Segredo profissional

Molina não precisa fornecer dados sigilosos à CPI dos Grampos

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25 de julho de 2008, 21h59

O ministro Cezar Peluso, presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, autorizou o perito Ricardo Molina a não fornecer documentos sob sigilo profissional à CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas.

A liminar vale tanto para documentos relacionados ao seu trabalho de perito particular como para aqueles que ele teve acesso como perito judicial em processos cobertos por segredo de Justiça. A decisão não é válida para documentos referentes a ações sem sigilo.

Em maio, o perito prestou depoimento à CPI, ocasião em que se comprometeu a mandar dados mais específicos sobre os casos em que atuou. Sua intenção era mostrar abusos cometidos nas escutas telefônicas.

No entanto, o presidente da CPI, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), afirmou que também seria importante o acesso a documentos de processos judiciais em segredo de Justiça. O deputado prometeu manter o sigilo. Em julho, Itagiba oficiou o perito para que ele mandasse as informações em dez dias.

Por essa razão, o perito entrou com o Habeas Corpus no STF, manifestando seu receio sobre a possibilidade de ser processado por ter violado segredo de Justiça. Também argumentou que se não atendesse à solicitação, ele poderia ser acusado de desobediência e de falso testemunho à CPI.

Peluso observou que as CPIs têm “todos os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”. No entanto, nada mais além do que isso. Segundo o ministro, as comissões “estão sujeitas aos mesmos limites constitucionais e legais, de caráter formal e substancial, opiníveis aos juízes no desempenho de idênticas funções”. Um dos limites é o princípio que proíbe a produção de prova contra si.

O ministro reconheceu que Molina tem razão no seu receio de responder criminalmente tanto por atender como por se negar a entregar os documentos. “No primeiro caso, o ora paciente está escusado de prestar informações colhidas no exercício da profissão. No segundo, só poderá prestá-las, desde que seja, legal e formalmente, pela autoridade competente, quebrado o sigilo que recobre os feitos processados em segredo de justiça”, afirmou Peluso.

Segundo o ministro, Molina foi convocado pela CPI para emitir opinião técnica sobre os grampos e não para fazer uma assessoria técnica. “Aproveitam, pois, ao paciente, todas as garantias previstas à testemunha, porque o é de fato e de direito, no caso, onde aparece nítido como narrador das suas experiências, o que, segundo velha lição de Carnelutti (doutrinador italiano), é o papel típico da testemunha”, anotou o ministro.

HC 95.279

Leia a decisão:

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 95.279-8 DISTRITO FEDERAL

PACIENTE(S): RICARDO MOLINA DE FIGUEIREDO

IMPETRANTE(S): SÉRGIO ROBERTO DE NIEMEYER SALLES

COATOR(A/S)(ES): COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – CPI PARA INVESTIGAR ESCUTAS TELEFÔNICAS CLANDESTINAS

DECISÃO: 1. Trata-se de habeas corpus preventivo, impetrado em favor de RICARDO MOLINA DE FIGUEIREDO, com pedido de liminar, contra ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar Escutas Telefônicas Clandestinas, Deputado Federal MARCELO ITAGIBA, que lhe determinou remessa de informações cobertas por sigilo judicial.

Segundo a impetração, o paciente, perito judicial, foi convocado para prestar depoimento à CPI como especialista em fonética forense. Na ocasião, comprometeu-se a remeter à Comissão “dados mais específicos sobre os casos em que atuou, visando com isso demonstrar os abusos e desvios que pôde constatar em diversas oportunidades” (fl. 3).

Em seguida, o Presidente da CPI afirmou que “seria importante o encaminhamento” da documentação referente aos casos de abuso em processo judicial. Na ocasião, asseverou:

“Manteremos aqui o sigilo; logo, estará coberto pelo sigilo. Então. V. Sa. não precisa se preocupar em nos encaminhar o material com os nomes, com tudo, para que possamos analisar nessa Comissão” (fl. 13).

No último dia 2 de julho, a autoridade apontada como coatora oficiou ao paciente, requisitando-lhe as informações nos mesmos termos da audiência, agora com o prazo de dez dias (fl. 10).

Alega o impetrante que, “apesar do compromisso de preservação do sigilo, prestado pela CPI (v. doc. Incluso), ainda assim não resta afastada a possibilidade de o paciente vir a sofrer coação ilegal com a ameaça de cerceamento de seu direito de ir, vir e ficar, sob a alegação de ter violado o segredo de justiça de que se guarnecem os dados solicitados pela CPI do Grampo”. Afirma, ainda, que desatender à requisição, por outro lado, “implica em sujeitar-se à acusação de desobediência e quiçá de falso testemunho à indigitada CPI” (fls. 4-5).

Requer seja concedida a liminar, para que (i) possa encaminhar à CPI as informações desejadas, sem que o ato configure violação de sigilo profissional e de segredo de justiça; ou (ii) possa recusar-se a prestar tais informações, sem que o ato configure desobediência ou falso testemunho (fls. 8-9). No mérito, requer a confirmação da liminar.

2. É caso de liminar.

É entendimento firme e aturado desta Corte que, nos termos da Constituição da República (art. 58, § 3º), as Comissões Parlamentares de Inquérito têm todos os “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, mas nenhum além desses. Estão, portanto, submissas aos mesmos limites constitucionais e legais, de caráter formal e substancial, oponíveis aos juízes no desempenho de idênticas funções. E um deles é o dever de respeitar a garantia constitucional contra auto-incriminação (art. 5º, inc. LXIII), cuja manifestação mais expressiva está no direito ao silêncio de que gozam acusados e suspeitos (HC nº 79.812, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 16.02.2001; HC nº 86.232-MC, rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 01.08.2005; HC nº 79.244, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 24.03.2000; HC nº 87.971-MC, rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de 21.02.2006; HC nº 83.775-MC, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ de 09.12.2003).

Além disso, não menos aturada e firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a garantia constitucional contra auto-incriminação se estende a todas as pessoas sujeitas aos poderes instrutórios das Comissões Parlamentares de Inquérito, assim aos indiciados mesmos, ou, recte, envolvidos, investigados, ou suspeitos, como às que ostentem a só qualidade de testemunhas, ex vi do art. 406, I, do Código de Processo Civil, cc. art. 3º do Código de Processo Penal e art. 6º da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952 (HC nº 73.035, Tribunal Pleno, rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 19.12.1996; HC nº 79.244, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 24.03.2000; HC nº 78.814-MC, rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 09.02.1999; HC nº 83.648, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 28.10.2003; HC nº 84.089-MC, rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 25.03.2004, HC nº 85.502- MC, rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 23.02.2005; HC nº 86.849-MC, rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 13.10.2005).

As mesmíssimas razões aplicam-se, nos precisos termos do art. 207 do Código de Processo Penal e art. 406, II, do Código de Processo Civil, cc. art. 3º do Código de Processo Penal e art. 6º da Lei nº 1.579, de 1952, às testemunhas, quanto aos fatos sobre os quais devam guardar sigilo por dever de ofício ou profissão (cf. HC nº 71039, Re. Min. PAULO BROSSARD, DJ de 06.12.1996; HC nº 71231, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 31.10.1996; MS nº 23452, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 12.05.2000; MS nº 25.005, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 07.09.2004; HC nº 79.244, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, RTJ 172/929-930; HC nº 87.971-MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ 25.05.06. Na doutrina, por todos, OVíDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, “CPI ao Pé da Letra”, Campinas, Millennium ed., 2001, p. 67-68, nº 59). Isso é sobremodo válido para o sigilo funcional que recai sobre servidor ou funcionário público, ou a quem tenha agido na condição de perito judicial em feito revestido de segredo de justiça.

De tais garantias decorre, para a testemunha, o direito de (i) manter silêncio diante de perguntas cuja resposta possa implicar-lhe auto-incriminação, ou quebra do sigilo funcional ou profissional (ii) não ter o silêncio interpretado em seu desfavor e (iii) não ser presa em flagrante, nem processada por exercício dessas prerrogativas constitucionais, sob pretexto da prática de crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), nem tampouco de falso testemunho (art. 342 do mesmo Código).

Se há justo receio de ser tal direito ao silêncio infringido, deve-se deferir ao interessado a medida cautelar que evite possível constrangimento (HC nº 87.971-MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de 21.02.2006), ainda que, a rigor, nenhum cidadão precise de título judicial prévio para invocar e opor esse direito a CPI (cf. HC nº 88.182, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ 13.03.06).

É o que, mutatis mutandis, convém a este caso, onde há fundado receio de que venha o ora paciente a responder por eventual ilícito, se atender ou recusar-se a atender à requisição de documentos sobre os quais lhe pesa dever jurídico de sigilo profissional, assim porque tenha obtido dados no exercício estrito de sua profissão de especialista em fonética forense (i), como porque o tenha como perito judicial em processos cobertos por segredo de justiça (ii).

No primeiro caso (i), o ora paciente está escusado de prestar informações colhidas no exercício da profissão. No segundo (ii), só poderá prestá-las, desde que seja, legal e formalmente, pela autoridade competente, quebrado o sigilo que recobre os feitos processados em segredo de justiça.

É de decisiva importância para o caso advertir que os depoimentos prestados pelo ora paciente, assim como as informações que agora se lhe requisitam não correspondem a atividades específicas da função de perito, no sentido de profissional especializado e nomeado para emitir juízo técnico a respeito de determinados objetos sujeitos a seu exame. Sua condição de perito, aqui, foi invocada a título de portador de conhecimentos científicos, não, porém, para examinar algum objeto de prova, mas para fazer afirmações e juízos de realidade sobre casos, bem como documentá-los, tal como o fazem as testemunhas. Noutras palavras, não foi, nem está sendo convocado a examinar algum objeto de prova – ou, em expressão simples mas eloqüente, não o foi para periciar algo para a CPI -, senão para declarar e provar que sabe de certos fatos, o que significa, sem sombra de dúvida, que, nessas atividades, atuou e atuaria agora no exato papel e condição de testemunha, embora qualificada. Diz-se, aliás, não sem propriedade, que perito é apenas uma testemunha qualificada!

Aproveitam, pois, ao paciente, todas as garantias previstas à testemunha, porque o é de fato e de direito, no caso, onde aparece nítido como narrador das suas experiências, o que, segundo velha lição de CARNELUTTI, é o papel típico da testemunha:

“La definizione più spontanea della testimonianza è quella che la fa consistere nella narrazione di un fatto; al fine di distinguerla dalla fiaba, è bene aggiungere: di un fatto costituente una esperienza (o, semplicemente, di una esperienza) del narratore” (“Diritto e Processo”, Napoli, Morano Ed., 1958, p. 129-130, nº76).

2. Do exposto, sem prejuízo de seu reexame pelo Relator que venha a ser sorteado, concedo a liminar, autorizando o paciente a não encaminhar à Comissão Parlamentar de Inquérito a documentação sobre a qual deva guardar sigilo profissional, assim porque a tenha obtido no exercício estrito de sua profissão de especialista em fonética forense (i), como porque o tenha como perito judicial em processos cobertos por segredo de justiça (ii), exceto, nesta segunda hipótese, se tal sigilo for quebrado prévia e legalmente. Exp. salvo-conduto.

Comunique-se, com urgência, por ofício e fac-símile, o inteiro teor desta decisão à autoridade apontada como coatora, solicitando-lhe, ainda, que preste informações acerca da requisição ao paciente.

Publique-se. Int.

Brasília, 25 de julho de 2008.

Ministro CEZAR PELUSO

Vice-Presidente

(Art. 13, VIII, e 14, RISTF)

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