Investigação rasa

PF envolve nome de Toffoli em acusação indevida

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25 de julho de 2008, 16h49

Sepúlveda Pertence, Gilmar Mendes e Carlos Velloso e, agora, José Antonio Dias Toffoli. A polícia grava um provável criminoso citando o nome de terceira pessoa e, sem qualquer checagem sobre a procedência da afirmação, expõe quem foi citado indevidamente. E lá vai o novo “acusado” forçado a provar sua inocência e explicar porque foi mencionado.

O alvo da vez é o advogado-geral da União. O ministro José Antônio Toffoli foi citado por dois investigados pela Polícia Federal. Eles conversavam sobre a possibilidade de suborná-lo para que ele não recorresse na ação de indenização que os acusados movem contra a União. O juiz federal José Paulo Baltazar Junior não só reproduziu o diálogo injurioso, na decisão em que mandou prender preventivamente os acusados, como a publicou na Internet.

É certo que em uma sociedade democrática em que vigora o Estado de Direito ninguém está isento de ser investigado. A esse estágio só se chega com o amadurecimento social. Mas essa conquista não dá a ninguém o direito de expor a reputação de pessoas que dependem de sua credibilidade para exercer suas atividades.

Toffoli defende a União em uma ação de indenização movida pelo casal gaúcho Wolf Gruenberg e Betty Guendler Grudenberg. A ação indenizatória foi ajuizada em 1978. O casal tinha uma fábrica de uniformes e ia enviar peças de roupa para o Paraguai. Duas empresas públicas já extintas proibiram o embarque das mercadorias, o que gerou prejuízo ao casal, que cobrou o que deixou de ganhar da União.

A União já havia pago um valor menor por isso. Mas uma perícia técnica, que a AGU colocou sob suspeita, orçou o prejuízo em um valor adicional que, corrigido, chega a R$ 826 milhões. A União questionou o valor em todas as instâncias pedindo nova perícia. Toffoli assumiu a AGU e pegou o caso. Recentemente, conseguiu no Superior Tribunal de Justiça a revisão dos valores da perícia.

O álibi de Toffoli parece imbatível: “A União passou a ganhar a causa depois que eu a assumi”, afirmou ele à revista Consultor Jurídico. “Infelizmente, toda autoridade está sujeita a ser vendida por esses mercadores de ilusões.”

O advogado-geral conseguiu suspender o pagamento do precatório, que já estava programado, e obteve, em embargos de declaração, uma segunda chance: o STJ atendeu seu pedido e determinou nova perícia para reavaliar a existência da dívida. Toffoli recomenda que “as partes tenham maturidade de perceber a inviabilidade dessas ofertas”, até pelo número de agentes envolvidos nas causas de grande repercussão, como essa.

O nome do ministro entrou na história porque, nas gravações, emerge o nome de um ex-sócio dele, o advogado Luis Maximiliano Leal Telesca Mota, que seria usado para a trama em que a União perderia a causa.

O casal é investigado pela Polícia Federal também por sonegação, fraude processual, fraude ideológica, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas e foi preso preventivamente em abril deste ano por conta das acusações.

Um dos argumentos do juiz federal José Paulo Baltazar Junior, do Rio Grande do Sul, para decretar a prisão preventiva do casal é de que eles estavam dispostos a corromper agentes públicos. O inquérito da Polícia Federal, que embasou a decisão do juiz, traz transcrita uma gravação ambiental entre o casal e seu advogado. Para o Supremo Tribunal Federal, como a comunicação entre advogado e clientes é confidencial, esse tipo de prova é ilícita — a menos que haja uma autorização específica para a violação.

A PF afirma no inquérito que o grupo traça uma estratégia para contratar os serviços de outro advogado para oferecer vantagens indevidas a Toffoli, “a fim de que aqueles obtenham vantagem processual indevida nos recursos atuais e futuros no STJ e STF, propiciando a continuidade dos pagamentos dos precatórios expedidos nos autos de execução de sentença”.

Segundo a PF, Wolf Gruenberg diz que Toffoli vai pedir R$ 10 milhões ou R$ 15 milhões “para liberar tudo”. O decreto de prisão preventiva, que cita o nome do ministro Toffoli, está disponível no portal da Justiça Federal da 4ª Região.

Mãos dadas

A suspeita que recai sobre Wolf Gruenberg não o torna a pessoa mais confiável para indicar suspeitos. Ele é alvo da Operação Mãos Dadas, deflagrada pela PF no início desse mês de julho para prender responsáveis por desfalques de dinheiro público, através de fraudes processuais contra a União.

O empresário, um dos presos, é suspeito de ter articulado um golpe milionário. Reportagem do jornal Zero Hora diz que ele conseguiu que a Justiça Federal corrigisse o valor da indenização que ele pede contra a União. O pedido era de US$ 41 milhões, mas uma sentença dada em Porto Alegre em 2005 elevou a quantia para US$ 506 milhões (R$ 754 milhões). O empresário conseguiu receber R$ 10,4 milhões, já que o STJ mandou a perícia fazer nova conta.

O Zero Hora também diz que, num outro caso, Gruenberg ajuizou ação trabalhista contra sua própria empresa, dizendo-se trabalhador. Teria com isso driblado o pagamento de dívidas tributárias da empresa, já que o crédito trabalhista tem preferência sobre débito de impostos. Em dois telefonemas gravados pela PF, com autorização da Justiça, Gruenberg fala em conseguir “de qualquer maneira” o dinheiro pedido na Justiça. É em uma dessas conversas com sua mulher, Betty Gruenberg (sócia na empresa e também presa na operação), e um advogado, que ele diz estar disposto a dar “de 10 a 15 milhões” para Toffoli.

Em outro diálogo, com dois advogados seus que atuam em Brasília, Gruenberg ordena, ao saber que perderia a causa no STJ, que fossem contratados “juristas de renome, para atuar detrás das cortinas, no Supremo Tribunal Federal e no STJ”. A PF assegura ainda que o grupo liderado pelo casal Gruenberg pressionava juízes e procuradores por meio de dossiês enviados às corregedorias. Eles colocavam sob suspeita denúncias e sentenças dadas pelos magistrados. Enquanto eram investigadas essas informações, os funcionários ficavam impedidos de atuar nos processos envolvendo os Gruenberg.

Acusações precipitadas

Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes já foram vítimas da divulgação irresponsável de informações. No caso de Pertence, a PF interceptou e divulgou, em janeiro de 2007, conversa entre um advogado e um lobista sobre uma decisão do ministro que beneficiou o Banco do Estado de Sergipe. A decisão em discussão era uma daquelas em que o tribunal já fechou questão sobre o tema e decide da mesma forma em milhares de casos iguais.

Ainda assim, surgiu a falsa informação de que Pertence teria recebido R$ 600 mil para dar a decisão. “Divulgaram uma gravação para me constranger no momento em que fui sondado para chefiar o Ministério da Justiça, órgão ao qual a Polícia Federal está subordinada. Pode até ter sido coincidência, embora eu não acredite”, afirmou Pertence na ocasião. Tratava-se de mais um caso no qual o juiz é “vendido” por terceiro de má-fé.

Em agosto de 2007, a imprensa divulgou que o ministro Gilmar Mendes estava na lista das autoridades que receberam mimos da empreiteira Gautama, investigada na Operação Navalha, da Polícia Federal. O verdadeiro nome na lista era de outra pessoa: o engenheiro Gilmar de Melo Mendes. A Polícia sabia que era apenas coincidência, mas divulgou-a assim mesmo. A fonte fora o assessor de imprensa do diretor da PF.

Mais recentemente, Carlos Velloso, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, foi intimado pela Polícia Federal a prestar depoimento no inquérito que investiga o desvio de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), da Operação Pasárgada. Ele foi intimado porque teria concedido, segundo as investigações, decisão favorável ao prefeito da cidade de Timóteo, Geraldo Nascimento (PT).

O ministro se defendeu afirmando que esteve com o prefeito de Timóteo (MG) somente na qualidade de advogado consultado, e que não aceitou a causa proposta porque estava no período de quarentena. A decisão que favoreceu o prefeito teria sido concedida no segundo semestre de 2007. O ministro esclareceu que se aposentou em 2006. Logo, seria impossível ele ter dado a liminar.

Carlos Velloso afirmou que a ação da Polícia Federal tinha cara de retaliação. “Escrevi artigos sobre prisões e invasões de escritórios, sugerindo inclusive à Ordem dos Advogados do Brasil que processasse essas autoridades por abuso de poder, abuso de autoridade. Agora, não posso admitir que, por isto, por estar defendendo prerrogativas dos advogados, por ter verberado prisões de juízes feitas com espetáculos pirotécnicos, eu seja alvo de retaliações”, disse.

Velloso chegou a enviar mensagem ao ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, no qual detalha as circunstâncias sobre a intimação que recebeu para prestar depoimento como testemunha à Polícia Federal, em Belo Horizonte. Na carta, o ministro aposentado reclamou dos termos usados pela PF na intimação, que tinha tom ameaçador.

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