. Sendo assim, e diante de um promissor mercado de atuação, permanecerão atuando no mercado de modo a zelar por sua imagem bem como a manter sua credibilidade intacta.

Perceba-se que na faz sentido aos bancos – considerando bancos sólidos e tradicionais – participar de IPOs sem qualidade e simular precificações supervalorizadas, afinal, como são eles que injetam recursos em opções de compra de ações, não desejariam se arriscar valorizando as ações com um preço acima do real para posteriormente perder dinheiro se a empresa não valer no mercado secundário o que ele pagou no IPO.

Feitas essas considerações, e evidenciando-se que não serão os bancos de investimentos, na qualidade de instituições intermediárias, os responsáveis por IPOs de má qualidade no mercado, temos como inegável a constatação que os bancos ao ceder empréstimos na fase pré-IPO ajudam a promover as empresas e a fomentar o mercado de capitais.

Enquanto a CVM não regulamenta o assunto, os bancos, conscientes da importância de incremento do mercado de capitais e do financiamento às empresas, seguem conforme as orientações da ANBID, entendendo que a transparência nos documentos da Oferta, informando ao investidor sobre os empréstimos a ela subjacentes é mais do que suficiente para atender aos princípios de Disclosure e fornecer adequada informação aos potenciais investidores para que tomem suas decisões.


[1] Silva Junior, Altamiro & Valenti, Graziela. Empresas se financiam no mercado de capitais. Jornal Valor Econômico, Caderno 4, publicação de 6 de setembro de 2007.

[2] Boletim Mercado de Capitais – ANBID, Ano III, Edição nº 20, Janeiro de 2008.

[3] http://www.meujornal.com.br/para/Jornal/materias/integra.aspx?id=30392

[4] http://www.debentures.com.br/informacoesaomercado/noticias.asp?mostra=4610&pagina=-1

[5] http://www.felsberg.com.br/info_clipping_conteudo.asp?i=27673&desc=if. De Luca, Léa & Alves, Aluísio. CVM questiona crédito. Gazeta Mercantil, publicado em 18 de dezembro de 2007.

[6] Valenti, Graziela & Vieira, Catherine. CVM está aberta a discutir o papel dos bancos nas ofertas. Jornal Valor Econômico, Caderno Eu & Investimentos, publicação de 4 de julho de 2008.

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