Portas fechadas

Desembargador não tem de receber advogado para tratar sobre ação

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24 de julho de 2008, 19h32

Uma opinião para os desembargadores paulistas refletirem sobre a questão de receber advogados no gabinete de trabalho que venham tratar de interesses da parte. Há 30 anos não tinham os desembargadores gabinetes de trabalho, muito menos assistentes técnicos.

Os processos eram transportados do tribunal para a casa do desembargador e a partir daquele momento os advogados não tinham mais acesso aos autos, muito menos contavam com a possibilidade de se entrevistar pessoalmente com o magistrado. Os grandes advogados de então, elaboravam minucioso memorial sobre o caso e o entregavam na casa do desembargador, ou simplesmente deixavam-no na sala das becas do Tribunal de Justiça.

O memorial, como continua sendo até hoje, é uma peça processual que não está jungida aos rigores do contraditório, uma vez que como o próprio nome diz, trata-se de um resumo da lide com os pontos controvertidos examinados pela sentença recorrida, facultado o requerimento de juntada aos autos.

O contato pessoal com o desembargador é reservado para o dia da sessão pública de julgamento, oportunidade em que o causídico pode sustentar oralmente, perante a turma julgadora, a defesa de seu cliente. A única coisa que mudou, portanto, nessa práxis forense foi o fato de os desembargadores passarem a trabalhar em gabinete, com assistentes e escreventes.

Penso, pois, que não têm a OAB-SP ou a AASP a mínima razão em reivindicar ou exigir que o desembargador receba em seu gabinete o advogado para que este possa tratar unilateralmente dos interesses de seu cliente, parte processual, posto que não está na lei e nem se inclui entre os direitos constitucionais processuais desta ou das prerrogativas do advogado a entrevista pessoal e unilateral com o julgador no recesso do gabinete.

Talvez este equívoco decorra do desconhecimento do Direito Administrativo pátrio que discrimina perfeitamente as noções de bens públicos propriamente ditos e bens públicos privados do Estado. O gabinete não é um espaço (bem) público de livre ingresso, como uma repartição pública, praça pública ou sala em que se realizam as audiências judiciais ou sessões de julgamento, muito menos extensão dos cartórios ou secretarias do Tribunal.

Nada disso. O gabinete do desembargador é um espaço (bem) público privado do Estado cujo uso é privativo do desembargador e seus funcionários e que por essa razão nele só ingressa quem o desembargador permite, até mesmo por uma questão de segurança pessoal.

Compare-se, por exemplo, o veículo oficial para transporte do desembargador: trata-se também de bem público privado do Estado,ou seja, é um bem posto à disposição do desembargador para uso oficial. Ora, se a OAB e a AASP entendem equivocadamente que o gabinete é repartição pública e que o advogado tem, por isso, amplo acesso como se fosse direito ou prerrogativa de classe, por óbvio também se conclui que a OAB e AASP suponham que o advogado tenha o direito de ingressar no veículo oficial e acompanhar o desembargador até a sua casa, expondo-lhe, durante o trajeto, os interesses de seu cliente em disputa no processo.

O fato é que o processo estando concluso ao desembargador para que este estude e profira o seu voto, não é lícito vir o advogado pessoalmente lhe cobrar atenção sobre pontos do processo que ele, advogado, não quer, por interesses estratégicos, dispor publicamente nos autos.

De outra parte está começando a se tornar uma indevida rotina o fato de alguns juízes e desembargadores aposentados, se prevalecendo da anterior condição, ingressarem livremente nos prédios dos gabinetes dos desembargadores ou nas salas das becas para interceder em favor de partes que estão em litígio.

Nesses tempos difíceis de arapongas, lobistas e de sensacionalismos da imprensa, urge que nós desembargadores paulistas paremos para refletir sobre esta duvidosa prática que vem por quebrar os princípios processuais da eqüidistância do juiz e do equilíbrio entre as partes em litígio.

Eu da minha parte devoto profundo respeito pela nobre e valorosa classe dos advogados, mesmo porque fui advogado, mas não os recebo em meu gabinete para tratar de processos que me estão conclusos.

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