Direito comparado

Mudanças no CPP e a legislação penal internacional

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25 de julho de 2008, 15h51

A Lei 11.719/08, que entrará em vigor no dia 24 de agosto de 2008[1], alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.[2]

 

A grande novidade trazida para nós é a possibilidade de na própria sentença condenatória penal o juiz fixar “valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido” (art. 387, IV). Assim, além de aplicar a sanção penal, o juiz criminal deverá também estabelecer a sanção civil correspondente ao dano causado pelo delito, algo semelhante ao que ocorre em alguns países, como no México, onde, na lição de Bustamante, se “establece que la reparación del daño forma parte integrante de la pena y que debe reclamarse de oficio por el órgano encargado de promover la acción (o sea, que es parte integrante de la acción penal), aun cuando no la demande el ofendido.”[3]

Também “na Itália, a vítima pode ingressar no processo penal como parte privata, formando um litisconsórcio com o MP, com o fim de obter a reparação de dano. Em Portugal, o próprio MP pode requerer a reparação, nos autos do processo penal.”[4]. Conferir também, na Espanha, o artigo 108 da Ley de Enjuiciamiento Criminal, in verbis: “La acción civil ha de entablarse juntamente con la penal por el Ministerio Fiscal, haya o no en el proceso acusador particular; pero si el ofendido renunciare expresamente a su derecho de restitución, reparación o indemnización, el Ministerio Fiscal se limitará a pedir el castigo de los culpables.”

Disposição semelhante já tem em nosso ordenamento jurídico-penal, mais especificamente no artigo 630 do atual Código de Processo Penal, quando se estabelece que na revisão criminal o “Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, caso em que o acórdão constituir-se-á título judicial executório a ser liquidado na ação civil respectiva, para se definir o quantum debeatur. Na Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), o artigo 20 já estabelece que a “sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.”

Aqui, observa-se, mais uma vez, após a edição da Lei 9.099/95, a preocupação em se resguardar os interesses da vítima no processo penal. Nota-se, com Ada, Scarance, Luiz Flávio e Gomes Filho que esta lei insere-se “no generoso e atualíssimo filão que advoga a revisão dos esquemas processuais de modo a dar resposta concreta à maior preocupação com o ofendido.”[5]

García-Pablos, por exemplo, informa que “o abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos (…). O Direito Penal contemporâneo – advertem diversos autores – acha-se unilateralmente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, ao âmbito da previsão social e do Direito Civil material e processual”.[6]

A própria legislação processual penal relega a vítima a um plano desimportante, inclusive pela “falta de mención de disposiciones expressas en los respectivos ordenamientos que provean medidas para salvaguardar aquellos valores ultrajados”.[7]

Esta atenção com a vítima no processo penal é tema atual e tem sido motivo de inúmeros trabalhos doutrinários, como observou o jurista argentino Alberto Bovino: “Después de varios siglos de exclusión y olvido, la víctima reaparece, en la actualidad, en el escenario de la justicia penal, como una preocupación central de la política criminal. Prueba de este interés resultan la gran variedad de trabajos publicados recientemente, tanto en Argentina como en el extranjero;” (…) mesmo porque “se señala que com frecuencia el interés real de la víctima no consiste en la imposición de una pena sino, en cambio, en ‘una reparación por las lesiones o los daños causados por el delito’[8] Neste sentido, veja-se obra bastante elucidativa de Antonio Scarance Fernandes.[9]

Dois juristas italianos, Michele Correra e Danilo Riponti, também anotaram: “Il recupero della dimensione umana della vittima, molto spesso reificata, vessata, dimenticata da giuristi e criminologi in quanto oscurata da quella cosí clamorosa ed eclatante del criminale, soddisfa l’intento di rendere giustizia a chi viene a trovarsi in una situazione umana tragica ed ingiusta, a chi ha subito e subisce e danni del crimine e l’indifferenza della società.[10]

Agora, por força do novo dispositivo, acrescentou-se um parágrafo único ao artigo 63, nos seguintes termos: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.”

O artigo 257 teve a sua redação alterada, não representando, porém, nenhuma novidade. Com efeito, diz que ao Ministério Publico cabe:

1) “Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código”, em consonância com o já estabelecido pelo artigo 129, I, da Constituição Federal, ressalvando a possibilidade da ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, prevista no artigo 29 do Código de Processo Penal e na própria Carta Magna (art. 5º., LIX).

2) “Fiscalizar a execução da lei”, tarefa já deferida atualmente e que dá ao Ministério Público, no processo penal, uma feição toda especial, pois ao lado de ser parte, também age como custos legis, devendo, neste mister, zelar pelo fiel cumprimento da lei e garantir que o devido processo legal seja obedecido nos seus estritos termos, ainda que para isso tenha que pugnar em favor do réu (pedindo a sua absolvição, recorrendo em seu favor, etc.).

Foi alterado o artigo 265, cujo caput passou a ter a seguinte redação: “O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de dez a cem salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis”.

Além de atualizar o valor da multa, o artigo faz referência às demais sanções cabíveis em relação ao advogado, entre as quais a prevista na Lei 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), artigo 34, XI, c/c artigos 35, I e 36, I.

O antigo parágrafo único deste artigo foi substituído pelos parágrafos 1º e 2º, com a seguinte redação:

“Parágrafo 1o — A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer.

Parágrafo 2o — Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato”.

Atente-se para o disposto no artigo 5º, LXXVIII da Constituição, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Evidentemente que o direito a um processo sem dilações indevidas alcança não somente o acusado, mas também é um interesse da sociedade.

Privilegiando o chamado foro de eleição, entendemos que antes da nomeação do defensor ad hoc deve o juiz de Direito indagar ao réu se tem algum advogado para indicar e que possa assisti-lo naquele ato processual. Caso o acusado não o faça ou o advogado indicado não possa comparecer imediatamente, então se procede à nomeação ou chama-se o defensor público com atuação na respectiva Vara Criminal. Neste sentido:


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0016.01.015716-8/001 – RELATOR: DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO – A Constituição de 1988 consagrou os princípios da ampla defesa e do contraditório, considerando-os como dogmas, ou seja, se desrespeitados tais princípios, viciada encontra-se a prestação jurisdicional. A nomeação de defensor dativo ao réu, sem que este tenha sido intimado para opinar a respeito, não sabendo da renúncia do advogado contratado, é vício que demonstra o desrespeito ao princípio da ampla defesa ao longo do procedimento.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal deferiu pedido de liminar em Habeas Corpus (HC 92.091) de um acusado de cometer crime contra o sistema financeiro nacional. A defesa pedia, na liminar, o reconhecimento das nulidades do processo e a suspensão da execução da pena imputada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região até o julgamento final do HC. Isto porque, conforme os advogados, o Ministério Público não deu oportunidade ao réu para nomear defensor de sua confiança. “Os fundamentos em que se apóia esta impetração revestem-se de relevo jurídico, pois concernem ao exercício — alegadamente desrespeitado — de uma das garantias essenciais que a Constituição da República assegura a qualquer réu, notadamente em sede processual penal”, destacou o ministro Celso de Mello, relator da matéria.

O ministro assinalou que a jurisprudência do Supremo, no tema, entende que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, “não importando, para efeito de concretização dessa garantia fundamental, a natureza do procedimento estatal instaurado contra aquele que sofre a ação persecutória do Estado”.

Celso de Mello analisou que o Estado não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado constitucional da plenitude de defesa. “O reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo poder público — de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais — exige a fiel observância da garantia básica do devido processo legal,” conclui. Ele lembrou, também, que o STF já reconheceu ser direito daquele que sofre persecução penal escolher o seu próprio defensor. “Cumpre ao magistrado processante, em não sendo possível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Antes de realizada essa intimação — ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado — não é lícito ao juiz nomear defensor dativo sem expressa aquiescência do réu” (RTJ 142/477, Relator Ministro Celso de Mello). Fonte: STF (Grifo nosso).

Com a nova redação do artigo 362, verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 — Código de Processo Civil”[11]. Neste caso, segundo parágrafo único acrescentado, “se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo” (ou os autos serão encaminhados à Defensoria Pública), prosseguindo-se nos demais termos do procedimento, não devendo ser aplicado o artigo 366[12], pois não se trata de réu revel citado por edital. Aplica-se o atual artigo 367.

Temos agora a citação com hora certa, substituindo a citação editalícia nos casos em que o réu se oculta para não ser citado.

O novo artigo 363 estabelece que o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado”; na verdade, como ensina Frederico Marques, “com a citação válida, estabelece-se a angularidade da relação processual, surgindo assim a instância”[13].

Foram revogados os dois incisos originais e acrescentados dois novos parágrafos:

“Parágrafo 1o Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital.” O prazo para o edital não mudou, pois não se alterou o art. 361.

“Parágrafo 4o. Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará o disposto nos artigos 394 e seguintes deste Código.” Neste caso, ter-se-á por citado o réu pessoalmente, prosseguindo-se nos demais termos do respectivo procedimento (ordinário, sumário ou especial), revogando-se a decisão proferida nos termos do artigo 366.

Foram vetados os parágrafos 2º e 3º, do artigo 363.

O caput do artigo 366 continua com a mesma redação, tendo sido revogados, porém, os seus dois parágrafos. Nota-se que a lei perdeu a oportunidade de acabar com a polêmica quanto à duração da suspensão do prazo prescricional. O legislador deveria, como constava do projeto de lei originário, optar pelos prazos já estabelecidos pelo artigo 109 do Código Penal. Esta lacuna deve ser suprida com uma interpretação conforme a Constituição, ou seja, para não se permitir a imprescritibilidade (por via transversa) devem ser observados os prazos estabelecidos no artigo 109 do Código Penal, levando-se em conta a pena máxima abstratamente cominada para o crime; findo o respectivo prazo, deve a prescrição voltar a correr normalmente, nada obstante a continuação da suspensão do processo.

Deixou a lei também de esclarecer o que se deve considerar como prova urgente, para efeito de produção antecipada. Além das perícias que, evidentemente se adéquam ao conceito, entendemos que devemos fazer uma interpretação analógica (art. 3º, CPP), aplicando-se o artigo 92, in fine (“inquirição de testemunhas e de outras provas de natureza urgente”). Por este dispositivo, parece-nos que a prova testemunhal é sempre urgente. Obviamente tais provas deverão ser produzidas com a prévia notificação do Ministério Público ou do querelante e do defensor nomeado pelo juiz, sem prejuízo de uma reinquirição em momento posterior, quando a marcha processual for retomada com o acusado presente e o seu defensor constituído. O que não se deve é arriscar-se a ouvir as testemunhas arroladas na peça acusatória após dez anos, quando o réu voltou e foi citado pessoalmente. Evidentemente que não se pode exigir deste depoente a firmeza que se espera de uma testemunha.

No que se refere à possibilidade da prisão preventiva, ressalte-se que não se trata de prisão obrigatória, mas nos estritos termos dos artigos 312 e 313. Repita-se: a prisão preventiva não pode ser conseqüência imediata da citação editalícia quando não haja o comparecimento do acusado ou do seu defensor constituído, como hoje, infelizmente, vem se tornando praxe.

Vejamos, então, como está disposta agora a questão da emendatio libelli:

Artigo 383 — O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”.

Nesta hipótese, como se sabe, a peça acusatória narrou perfeitamente o fato criminoso, tendo o juiz “liberdade de atribuir ao delito conceituação jurídica diversa da que lhe foi dada pelo acusador, mesmo para impor pena mais grave, contanto que não substitua o fato por outro”, como já explicava Basileu Garcia.[14]

Foram acrescentados dois parágrafos, nos seguintes termos:

“Parágrafo 1o.— Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.

“Parágrafo 2o.— Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos”.


Assim, caso a nova qualificação jurídica atribuída ao fato narrado corresponda a um tipo penal cuja pena mínima não exceda a um ano[15], deverá o magistrado encaminhar os autos ao membro do Ministério Público para que se pronuncie acerca da possibilidade de proposta da suspensão condicional do processo, nos termos, aliás, do Enunciado 337 do Superior Tribunal de Justiça, aplicável também à espécie. De se observar, outrossim, o Enunciado 696 do Supremo Tribunal Federal, em caso de recusa do Ministério Público em fazer a proposta.

Não precisa o Juiz esperar a conclusão da instrução criminal para aplicar a emendatio libelli, muito pelo contrário. Como não se trata de uma alteração dos fatos narrados, mas, tão-somente, de uma correção técnica na classificação do crime, é aconselhável que o Juiz já receba a peça acusatória indicando na respectiva decisão o tipo penal, possibilitando, desde logo, a fruição de quaisquer benefícios ao acusado, como a suspensão condicional do processo, a liberdade provisória, etc.. Aguardar-se o término da instrução para “corrigir” a tipificação atribuída ao fato é submeter o réu, desnecessariamente, às chamadas “cerimônias degradantes” do processo penal[16]. Lembre-se que o juiz não estará modificando a imputação fática nem “acusando” o réu.

Aventemos a seguinte hipótese: o promotor de Justiça narra um furto simples (cuja pena mínima é de um ano) e, ao final da peça acusatória, indica como tipo penal o artigo 155, parágrafo 4º, II (pena mínima de dois anos). Ora, obviamente que o juiz não deve aguardar o término da instrução para aplicar a emendatio libelli, e sim, desde logo, receber a denúncia nos termos em que foi feita a imputação fática e encaminhar os autos ao Ministério Público para a proposta de suspensão condicional do processo. Assim agindo preservará os interesses do acusado, evitando as cerimônias degradantes do procedimento e sem mácula aos postulados do sistema acusatório.

Diga-se o mesmo quanto à modificação da competência; também nesta hipótese não é necessário que o juiz aguarde o final da instrução criminal, até por uma questão de economia processual e para evitar nulidades de atos processuais decorrente da incompetência. Aliás, o artigo 109 do Código de Processo Penal determina que “se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte”, remetendo os autos ao juízo competente, inclusive para o Juizado Especial Criminal se se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo.

Seria de bom alvitre que o juiz, antes de aplicar a emendatio libelli, determinasse a intimação das partes, como estabelecia o projeto de lei que deu origem à lei ora comentada. Aliás, este projeto de lei previa que a emendatio libelli poderia ser antecipada para o instante do recebimento da denúncia ou queixa.

Vejamos, então, como está disciplinada a mutatio libelli, lembrando, ainda com Basileu Garcia, que se “veda ao juiz, no decidir a causa, a mutatio libelli.”[17]

Assim está escrito o caput do novo artigo 384: Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de cinco dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública (queixa subsidiária, portanto), reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente”.

Pela nova redação, este prazo de cinco dias é para aditar a queixa subsidiária, não a denúncia; assim, os prazos para o aditamento da denúncia devem ser, numa interpretação analógica (art. 3º, CPP) aqueles previstos no artigo 46.

As alterações procedidas foram para melhor, sem dúvidas. Em primeiro lugar excluiu-se a expressão “circunstância elementar”, que confundia coisas diferentes: circunstância[18] e elementar[19] do tipo. Agora a lei refere-se a circunstância ou elemento da infração penal. Outra mudança importante é a exclusão do advérbio “implicitamente” que dava a entender ser possível uma denúncia ou queixa com elementos ou circunstâncias implícitos, possibilidade absolutamente estranha aos postulados do devido processo legal, especialmente a ampla defesa. É evidente que a denúncia tem que conter explicitamente, “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias” (art. 41 do Código de Processo Penal).

Também importante foi se estabelecer a necessidade do aditamento em qualquer hipótese (que pode ser feito inclusive oralmente), ainda que não haja possibilidade de nova definição jurídica mais gravosa para o acusado. A antiga redação do caput do artigo 384 era uma flagrante mácula ao sistema acusatório, pois permitia ao juiz condenar o réu por fato não imputado formalmente em uma peça acusatória, além de ferir o princípio da correlação entre acusação e defesa que proíbe ao juiz “cambiar los hechos de la causa por los cuales el imputado fue concretamente acusado, entendidos en el sentido de acontecimiento histórico, con todos los elementos y circunstancias que de alguna manera puedan influir en el debate” [20].

Segundo o parágrafo 1o., caso o “o órgão do Ministério Público” não adite a denúncia, “aplica-se o artigo 28 deste Código”. E se o procurador-geral concordar com o não aditamento? Restará ao juiz absolver o acusado ou condená-lo pelo fato imputado originariamente na denúncia ou queixa subsidiária.

Se o aditamento for oferecido, estabelece-se um contraditório prévio, pois, antes de recebê-lo, deverá ser “ouvido o defensor do acusado no prazo de cinco dias”.

Admitido “o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento”(§ 2o.). Neste caso, segundo dispõe o parágrafo 4o, “cada parte poderá arrolar até três testemunhas, no prazo de cinco dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.”

São aplicáveis na mutatio libelli os parágrafos 1o e 2o do artigo 383, segundo dispõe o parágrafo 3o do artigo 384.

Por fim, estabelece o parágrafo 5o.que se não for “recebido o aditamento, o processo prosseguirá”. Neste caso, é possível o manejo do recurso em sentido estrito, com fulcro no artigo 581, I do Código de Processo Penal, pois “o recurso em sentido estrito, apesar de ser casuístico, admite interpretação extensiva”[21].

Observa-se que a redação do artigo 384 continua a se referir tão-somente à ação penal pública ou à de iniciativa privada subsidiária da pública. De toda forma, estamos com Tourinho Filho que, nada obstante a restrição legal, “possa também o querelante proceder ao aditamento. Há duas situações: a) se, ao tempo da queixa, já havia prova sobre determinada circunstância elementar capaz de alterar a qualificação jurídico-penal do fato, objeto do processo, e o querelante não se deu conta, o aditamento seria até impossível por manifesta decadência; b) se a prova se deu posteriormente, o aditamento pode ser feito por aplicação analógica (…), não havendo violação ao princípio da disponibilidade que rege a ação privada, mesmo porque ninguém está fazendo o aditamento pelo querelante e tampouco obrigando-o a fazê-lo”[22].


Por fim, entendemos que perdeu o legislador a oportunidade de revogar expressamente o artigo 385 do Código de Processo Penal, acabando com a possibilidade do juiz “proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”, disposição que não foi recepcionada pela Constituição Federal, especialmente pelo artigo 129, I.

Foram alterados os incisos II, III e IV do artigo 387 do Código de Processo Penal e a ele foi acrescentado um parágrafo único. O inciso II apenas foi atualizado com a nova Parte Geral do Código Penal, indicando-se agora os artigos 59 e 60 do Código Penal. No inciso III excluiu-se a referência às penas acessórias, também em consonância com a Parte Geral do Código Penal. O novo inciso IV determina, como já foi dito no início deste trabalho, que o juiz “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”.

Esqueceu-se o legislador de revogar expressamente os incisos V e VI inaplicáveis desde a reforma penal de 1984 (nova Parte Geral e Lei de Execução Penal).

O novo parágrafo único do artigo 387 amolda-se ao princípio da presunção de inocência, à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e ao direito de apelar em liberdade. Com efeito, estabelece-se que “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”.

Coerentemente, a lei nova revogou o art. 594 do Código de Processo Penal, esquecendo-se, porém de também revogar o artigo 595, não recepcionado pela Constituição Federal.[23] A este respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado 347 com a seguinte redação: “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.

Adiante, o caput do novo artigo 394 prevê os dois novos procedimentos: o comum e o especial. Por sua vez, o comum poderá ser ordinário, sumário ou sumaríssimo (§ 1º.). Os procedimentos especiais são aqueles ora previstos no próprio Código de Processo Penal (Título II do Livro II e o Procedimento do Júri), ora em leis extravagantes (Lei 11.343/06 – Lei de Drogas, Lei nº. 8.038/90 – Ação Penal Originária, etc.).

O procedimento comum ordinário será obedecido “quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade”. O sumário “quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos de pena privativa de liberdade” e o sumaríssimo “para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei”[24] (incisos I, II e III do § 1º.).

O critério agora para adoção de determinado procedimento é a quantidade da pena privativa de liberdade, independentemente de se tratar de reclusão ou detenção, ressalvando-se, obviamente os crimes dolosos contra a vida e os que se submetam a procedimentos especiais.

Dispõem os parágrafos 2º e 3º do artigo 394 que, salvo disposições em contrário do próprio Código ou de lei especial, o procedimento comum aplicar-se-á a todos os processos. Para os crimes dolosos contra a vida e os conexos, por exemplo, aplicar-se-ão as novas regras estabelecidas nos artigos 406 a 497 do novo Código (alterados pela Lei 11.689/08).

Os parágrafos 4o. e 5º estabelecem, respectivamente, que “as disposições dos artigos 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código” e que se “aplicam subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.”

Então vejamos; o artigo 395 passou a ter a seguinte redação:

“A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

“I – for manifestamente inepta; por exemplo: não observou os requisitos exigidos pelo art. 41.

“II – faltar pressuposto processual[25] ou condição para o exercício da ação penal”; aqui também estão abrangidas as denominadas condições específicas para o exercício da ação penal, como a representação e a requisição do Ministro da Justiça. Atentar que a chamada possibilidade jurídica do pedido, menos do que uma condição para o exercício da ação penal, confunde-se mesmo com o mérito e deve ensejar um julgamento antecipado, nos moldes do artigo 397, III, coberto pela coisa julgada material.

“III – faltar justa causa para o exercício da ação penal”, ou seja, o lastro probatório mínimo que deve lastrear uma peça acusatória, a saber: indícios suficientes e razoáveis da autoria e prova da existência do crime.

Tais hipóteses não se confundem com a sentença absolutória prevista no novo artigo 397 (que veremos adiante). Aqui, trata-se de uma decisão interlocutória que não fará coisa julgada material, nada impedindo, portanto, que a ação penal seja mais uma vez iniciada, caso sejam observados os requisitos legais, presentes as condições da ação (ressalvada a possibilidade jurídica do pedido) e os pressupostos processuais (ressalvadas a perempção, coisa julgada e litispendência). O recurso cabível para combatê-la é o recurso em sentido estrito (art. 581, I).

Vejamos, então, o procedimento ordinário e o sumário; os preceitos adiante indicados aplicam-se aos dois procedimentos, até a audiência de instrução e julgamento quando, então, diferem-se, como veremos depois.

Assim, dispõe o artigo 396 que, “nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias”.

Ou seja, caso o juiz não rejeite desde logo a peça acusatória (ou não a receba, como preferem alguns), com fulcro em um dos incisos do art. 395 (em decisão interlocutória, a ser enfrentada com o artigo 581, I), deverá recebê-la e determinar a citação do acusado para oferecimento de uma resposta preliminar, cujo prazo será de dez dias.

Dispõe o parágrafo único que tendo sido o réu citado por edital este prazo de dez dias “começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” Lembre-se que até o comparecimento do réu ou do seu advogado constituído, o processo está suspenso, por força do artigo 366.

Nesta verdadeira defesa prévia, “o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.” É importante que o patrono do acusado saiba que, apesar do recebimento da peça acusatória, a sua resposta, se convincente, poderá levar desde logo à absolvição sumária, evitando os demais termos do processo, inclusive o interrogatório.

Caso não seja “apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por dez dias”. Onde houver Defensoria Pública instalada, os autos ao seu representante serão enviados. Em nenhuma hipótese, sob pena de nulidade absoluta, os autos serão conclusos para a decisão sem esta resposta prévia.

Se houver alguma exceção a ser argüida, deverá ser processada “em apartado, nos termos dos artigos 95 a 112 deste Código”(art. 396-A, §§ 1º. e 2º.).

O artigo 397 traz uma novidade importante em nosso ordenamento jurídico, que há muito carecia de uma disposição como esta. Trata-se da possibilidade do juiz penal, desde logo, julgar antecipadamente o caso penal[26], sem necessidade, sequer, de submeter o acusado ao interrogatório e às demais “cerimônias degradantes” do processo penal. É o que a lei chama de absolvição sumária (também prevista no procedimento do júri, artigo 415). Portanto, agora, temos duas hipóteses de absolvição sumária.


Pois bem. Diz o artigo 397 que após a resposta preliminar “o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:

“I — a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (artigo 23 do Código Penal).

“II — a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; tratando-se de réu inimputável é indispensável o processo, com a presença de um curador, além do advogado, para possibilitar, confirmando-se a ilicitude e antijuridicidade do fato, a aplicação de uma medida de segurança (absolvição imprópria, nos termos do art. 386, parágrafo único, III).

“III — que o fato narrado evidentemente não constitui crime; (ausência de tipicidade, impossibilidade jurídica do pedido).

“IV — extinta a punibilidade do agente” (artigo 107 do Código Penal).

Estas hipóteses diferem formal e substancialmente da rejeição liminar da peça acusatória (ou do não recebimento, como prefiram[27]), pois a absolvição sumária é uma decisão de mérito, passível de fazer coisa julgada material (intangível e absolutamente imutável) e que desafia o recurso de apelação (art. 593, I).

Se o juiz não rejeitou a peça acusatória (ou deixou de recebê-la) nem absolveu sumariamente o acusado, cabe-lhe designar “dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”. Se se tratar de réu preso “será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação” [28].Tal disposição aplica-se ao acusado preso na mesma cidade onde se situa o juízo processante, pois do contrário será cabível a expedição de carta precatória (nunca o interrogatório por videoconferência).

O caput do artigo 399 parece-nos que contém um equívoco ao estabelecer que “recebida a denúncia ou queixa”, pois, na verdade a peça acusatória já havia sido recebida, conforme previsto no art. 396; portanto, agora basta ao juiz proceder às notificações para a audiência de instrução e julgamento, pois o recebimento e a citação do acusado já foram feitos.

Passa a estabelecer o Código que “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença” (art. 399, §§ 1º. e 2º.). Adota-se, agora, o princípio da identidade física do juiz, tal como é no processo civil, ainda que não com a mesma redação do art. 132 do Código de Processo Civil. Por ele, o juiz que colher a prova deve julgar o processo, podendo, desta forma, “apreciar melhor a credibilidade dos depoimentos; e a decisão deve ser dada enquanto essas impressões ainda estão vivas no espírito do julgador”[29].

Como afirma o professor Dotti, é extremamente salutar a adoção deste princípio, pois “a ausência, no processo penal, do aludido e generoso princípio permite que o julgador condene, com lamentável freqüência, seres humanos que desconhece”.[30]

O artigo 400 disciplina a audiência de instrução e julgamento, válida apenas para o procedimento ordinário, já que para o procedimento sumário adotar-se-ão as disposições dos artigos 531 e seguintes.

Agora, tal como nos Juizados Especiais Criminais também são adotados os princípios da imediatidade e da concentração dos atos processuais, pois na “na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no artigo 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.” Ademais, “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.” Se forem necessários dos peritos, as partes deverão requerer previamente (art. 400, §§ 1º. e § 2o.).

A ordem de inquirição das testemunhas deve ser rigorosamente observada, sob pena de nulidade absoluta, em observância do princípio do contraditório. Admite-se excepcionalmente a inversão nos casos do artigo 222 (expedição de carta precatória, pois a instrução criminal não se suspende) e artigo 225 (produção antecipada de prova). Não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago Guerra Filho afirma:

“Daí podermos afirmar que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fundamental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.” (grifos no original).[31]

Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do Homem (CEDH) “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de toutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant, en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/ Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”[32]

Observa-se que o interrogatório do acusado passa a ser o último ato processual após a instrução criminal, o que vem a fortalecer a idéia de considerá-lo, além de mais um meio de prova, um autêntico e importante meio de defesa[33].

Assim, “na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é o momento mais importante da auto-defesa; é a ocasião em que o acusado pode fornecer ao juiz sua versão pessoal sobre os fatos e sua realização após a colheita da prova permitirá, sem dúvida, um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pela faculdade de permanecer em silêncio (art. 5º., LVIII, CF)”[34].

Aqui vale uma advertência: o indeferimento injustificado de provas requeridas pela defesa poderá acarretar a nulidade absoluta do ato processual pela afronta ao princípio da ampla defesa, de forma que somente quando induvidosas as intenções protelatórias da parte acusada é que legítimo será o indeferimento, sob pena de se utilizar, com sucesso, o Habeas Corpus. Caso o meio probatório requerido vise a produzir prova contra o acusado, o indeferimento poderá ensejar a correição parcial ou mesmo o mandado de segurança.

O número de testemunhas não mudou: continuam oito testemunhas, não se compreendendo neste número as que não prestaram compromisso e as referidas, podendo a parte “desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código” (art. 401, §§ 1º. e 2º.). Assim, o “juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes” e não “será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa”. (art. 209).


Após o interrogatório, “ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução” (art. 402), o que significa que tais requerimentos devem ser feitos de imediato e não mais em 24 horas (o que não impede que, considerando-se a complexidade do processo, seja deferido às partes um prazo maior para tais requerimentos, atentando-se apenas para que não se protele injustificada e demasiadamente o andamento processual). As primeiras diligências devem ser requeridas desde logo, ou seja, quando do oferecimento da peça acusatória ou na resposta preliminar. Já as diligências previstas no artigo 402 são aquelas outras, cuja necessidade adveio após a instrução. Como lembra Tourinho Filho, comentando o antigo artigo 499, “nada obstante a clareza da norma, é comum as partes (promotores e advogados) aproveitarem a fase do art. 499 para requerer diligências que olvidaram quando da denúncia ou queixa ou defesa prévia”[35].

Não tendo havido qualquer requerimento “ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por vinte minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença”. Do indeferimento de diligências não cabe recurso, devendo o acusado utilizar-se do Habeas Corpus e a acusação da correição parcial (como vem admitindo reiteradamente a jurisprudência) ou mesmo do mandado de segurança.

Se houver mais de um réu “o tempo previsto para a defesa de cada um será individual”. Já para o advogado do assistente, o prazo será de dez minutos, após as alegações finais do Ministério Público; neste caso prorroga-se “por igual período o tempo de manifestação da defesa”.

Permite a lei, excepcionalmente, considerando a complexidade do caso ou o número de acusados que o juiz conceda às partes “o prazo de cinco dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de dez dias para proferir a sentença” (art. 403, §§ 1o., 2o. e 3o.). O que deve ser evitado é a apresentação de memoriais transformar-se em regra!

Se forem requeridas diligências, fatalmente a audiência será sobrestada para o cumprimento do que foi requerido. Neste caso, prevê o artigo 404 que “a audiência será concluída sem as alegações finais”. “Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de cinco dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de dez dias, o juiz proferirá a sentença” (parágrafo único).

Por fim, encerrando as disposições concernentes ao procedimento ordinário, temos o artigo 405, in verbis:

Artigo 405 — Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.

“Parágrafo 1o.— Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.

“Parágrafo 2o.— No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição”.

Em seguida, passa-se a regulamentar o procedimento sumário, entre os artigos 531 a 538, lembrando-se que até a audiência de instrução e julgamento as disposições são comuns para os procedimentos ordinário e sumário; a diferença entre ambos inicia-se a partir da audiência de instrução e julgamento, como veremos a seguir:

“Artigo 531 — Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no artigo 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate”.

Repetimos todas as observações feitas quando comentamos o artigo 400. Muda o número de testemunhas (cinco), segundo o artigo 532. Aplica-se“ao procedimento sumário o disposto nos parágrafos do art. 400 deste Código” (art. 533).

Foram revogados os parágrafos 1o., 2o, 3o. e 4o. do artigo 533.

Também neste procedimento, “as alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença”. “Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.” Se houver assistente, o seu advogado, após a manifestação do Ministério Público, terá o prazo de dez minutos para as suas alegações, “prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa” (art. 534, §§ 1o. e 2o. ).

Dispõe o novo artigo 535 que “nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.” Entendemos que só podem ser conduzidas coercitivamente as testemunhas (art. 218) e vítimas (art. 201, § 1º.). Esta permissão, bem como aquela contida no artigo 260, não deve ser aplicada ao acusado. Aliás, a este respeito, modificamos entendimento anterior e hoje pensamos que esta disposição do Código de Processo Penal deve ser interpretada à luz da Constituição, não devendo ser mais admitida a condução coercitiva, pois a conveniência quanto ao comparecimento ao interrogatório deve ser aferida pelo acusado e seu defensor, evitando-se a obrigatoriedade de participar de uma “cerimônia degrante”.[36]

Neste mesmo sentido, o magistério de Roberto Delmanto Júnior:

“Tampouco existe embasamento legal, a nosso ver, para a sua condução coercitiva com fins de interrogatório, prevista no art. 260 do CPP, já que de nada adianta o acusado ser apresentado sob vara e, depois de todo esse desgaste, silenciar. Se ele não atende ao chamamento judicial, é porque deseja, ao menos no início do processo, calar. Ademais, a condução coercitiva ‘para interrogatório’, daquele que deseja silenciar, consistiria inadmissível coação, ainda que indireta. (Inatividade no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp. 192/193).

A propósito, veja-se esta decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

CC 2007.02.01.007301-4 – rel. Maria Helena Cisne – j. 27.02.2008 – DJU 24.03.2008 – EMENTA: PROCESSO PENAL – CORREIÇÃO PARCIAL – CONDUÇÃO COERCITIVA DE RÉU DEVIDAMENTE QUALIFICADO E IDENTIFICADO PARA SER INTERROGADO – DESNECESSIDADE – ART. 5º, LXIII, DA CRFB – CORREIÇÃO PARCIAL INDEFERIDA – O comparecimento do réu ao interrogatório, quando devidamente qualificado e identificado, constitui uma faculdade e não um dever do mesmo. Apenas em situações excepcionais poderá o Magistrado promover a condução coercitiva do acusado, nos termos do art. 260, do CPP.- A CRFB, ao permitir ao acusado calar-se diante do Juiz, demonstra que o interrogatório não é imprescindível para o deslinde da causa, devendo o réu, desde que devidamente citado, arcar com o ônus processual de seu não comparecimento. Correição Parcial indeferida.

Foram revogados os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 535.

Segundo o artigo 536, “a testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código”. Foi revogado o artigo 537.


Pelo artigo 538, “nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo”. Aqui faz-se referência àquelas duas causas modificadoras da competência previstas na Lei 9.099/95: a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formulação oral da peça acusatória (art. 77, § 2º.) e o fato do réu não ser encontrado para a citação pessoal (art. 66, parágrafo único)[37].

É importante ressaltar que neste caso o procedimento será o sumário, mas devem ser aplicados na vara comum os artigos 74, 76 e 89 da Lei 9.099/95, pois se tratam de medidas de caráter penal, benéficas, aplicáveis em qualquer processo, independentemente do respectivo procedimento (ressalvando o disposto no artigo 90-A da Lei 9.099/95 e no artigo 41 da Lei 11.340/06, ambas disposições, aliás, que nos parecem inconstitucionais, por ferirem o princípio da isonomia e o da proporcionalidade).

Foram revogados todos os parágrafos deste artigo 538, bem como os artigos 43 (rejeição da denúncia ou queixa, agora prevista no artigo 395); artigo 398 (substituído pelo artigo 401); artigos 498, 499, 500, 501, 502 (novo procedimento ordinário); artigos 537, 539, 540 (novo procedimento sumário), artigo 594 (substituído pelo artigo 387, parágrafo único), os parágrafos 1º e 2º do artigo 366; os parágrafos 1º a 4º do artigo 533 (novo procedimento sumário), os parágrafos 1º e 2º do artigo 535 (idem) e os parágrafos 1º a 4º do artigo 538 (idem).

 

 


 

[1] A lei foi publicada no Diário Oficial da União do dia 23 de junho de 2008, entrando em vigor 60 dias depois de oficialmente publicada, na forma do art. 3º. da mesma lei. Segundo o art. 8º. da Lei Complementar nº. 95, “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.” Pelo seu § 1º. “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.” (Grifamos).

[2] Sobre a reforma do Código de Processo Penal, veja-se o que comentamos em nosso Direito Processual Penal, Salvador: Editora JusPodivm, 2007.

[3] Apud Tourinho Filho, Processo Penal, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., 1998, p. 9.

[4] Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Lei dos Juizados Especiais Criminais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 107 (em co-autoria com Geraldo Prado).

[5] Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª. ed., 2005, p. 110.

[6] Antonio García-Pablos de Molina, Criminologia, São Paulo: RT, 1992, p. 42, tradução de Luiz Flávio Gomes

[7] Juan H. Sproviero, La víctima del delito y sus derechos, Buenos Aires: Depalma, p. 24

[8] Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº. 21, p. 422.

[9] O Papel da Vítima no Processo Criminal, Malheiros Editores, 1995. Indicamos também o trabalho intitulado “El papel de la víctima en el proceso penal según el Proyecto de Código Procesal Penal de la Nación”, por Santiago Martínez (Fonte: www.eldial.com – 12/08/2005).

[10] La Vittima nel Sistema Italiano della Giustizia Penale – Un Approccio Criminologico, Padova, 1990, p. 144.

[11] Art. 227 – Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.

Art. 228 – No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a diligência.

§ 1º – Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca.

§ 2º – Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.

Art. 229 – Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência.”

[12] Os dois parágrafos do art. 366 foram revogados pela lei, restando agora apenas o caput.

[13] Elementos de Direito Processual Penal, Vol. II, Campinas: Bookseller, 1998, p. 183.

[14] Comentários ao Código de Processo Penal, Vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1945, p. 495.

[15] Sobre a suspensão condicional do processo, remetemos o leitor ao nosso livro “Juizados Especiais Criminais”, Salvador: JusPodivm, 2007.

[16] O conceito status-degration cerimony foi introduzida em 1956 por H. Garfinkel para indicar os procedimentos ritualizados nos quais uma pessoa é condenada e despojada de sua identidade, recebendo outra, dita degradada.

[17] Idem.

[18] Exemplos: “Repouso noturno” (art. 155, § 1º., Código Penal), “à noite” (art. 150, § 1º.), “emprego de arma” (art. 158, § 1º.), etc.

[19] Exemplos: “Funcionário Público” (arts. 312, 331, 333 do Código Penal), “coisa alheia” (arts. 155, 157, CP), etc.

[20] Langevin, Julián Horacio, Nuevas Formulaciones del Principio de Congruencia: Correlación entre Acusación, Defensa y Sentencia, Buenos Aires: Fabián J. Di Plácido Editor, 2008, p. 189.

[21] Tribunal Regional Federal da 1ª. Região – Recurso em Sentido Estrito nº. 2002.38.00.003576-0/MG – Relator: Desembargador Hilton Queiroz.

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[22] Código de Processo Penal comentado, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 573.

[23] Veja o que escrevemos sobre o direito de apelar em liberdade, em nossa obra “Direito Processual Penal”, Salvador: JusPodivm, 2007.

[24] Sobre o procedimento sumaríssimo, remetemos o leitor ao nosso livro “Juizados Especiais Criminais”, Salvador: JusPodivm, 2007.

[25] A saber: um órgão investido de jurisdição, competente e imparcial; partes com capacidades jurídica, processual e postulatória; demanda; observância ao respectivo procedimento e ausência de perempção, litispendência e coisa julgada. (Sobre o assunto, Fredie Didier Jr., “Pressupostos Processuais e Condições da Ação”, São Paulo: Saraiva, 2005).

[26] Preferimos falar em “caso penal” ou “causa penal” ou mesmo “controvérsia penal”, pois “a lide, em qualquer de suas formas, é inaceitável no processo penal, isto é, para referir o conteúdo do processo penal, não serve a lide do processo civil e nem a lide penal. O conteúdo do processo pode ser apresentado pela expressão caso penal.” (Jacinto Nelson Miranda Coutinho, A Lide e o Conteúdo do Processo Penal, Curitiba: Juruá, 1998, p. 152, grifo no original).

[27] Há setores da doutrina que fazem uma diferença entre rejeição e não recebimento. Por todos, conferir José Antonio Paganella Boschi, Ação Penal, Rio de Janeiro: AIDE, 3ª. ed., 2002, pp. 233/234.

[28] Note-se que mais uma vez o nosso legislador não fez a diferença técnica entre notificação e intimação.

[29] Barbi, Celso Agrícola, Comentários ao CPC, Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, p. 327.

[30] “O interrogatório à distância”, Brasília: Revista Consulex, nº. 29, p. 23.

[31] Introdução ao Direito Processual Constitucional, São Paulo: Síntese, 1999, p. 27.

[32] Procédure Pénale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 35.

[33] Sobre interrogatório, remetemos o leitor ao nosso livro, já referido.

[34] Grinover, Ada Pellegrini Grinover e outros, Juizados Especiais Criminais, São Paulo: RT, 3ª. ed., 1999, p. 176.

[35] Código de Processo Penal Comentado, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 11ª. ed.,. 2008, p. 161.

[36] Veja-se o texto de Alexandre Duarte Quintans, disponível no endereço: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9198

[37]TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS – SEÇÃO CRIMINAL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 590-9/194 (200603891424) – Relator: Des. Elcy Santos de Melo – EMENTA: Processual Penal. Conflito negativo de competência. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal. Autor do fato não encontrado. Deslocamento da competência. Justiça Comum. Art.66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Encontrando-se o autor do fato em local incerto e não sabido e, portanto, inadmissível a sua citação pessoal, correta a postura do juiz do Juizado Especial Criminal em determinar a remessa dos autos para a Justiça Comum, a teor do que determina o art. 66, parágrafo único, da Lei n.9.099/95, ali firmando a sua competência, ainda que presente nos autos o endereço atualizado do acusado ou sendo este encontrado após o deslocamento processual.Conflito provido.” Idem: “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS – Ementa: Processual Penal. Conflito negativo de jurisdição. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal. Paciente não encontrado. Modificação da competência para o juízo comum: artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Conflito procedente. Não localizado o autor do fato delituoso para a citação na forma pessoal perante o juizado especial criminal, dá-se o deslocamento da competência para o juízo criminal comum julgar e processar o feito, nos termos do artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Conflito conhecido e provido. Competência do juiz suscitado.” (Conflito de Competência nº. 520-4/194 – 200400741029 – Rel. Des. Floriano Gomes).

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