Portas abertas

Desembargador tem o dever legal de receber advogado

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25 de julho de 2008, 18h17

Causaram-me imensa perplexidade as linhas, de inequívoca tendência reacionária, publicadas na Consultor Jurídico na quinta-feira (24/7) e subscritas pelo desembargador Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda.

É verdade que, no passado, os juízes de segundo grau não possuíam gabinete de trabalho. Não corresponde à realidade, no entanto, a afirmação de que os advogados de tempo pretérito não “contavam com a possibilidade de se entrevistar pessoalmente com o magistrado”. Muito pelo contrário. A consciência do dever funcional e a lhaneza no trato marcavam a personalidade da grande maioria dos desembargadores que construíram o prestígio do Tribunal de Justiça de São Paulo. Recebiam sim os advogados. Fui recebido, no Palácio da Justiça, há 30 anos, ainda no início do exercício de minha profissão de advogado, por inúmeros magistrados.

Lembro, ademais, que, à época referida pelo aludido articulista, o memorial apresentado pelos advogados era efetivamente considerado pelos componentes da câmara e o respectivo julgamento era visivelmente colegiado!

Hoje, é certo, os tempos mudaram, o número de recursos cresceu muito. Não obstante, tenho convicção de que a expressiva maioria dos desembargadores de nosso Tribunal de Justiça, norteada pelos mesmos propósitos daqueles antigos magistrados, continua dando a devida atenção ao direito das partes litigantes, visto que recebem os advogados em seus gabinetes de trabalho. Muitos deles nem mesmo exigem agenda de data e horário!

Verifica-se, por outro lado, longe de haver equívoco na justa reivindicação formulada pela Aasp e pela OAB-SP, que o desconhecimento do usus fori, da lei e da jurisprudência é do ilustre subscritor da referida matéria.

Em primeiro lugar porque, diferentemente de quanto por ele asseverado, sempre foi e é costume, no meio forense paulista, a entrega pessoal de memorial aos integrantes da turma julgadora. Diria até que, dependendo da natureza da demanda, tal praxe torna-se mesmo imperativa.

Pela vertente legal, dispõe a Loman (LC 35/79), no artigo 35, IV, que é dever do magistrado “atender aos que o procurarem a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência”.

O artigo 7º, VIII, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), que também está em vigor, autoriza, como direito do advogado, “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada”.

Irrompe, pois, descabida a dicotomia traçada pelo apontado articulista entre “bens públicos propriamente ditos e bens públicos privados do Estado”. Sim, porque, como magistrado experiente, deveria saber que ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazer distinções).

Por fim, é difundida, a propósito, a precisa e democrática determinação do CNJ, no sentido de que: “O magistrado é sempre obrigado a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na Loman e a sua não observância poderá implicar em responsabilização administrativa” (Pedido de providências n. 1.465, Cons. Marcus Faver, j. 4.6.07). Confira-se, a respeito, STJ, 1ª T., RMS n. 13.262-SC; 2ª T., RMS n. 15.706-PA; 1ª T., RMS n. 18.296-SC.

Lamento, portanto, a posição, a meu ver, de todo ilegal do desembargador Ferraz de Arruda que, a exemplo de seus pares, encontra-se obrigado a receber advogados em seu respectivo gabinete de trabalho; não em seu veículo oficial!

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