Força dos argumentos

Advogado pode usar termos fortes na defesa de seu cliente

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23 de julho de 2008, 21h02

Palavras contundentes não são, necessariamente, ofensivas ou criminosas. Portanto, na defesa dos interesses de seus clientes, é um direito dos advogados usá-las. Foi com esse entendimento que o desembargador Paulo Rossi, da 12ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, decidiu trancar a ação penal por calúnia contra três advogados do fundo de investimentos MatlinPatterson (controlador da VarigLog).

Em uma das ações contra três ex-administradores da VarigLog — Marco Antônio Audi, Luiz Eduardo Gallo e Marcos Michel Haftel — os advogados disseram ao juiz, na petição, que eles tentaram apropriar-se indevidamente de mais de US$ 219 milhões que “foram entregues para investir na aquisição e operação da Varig”.

“O que viria, sem nenhum exagero, se constituir na maior fraude financeira já vista no planeta: seria, sem nenhum exagero, o golpe do século!!!”, escreveram os advogados Waldemar Deccache, Leopoldo Greco de Guimarães Cardoso e Karen da Silva Reges.

Os ex-administradores da VarigLog, que foram afastados da empresa em abril por decisão da 17ª Vara Cível de São Paulo, sob acusação de gestão temerária, disseram-se ofendidos com as palavras e acusações feitas pelos advogados e apresentaram queixa-crime que foi aceita pela 3ª Vara Criminal de São Paulo.

Marco Antônio Audi, Luiz Eduardo Gallo e Marcos Michel Haftel argumentavam que, na verdade, o envio do dinheiro para bancos da Suíça atendeu “imposição de co-investidores”. A calúnia, de acordo com eles, estaria evidente porque os advogados sabiam que a acusação era falsa, atingindo diretamente a honra subjetiva de cada um. Além de transferir o dinheiro, os ex-sócios obtiveram da antiga diretoria da empresa procurações para que eles pudessem movimentar livremente a conta. Ao tomar conhecimento da manobra, o fundo americano bloqueou os cerca de 85 milhões de dólares, judicialmente.

“Apenas houve uma transferência legal de valores entre contas das próprias empresas envolvidas nas sociedades. Assim, não há que se falar em qualquer desvio, porquanto não existe alteração, sequer tentada, da propriedade do montante em comento.” Os três reclamantes foram excluídos da sociedade por desvio de recursos da empresa.

A defesa dos advogados do MatlinPatterson, feita por Alberto Zacharias Toron, Renato Marques Martins e Edson Junji Torihara, explica que a ação cível apresentada contra os ex-administradores da VarigLog pretendia impedir a extinção de contratos mútuos que não foram pagos. E que não houve, em momento algum, intenção dos advogados de caluniá-los.

“Aquele que desvia dinheiro de uma conta, remetendo-o para Bancos na Suíça e ingressa com pleito judicial para ver extintos os contratos de mútuo, dá evidentes mostras de que quer se apropriar deste valor. Afirmações, além de legítimas, estritamente ligadas à discussão da causa!!!”

No pedido de Habeas Corpus, a defesa dos advogados cita ainda trechos da decisão de afastamento dos administradores, assinada pelo juiz da 17ª Vara Cível de São Paulo. Na sentença, o juiz José Paulo Magano dizia que os administradores “preferiram dispor do dinheiro da sociedade em proveito próprio, inclusive para a aquisição de veículos e gastos pessoais, em detrimento da manutenção das sociedades, pagamento de salários e tributos”.

Diante disso, os advogados argumentaram que não seria justo manter uma ação penal quando o próprio Judiciário reconheceu as acusações feitas na ação cível. E ainda que as prerrogativas profissionais dos advogados são proteções necessárias para que possam defender sem medo seus clientes.

O relator, desembargador Paulo Rossi, concordou. “Sem muitos esforços, a ação penal não só pode, mas deve ser trancada. Sob pena de constrangimento ilegal”, concluiu.

Leia a petição dos advogados do MatlinPatterson

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA COLENDA SEÇÃO CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.

Os advogados ALBERTO ZACHARIAS TORON, EDSON JUNJI TORIHARA e RENATO MARQUES MARTINS, brasileiros, casados e solteiro, inscritos na seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil sob os números 65.371, 119.762 e 145.976, todos com escritório na Avenida Angélica, 688, cj. 1.111, São Paulo (SP), respeitosamente, vêm à elevada presença de Vossa Excelência impetrar

ORDEM DE HABEAS CORPUS

em favor dos advogados WALDEMAR DECCACHE, LEOPOLDO GRECO DE GUIMARÃES CARDOSO e KAREN DA SILVA REGES, por estarem sofrendo constrangimento ilegal da parte da MMª. Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal da Capital (SP), a qual recebeu queixa-crime contra os Pacientes destituída de justa causa (Processo n.º 050.07.083445-8; controle n.º 149/07), cuja cópia integral instrui a presente impetração como doc. n.º 01.

Os Impetrantes arrimam-se nos dispositivos previstos no artigo 5.º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, nos artigos 647 e 648, inciso I e VI, do Código de Processo Penal e, ainda, nos relevantes motivos de fato e de direito adiante aduzidos.


Termos em que, do processamento,

Pedem deferimento.

São Paulo, 10 de abril de 2008.

ALBERTO ZACHARIAS TORON

OAB/SP nº 65.371

EDSON JUNJI TORIHARA

OAB/SP Nº 119.762

RENATO MARQUES MARTINS

OAB/SP Nº 145.976

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO:

COLENDA CÂMARA CRIMINAL:

EMINENTE DESEMBARGADOR RELATOR:

EGRÉGIA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA:

EMENTA DA IMPETRAÇÃO:

1. O Poder Judiciário não pode prescindir dos argumentos necessários à discussão da causa, ainda que estes possam ser considerados ofensivos. Do contrário, quando um sócio dilapidar o patrimônio do outro, dificilmente se poderá ter um quadro que viabilize uma decisão que faça justiça repondo a legalidade ou pondo termo aos abusos e desvios.

2. Não por acaso, com incomum reiteração, a Jurisprudência tem advertido para o fato de que “não é possível manietar a atividade profissional da Advocacia ___ cuja inviolabilidade nos atos e manifestações praticados no exercício do “munus”, encontra abrigo em sede constitucional ___, com o espectro da instauração de um inquérito policial por afirmativas veiculadas no exercício do direito de petição ao órgão competente” (TACRIM-SP, 9ª Câm., HC n.º 366.648/7, rel. Des. AROLDO VIOTTTI, v.u., j. em 26/7/00).

3. No caso concreto, os ilustres advogados/pacientes, por meio de expressões duras e contundentes, levaram fatos graves ao conhecimento do magistrado em contestação cível. Fizeram-no conscientes de que: “A Lei confere à parte ou a seu procurador o direito de ofender, na discussão da causa, o “ex-adverso”, pois, na defesa dos interesses particulares, sobreleva necessidade, imperiosa muitas vezes, e inadiável em outras, de se travar o debate com acrimônia, deselegância, tudo na tentativa de mostrar a verdade. Na defesa da causa, o advogado não pode omitir argumento algum, e não são poucas as vezes em que interesses conflitantes exigem ataques mais violentos” (RT 597/321 – TACRIM, rel. Des. BRENNO MARCONDES). Mesmo porque, “A veiculação de fatos em peças judiciais, com o intuito de lograr provimento favorável, encerra o “animus narrandi” a excluir a configuração do crime de calúnia” (STF, Inq. n.º 380, rel. Min. MARCO AURÉLIO).

4. Existência de decisão judicial que, na essência, lança juízos de valor absolutamente identificados com o conteúdo das expressões utilizadas na petição qualificada como criminosa. A decisão gizou que os querelantes: “preferiram dispor do dinheiro da sociedade em proveito próprio, inclusive para a aquisição de veículos e gastos pessoais, em detrimento da manutenção das sociedades, pagamento de salários e tributos. Os autores-reconvindos, com o devido respeito, de maneira deliberada, fizeram escassear os recursos financeiros das sociedades. E o quadro que resultou disso é falimentar”. S. Exa. afirmou ainda que os querelantes empreenderam um: “calote financeiro geral”.

5. Dado o quadro, qualificar como criminosa a peça na qual os pacientes, advogados do mais alto gabarito, retrataram verdadeiros crimes praticados pelos querelantes, violenta não só a libertas convinciandi, essencial para a correta atuação do Poder Judiciário, como o próprio sentido da garantia constitucional da imunidade material assegurada aos advogados pelo art. 133 da Constituição Federal. Daí o pleito de trancamento da Queixa-Crime.

I- D O C O N S T R A N G I M E N T O I L E G A L:

1. Os querelantes MARCO ANTONIO AUDI, MARCOS MICHEL HAFTEL e LUIZ EDUARDO GALLO, por meio de ilustres advogados, propuseram a presente querela pelos supostos “fatos ofensivos” às suas honras, nos seguintes termos:

“No dia 06 de setembro de 2007, os querelados fizeram protocolizar uma peça de contestação ao processo nº 583.00.2007.207931-0, em nome das empresas VOLO LOGISTICS LLC e CAT AEREA LLC. Essa contestação é datada de 31 de agosto do corrente ano de 2007, na capital de São Paulo, e firmada pelos três primeiros querelados, Drs. Valdemar, Leopoldo e Karen, provavelmente em seu escritório de advocacia, sito à Avenida Juscelino Kubitschek, 20, conj. 112, Jardim Paulista, São Paulo, – SP (…)

Naquela contestação, extrapolando seu direito de defesa, os querelados imputaram falsamente o cometimento de crime aos querelantes, além de outros fatos que ofendem sua honra objetiva, por meio do texto que adiante se destaca, de fls. 350/358 do anexo 03

“(…) os administradores da VARIGLOG, atendendo imposição dos Co-Investidores, ao invés de promoverem o pagamento dos contratos de mútuo vencidos para viabilizar o retorno dos investimentos ao Fundo, resolveram desviar esses recursos para Bancos na Suíça, com a finalidade de fraudar os compromissos assumidos nos vários contratos de mútuos firmados com a VOLO LLC, pretendendo com isso apropriar-se dos valores devidos pela VARIGLOG à VOLO LLC


32.- Com efeito, constatou a VOLO LLC que os administradores da VARIGLOG, instruídos pelos Co-Investidores (que são os únicos membros do Conselho de Administração), remeteram nada menos do que USD 92,336,939.00, primeiro para Bank of América, em Miami, e depois USD 85,000,000.00 para o Banco LLoyds, em Genebra, Suíça, na tentativa de apropriar-se indevidamente dos recursos auferidos com a venda da VRG, para evitar o pagamento dos vários contratos de mútuo (então vencidos) contratados para obter os recursos usados na aquisição da empresa vendida (VRG)!

(…)

35.- Ora, MM. Juiz, não é preciso gastar rios de tinta para demonstrar que as autoras pretendem nada menos do que apropriar-se indebitamente dos recursos da ordem de USD 219,405,617.00 (mais os lucros da operação) que lhe foram entregues para investir na aquisição e operação da VRG, e que deveriam retornar aos investidores do Fundo após a venda deste empreendimento, o que viria, sem nenhum exagero, se constituir na maior fraude financeira já vista no Planeta: seria, sem nenhum exagero, O GOLPE DO SÉCULO!!!”

O trecho atrás destacado constitui inequívoca ofensa à honra dos querelantes, ao imputar aos «administradores da VarigLog», «atendendo à imposição dos co-investidores», os querelantes, fatos referentes à apropriação indevida de quantia «da ordem de USD 219,405,617.00 (mais os lucros da operação)».

Tal imputação constitui, à evidência, o delito de calúnia, por três motivos mais evidentes: I) porque o ato imputado, a apropriação indevida de dinheiro, constitui figura típica; II) porque o fato imputado é falso; e III) porque a falsa imputação atinge diretamente a honra objetiva dos ora querelantes.

(…)

Desviar valores de uma empresa, que tinha por obrigação serem destinados a pagamentos de contas de mútuo, com o fim de deles se apropriar, é conduta que se enquadra justamente no artigo 168 do Código Penal, (…)

Ao se desviar recursos para deles se tornar dono, comete-se o delito de apropriação indébita. E, se a apropriação não se opera integralmente, com a inversão definitiva da titularidade do bem, não há dúvida de que ainda assim o desvio de recursos, se existisse, constituiria o delito em sua forma tentada. (…)

Jamais houve tal apropriação indébita, sequer em sua forma imperfeita, e os querelados tinham conhecimento dessa realidade.

Em primeiro lugar, porque, bem ao contrário do que afirmam os querelados, todos os investidores – mesmo aqueles representantes das empresas que naquela contestação se manifestavam – tinham total ciência do envio, legal, daqueles valores a contas em «Bancos da Suíça».

Disso fazem prova – e isso se coloca apenas como mais um argumento – as trocas de mensagens eletrônicas do tipo e-mail havidas entre Eric Trojman (gerente financeiro da VARIGLOG) e Santiago Born (sócio do fundo), verdadeiras prestações de contas, demonstrando que o Fundo representado pelo querelado empresário Lap Chan sabia que os valores se encontravam depositados no Banco Lloyds TSB, conhecendo, inclusive, o número da conta e da agência em que os valores se encontravam depositados, (…)

Desse modo, as empresas, e daí seus procuradores e representantes, conheciam o envio legal de dinheiro para bancos suíços: ainda que, na contestação cível, dolosamente, apresentem esse envio como tentativa de apropriação indébita.

E não é só. A imputação do tipo do art. 168 não é falsa apenas porque os próprios ofensores sempre tiveram conhecimento dos envios de dinheiro que, posteriormente, vieram a predicar como «desvio». A imputação é também falsa porque, ao contrário novamente de o que de modo insidioso afirmam os querelados, jamais qualquer valor foi desviado do poder e do patrimônio dos investidores. Apenas houve uma transferência legal de valores entre contas das próprias empresas envolvidas nas sociedades. Assim, não há que se falar em qualquer desvio, porquanto não existe alteração, sequer tentada, da propriedade do montante em comento.(…)

Por esses dois motivos – o conhecimento da transferência de valores e a total permanência destes no patrimônio das empresas – está presente o elemento do tipo de calúnia, descrito pelo advérbio «falsamente». A imputação é falsa, e os querelados, à evidência, conheciam tal falsidade quando da perpetração de sua conduta aqui reputada como penalmente relevante.

(…)

No dia 21 de setembro de 2007, os querelados fizeram protocolizar , uma peça de contraditório ao pedido de antecipação de tutela, naqueles mesmos autos da ação nº 583.00.2007.207931-0, em nome das empresas Volo Logistics LLC E CAT AEREA LLC. Essa contestação é datada de 19 de setembro do corrente ano de 2007, em São Paulo, e firmada pelos três primeiros querelados, provavelmente em seu escritório com endereço retro citado, os ilustres advogados Drs. Valdemar, Leopoldo e Karen.(…)


Naquela peça jurídica, mais uma vez fizeram afirmação que sabiam ser falsa, e que atinge diretamente a honra dos querelantes. Esse trecho constitui o segundo que a presente inicial acusatória reputada ofensivo. Abaixo se transcrevem tais afirmações caluniosas e difamatórias

«III. O PEDIDO DE LIMINAR EM QUESTÃO:

UM GOLPE DE USD 350 MILHÕES DE DÓLARES!!!

15. Ainda que superadas as preliminares antes deduzidas, o pedido de antecipação de tutela não mereceria prosperar porque se constitui no prenúncio de uma fraude levada a efeito para sacramentar um golpe de USD 350 MILHÕES DE DÓLARES!!!

(…)

29. Em qualquer lugar do mundo, mesmo nas partes mais recônditas do Planeta ou nos grupamentos sociais mais primitivos, os contratos são firmados para serem cumpridos – e cumpridos na forma em que foram pactuados – e não para servirem de instrumento de fraude, de logro ou de embuste, como querem as autoras no caso sub judice.

(…)

Os fragmentos acima copiados relatam análogas descrições fáticas e figurativas, de cuja falsidade os querelados têm, como ao tempo do crime tinham, a mais absoluta ciência.

Ainda que o pano de fundo seja idêntico, as ofensas são novas, vez que redigidas, subscritas e enviadas a conhecimento dos querelantes e demais membros da sociedade – via protocolo e direcionamento aos autos – em data diversa.

Em outras palavras, a peça jurídica de 19 de setembro revela um novo animus, de caluniar autônomo e independente daquele que motivara a peça jurídica da contestação, objeto da primeira parte desta inicial.

Presente então a indubitável ofensa, na reafirmação de fato criminoso, no trecho do item 15, «não mereceria prosperar porque se constitui no prenúncio de uma fraude levada a efeito para sacramentar um golpe de USD 350 MILHÕES DE DÓLARES!!!», ora acostado às fls. 1933 daquela ação civil.

De maneira parelha, no trecho do item 29, a afirmação «cumpridos – e cumpridos na forma em que foram pactuados – e não para servirem de instrumento de fraude, de logro ou de embuste, como querem as autoras no caso sub judice.». segue a mesma linha ofensiva, com um novo animus de ofender, embora use do mesmo contexto fático de fundo.

É de se realçar, no entanto, que nos dois trechos reputados ofensivos daquele contraditório ao pedido de tutela antecipada, objeto desta segunda parte de queixa-crime, há também difamação. Afinal, a atribuição de «fraude» (item 15), «logro ou embuste» (item 29) constitui imputação de fato não criminoso, porém altamente ofensivo à honra objetiva. Isso pelos mesmos motivos de que todos os ora querelantes, ali ofendidos em sua honra, dependem de sua reputação de honestidade, que se conquista dia a dia, para o exercício de sua profissão.

Nesse sentido, esse segundo ato ofensivo, que se infere claramente dos trechos dos parágrafos 15 e 29 atrás transcritos, constituem delito de calúnia e de difamação, pelo mesmo tripé de razões elencadas para as afirmações reputadas ofensivas da contestação, as quais se reiteram apenas para zelar pela completitude da presente imputação de natureza privada:

I.a – Um «golpe de USD 350 MILHÕES DE DÓLARES!!!» constitui fato típico que, como se infere do contexto daqueles autos, é o do art. 168 do Código Penal, a apropriação indébita. Daí o requisito do tipo «fato definido como crime», do art. 138 do Código Penal, que aqui se imputa aos querelados.

I.b – A «fraude», «logro» ou «embuste», que teria sido, conforme a afirmação dos querelados, cometidas pelos querelantes, embora não constitua fato criminoso, é «fato ofensivo à reputação», elemento do tipo do art. 139 do Código Penal, que aqui também se imputa aos querelados.

II – A falsidade dos fatos imputados, elemento do tipo da calúnia e da difamação, também existe aqui, pelos mesmos motivos atrás apontados: o envio de dinheiro, predicado como «golpe», além de constituir operação absolutamente legal, era de conhecimento de todos os empresários e administradores, de ambos os grupos societários; ademais, nunca saiu das contas das empresas, sem qualquer animus de domínio das quantias por quaisquer dos querelantes, ali reputados autores da conduta criminosa ou desonrosa. Tal realidade, como já exposto, foi atestada pelo próprio Culto Magistrado da 33ª. Vara Cível.

III – a atribuição de «golpe», de «engodo», de «fraude» e «desvio», a empresários-administradores cuja função é lidar com patrimônio próprio e alheio, em sociedade com empresas estrangeiras de volátil capital, é sem dúvida algo que diretamente lesa o bem jurídico da honra dos ora querelantes” (cf. doc. 1.1 – fls.6/18 da queixa-crime).

EMINENTES DESEMBARGADORES:

2. Da breve leitura dos principais trechos da primeira parte da inicial acusatória _____ que trata exclusivamente de uma suposta calúnia _____ extrai-se que os querelantes sentem-se ofendidos diante das seguintes afirmações: (i) “resolveram desviar esses recursos para Bancos na Suíça, com a finalidade de fraudar os compromissos assumidos nos vários contratos de mútuos firmados com a VOLO LLC, pretendendo com isso apropriar-se dos valores devidos pela VARIGLOG à VOLO LLC” ; e (ii) “os administradores da VARIGLOG, remeteram nada menos do que USD 92,336,939.00 (…) para (…) Suíça, na tentativa de apropriar-se indevidamente dos recursos auferidos com a venda da VRG, para evitar o pagamento dos vários contratos de mútuo (então vencidos) contratados (…)”


2.1. Ora, se uma pessoa (física ou jurídica) sente-se prejudicada por outrem, por ato ou omissão, tem o direito de levar ao conhecimento do Poder Judiciário esta lesão (artigo 5º, inc. XXXIV, “a”, da Constituição Federal). Mais que lícito e legítimo, é necessário à própria sobrevivência do Estado de Direito. Pretender-se o contrário, isto é, vedar o acesso à Justiça, propondo-se queixas-crime toda vez que forem apontados fatos ilícitos de que é vítima, significa beneficiar quem se vale da própria torpeza.

2.2. Os gravíssimos fatos apontados pelos ora pacientes jamais poderiam ser omitidos da contestação apresentada em juízo. Ao reverso, eram imprescindíveis para demonstrar ao magistrado cível o tipo de conduta que estava sendo adotada pelos autores daquela ação. Note-se que a petição inicial cível pretendia obter uma tutela antecipada, mencionando uma pretensa condição suspensiva, argüindo a interpretação do contrato pelo comportamento das partes e até mesmo discutindo a função social do contrato para justificar o não pagamento dos contratos firmados. E pior, quando emendaram a petição inicial postularam nada menos do que a extinção de contratos de mútuo no valor de USD 346.169.908,16, sem pagamento!!! Vale dizer: estavam tentando convencer o magistrado, mediante diversos argumentos fáticos e jurídicos, quanto à possibilidade do não cumprimento das obrigações contratuais anteriormente assumidas.

2.3. De outro lado, os pacientes tinham de demonstrar que, em verdade, não era esta a real intenção dos autores da ação, uma vez que todas as condutas até então adotadas pelos querelantes apontavam em sentido oposto. Ou seja: aquele que desvia dinheiro de uma conta, remetendo-o para Bancos na Suíça e ingressa com pleito judicial para ver extintos os contratos de mútuo, dá evidentes mostras de que quer apropriar-se deste valor. Afirmações, além de legítimas, estritamente ligadas à discussão da causa!!!

3. E tão importantes foram as asserções lançadas pelos pacientes que em outra lide existente sobre as mesmas empresas e partes do processo nº 583.00.2007.207931-0 citado na peça acusatória, o MM. Juiz da 17ª Vara Cível de São Paulo, nos autos da ação de dissolução e liquidação de sociedades (Processo nº 583.00.2007.263473-4 – crtl nº 2560/2007), em que figuram como autores os querelantes (pessoas físicas) e a VOLO DO BRASIL S/A, e como ré a empresa VOLO LOGISTICS LLC, da qual os ora querelados, ora pacientes, são advogados, decidiu afastar os querelantes da administração da VARIGLOG, afirmando expressamente que os ora querelantes MARCO ANTÔNIO AUDI, LUIZ EDUARDO GALLO e MARCOS MICHEL HAFTEL:

“passaram a gerir as sociedades de maneira temerária, em excesso e abuso de poder. Conforme relatórios apresentados após a decretação da intervenção judicial, os autores-reconvindos1 preferiram dispor do dinheiro da sociedade em proveito próprio, inclusive para a aquisição de veículos e gastos pessoais, em detrimento da manutenção das sociedades, pagamento de salários e tributos. Os autores-reconvindos, com o devido respeito, de maneira deliberada, fizeram escassear os recursos financeiros das sociedades. E o quadro que resultou disso é falimentar. Não houve preocupação com a função social do contrato ou perfil corporativo das sociedades. Diante dessa situação, em que estão sujeitos a desemprego empregados, ao desarranjo econômico franqueados e calote financeiro geral, deve-se buscar solução de acordo … Falar-se em solução diversa seria, data vênia, premiar quem agiu com torpeza ou permitir que em função da irregularidade, as partes travem ou mantenham a verdadeira queda de braço que hoje se vê…”g.n. (doc. 1.2.)

3.1. Frise-se, Eminente relator, “calote financeiro geral”, quem o diz é a própria Justiça! Não só provando que as expressões veiculadas na contestação inquinada de criminosa eram (i) imprescindíveis à discussão da causa, mas também (ii) verdadeiras, o que, de pronto, afasta a pretendida tipicidade da calúnia.

4. Bem a propósito, na ação de dissolução parcial de sociedade, a qual versa sobre as mesmas empresas e partes da ação na qual foi apresentada a contestação ora inquinada de criminosa, também afirmou expressamente o digno Magistrado:

“No contexto, a situação parece ser a seguinte: os autores2, sem, a princípio, lastro financeiro, associaram-se à constituição da sociedade, e, agora, prevalecendo-se de argumentos desconsiderados a época correta e eticamente incompreensíveis (empréstimos que sabiam que não seriam exigidos) – querem excluir o capital estrangeiro especulativo, cuja retirada está prevista para daqui alguns anos, e ficar com todo o dinheiro aportado.”!

4.1. Ora, eminente Relator, mais uma vez o Poder Judiciário ratifica as afirmações constantes da contestação tirada como caluniosas, expressamente afirmando que os ora querelantes, que não tinham lastro financeiro, após receberem aportes de capital das empresas representadas pelos advogados ora querelados, querem excluí-las e “ficar com todo dinheiro aportado”! Ora, como podem os advogados figurarem como querelados por dizerem exatamente a mesma coisa já decidida pelo próprio Poder Judiciário em uma contestação oposta em Ação Judicial movida para ver declarada a extinção da obrigação ?!


5. Na linha do que se expõe, deve-se registrar que o MM. Juiz da 17ª Vara Cível da Capital (Processo nº 583.00.2007.263473-4 (2560/2007), ao afastar os querelantes da administração da empresa Volo do Brasil, controladora da VarigLog, lançou verdadeiro libelo, asserindo seguinte:

“… Com o perdão da expressão, a situação da sociedade incorpora o que se chama de caixa de surpresas. Não se sabe quando a insanidade da empresa pode chegar ao limite. Há afirmação de desvio de recursos. Há a incontrovérsia da precariedade financeira da sociedade. E é preciso achar uma pessoa com experiência suficiente para passar a administrar a sociedade. (…) Nomeio para administrar e gerir a Volo do Brasil, inclusive quanto à controlada VarigLog, afastando os autores Luis Eduardo Gallo, Marcos Michel Haftel e Marco Antônio Audi da gestão e administração da sociedade.” (doc. 1.2. – cf. fls. – grifos nossos).

6. Desde logo se pede venia para destacar que os querelantes MARCO ANTONIO AUDI, MARCOS MICHEL HAFTEL e LUIZ EDUARDO GALLO, por meio de diversos e ilustres advogados, utilizaram-se (e ainda utilizam-se) de todos e quaisquer expedientes _____ possíveis, impossíveis e inimagináveis _____ na tentativa de permanecer à frente da VOLO DO BRASIL, e através desta controlar a empresa VARIG LOGÍSTICA S/A – VARIGLOG, que é a maior empresa de transporte de cargas da América Latina. E mais. Pretendem converter empréstimos feitos a essas empresas pela sua sócia investidora – a VOLO LOGÍSTICS LLC – no importe de USD 346.169.908,16 em recursos próprios através da extinção dos contratos de mútuo correspondentes, sem pagamento!!!

6.1. Para eles, tudo é válido, não há limites: desde requerimentos de instauração de inquéritos policiais perante a Polícia Estadual por fatos atípicos (inquéritos estes que já foram trancados por meio de concessão de ordem de habeas corpus – docs. 1.3 e – 1.4), passando por outro requerimento perante a Polícia Federal para instauração de outro inquérito policial cuja pretensão foi indeferida (vale dizer, o procedimento investigatório sequer foi instaurado – docs. 1.5 e 2), com direito à deturpação de todos estes fatos pelos meios de comunicação (doc. 1.6), culminando com a proposição da presente queixa-crime contra os advogados da VOLO LOGISTICS LLC.

6.2. Não é preciso muito atilamento intelectual para se perceber que a queixa-crime ofertada contra os pacientes _____ longe de trazer fatos com contornos penais _____ tem evidente intuito de pressionar os advogados ex-adversos nesta grande disputa societária, sem precedentes.

6.3. E se houve necessidade da utilização de palavras mais duras, contundentes, deselegantes até, é porque era imprescindível demonstrar ao magistrado cível, em Ação em que se pretendia ver extintas obrigações — constantes de contratos de empréstimos da ordem de USD 346.169.908,16 — sem pagamento (!!!), o que efetivamente se passava na administração da VARIGLOG. Vale dizer, a ocorrência de diversos desatinos e falcatruas gerenciais em prejuízo dos sócios investidores para, com isso, permitir um julgamento completo e imparcial da matéria trazida a seu conhecimento.

7. Cumpre destacar que as expressões utilizadas na Contestação ___ supostamente ofensivas às honras dos querelantes ___ nem de longe poderiam ser omitidas, uma vez que estavam e estão inseridas no contexto e na discussão da causa. Eis os fatos: (i) havia vários contratos de mútuo a serem honrados com os investidores; (ii) os recursos que deveriam ser utilizados para tais fins tiveram outra destinação, ou seja, foram desviados e foram parar em Bancos na Suíça; (iii) esta manobra foi feita para evitar o pagamento dos vários contratos de mútuos já vencidos.

7.1. Nem mesmo os outros trechos supostamente difamatórios socorrem aos interesses dos querelantes. Basta lê-los para se constatar que também estão inseridos na discussão da causa e eram imprescindíveis para o conhecimento do magistrado cível: “não mereceria prosperar porque se constitui no prenúncio de uma fraude levada a efeito para sacramentar um golpe de USD 350 MILHÕES DE DÓLARES!!!” ou “cumpridos – e cumpridos na forma em que foram pactuados, e não para servirem de instrumento de fraude, de logro ou de embuste, como querem as autoras no caso sub judice”. Ou será que pactuar um contrato e esperar que ele seja cumprido é esperar demais? É acreditar em contos da carochinha?

8. Por tudo isto, pede-se venia para lembrar o entendimento do eminente Magistrado BRENNO MARCONDES, que se encaixa à perfeição ao caso em tela:

“A Lei confere à parte ou a seu procurador o direito de ofender, na discussão da causa, o “ex-adverso”, pois, na defesa dos interesses particulares, sobreleva necessidade, imperiosa muitas vezes, e inadiável em outras, de se travar o debate com acrimônia, deselegância, tudo na tentativa de mostrar a verdade. Na defesa da causa, o advogado não pode omitir argumento algum, e não são poucas as vezes em que interesses conflitantes exigem ataques mais violentos”. (TACRIM – RT 597/321)


8.1. É exatamente isso que ocorre no presente caso. E chama-se atenção para o fato de que, logo no limiar da Contestação questionada, há a citação do voto do Presidente do colendo STJ, no qual se faz uma severa advertência: “O que se pretende evitar é que o Brasil seja visto como terra de ninguém, onde o compromisso só tem valor no momento da celebração do contrato, já idealizado para ser descumprido”.

8.2. Destas primeiras palavras lançadas no preâmbulo da Contestação, já se verifica que há uma grave e seríssima afirmação para ser levada em conta para magistrado que irá julgar a causa: Os querelantes têm tentado por todos os meios possíveis fazer do Brasil uma terra de ninguém, onde se assina um contrato que já não irá ser cumprido. Onde se toma empréstimos no valor de USD 346.169.908,16, e não se paga.

8.3. A confirmar e a reforçar esta séria advertência feita logo no preâmbulo da Contestação cível, impende observar que os querelantes _____ como já dito _____ tudo têm feito para fugir de suas responsabilidades contratuais e estatutárias, abusando do direito de petição, ao elaborar requerimentos de instauração de inquéritos policiais perante diversas autoridades policiais (no âmbito estadual e federal) POR FATOS TOTALMENTE ATÍPICOS! Quem diz isso não são os ora subscritores e tampouco os pacientes. Quem o afirma são magistrados do DIPO – Departamento de Inquéritos Policiais que determinaram o trancamento de 2 inquéritos policiais diante da atipicidade das condutas imputadas (docs. 1.3 e 1.4.).

8.4. Ou mesmo o Delegado de Polícia Federal que, diante de estapafúrdia notitia criminis por suposta SABOTAGEM ao sistema aeroviário, deixou de instaurar inquérito policial também diante da atipicidade da conduta (docs. 1.5 e 2).

8.5. Estes abusos de direito de petição não ficam por aí. Extrapolam e chegam aos meios de imprensa por meio da revista Isto É, que aponta este requerimento da Polícia Federal como sendo um fato consumado para induzir em erro o leitor menos atento de que acredita na existência de irregularidades envolvendo as partes ex-adversas. A parcialidade é tamanha que sequer se noticiou que o inquérito policial em momento algum tinha sido instaurado…

8.6. É este o modus operandi dos querelantes. Utilizar o Poder Judiciário para tentar legitimar a manutenção de sua gestão à frente da VARIGLOG e de se descarregar de obrigações legitimamente contraídas no importe de USD 350 milhões, criando uma avalanche de processos cíveis e fazendo instaurar inquéritos policiais por fatos atípicos. Tentativa frustrada, pois, como já dito, foram todos destituídos da gestão, por força de decisão judicial e reconhecido o direito da sócia investidora de cobrar os seus créditos.

8.7. O último e rematado absurdo é o presente feito, no qual tentam processar criminalmente os advogados que representam a parte ex-adversa na vã tentativa de constrangê-los no seu exercício profissional.

9. Porém, independentemente de tais fatos e agora olhando para a peça inquinada de criminosa propriamente dita, basta se proceder a uma mera leitura da inicial, sem qualquer necessidade de maior incursão no campo da análise de prova, para que se perceba, prima facie que as afirmações inquinadas de criminosas pelos querelantes estão indissociavelmente ligadas à discussão da causa. Em momento algum extrapolaram-se os limites de tal discussão, razão pela qual os fatos são absolutamente atípicos: seja porque não se vislumbra, sequer em tese, a intenção dos pacientes em atingir a honra dos querelantes, mas apenas de defender o direito de seu constituinte em Juízo com toda a amplitude assegurada por lei, seja porque as expressões foram dirigidas exclusivamente ao Juiz da causa em andamento, sob Segredo de Justiça, e não a terceiros, estranhos à discussão, hipótese em que se poderia aventar, em tese, o animus caluniandi.

10. Como bem já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal, em aresto da lavra do eminente Ministro MARCO AURÉLIO:

“CALÚNIA – ELEMENTO SUBJETIVO – PEÇAS DE PROCESSO – DESCARACTERIZAÇÃO. SE É CERTO QUE MAGISTRADOS, MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ADVOGADOS E PARTES DEVEM-SE RESPEITO MÚTUO, NÃO MENOS CORRETO E QUE O CRIME DE CALÚNIA PRESSUPÕE COMO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO O DOLO. A VEICULAÇÃO DE FATOS EM PECAS JUDICIAIS, COM O INTUITO DE LOGRAR PROVIMENTO FAVORÁVEL, ENCERRA O “ANIMUS NARRANDI” A EXCLUIR A CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE CALÚNIA. Inq 380 / DF – Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 11/11/1992 Pleno. DJ 18-12-1992

10.1. Em outra oportunidade, a Suprema Corte teve oportunidade de destacar:

“A jurisprudência dos Tribunais tem ressaltado que a necessidade de narrar ou de criticar atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos crimes contra a honra, especialmente quando a manifestação considerada ofensiva decorre do regular exercício, pelo agente, de um direito que lhe assiste (direito de petição) e de cuja prática não transparece o pravus animus, que constitui elemento essencial à positivação dos delitos de calúnia, difamação e/ou injúria”.(HC 72062 / SP – SÃO PAULO Relator Min. CELSO DE MELLO Julgamento em 14/11/1995 Primeira Turma DJ 21-11-1997 – grifos nossos).


11. Não bastasse a evidente atipicidade dos fatos em razão da claríssima ausência do animus caluniandi, existe ainda a inviolabilidade prevista no artigo 142, I, do Código Penal e na Constituição Federal (artigo 133).

11.1. Veja-se, a respeito, o entendimento do extinto Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, segundo o qual:

“Sendo evidente o nexo existente entre as afirmações tidas como ofensivas à honra alheia e o objeto da controvérsia na discussão da causa, não há crime a punir, por estar amparada a atitude do acusado na imunidade judiciária prevista no artigo 142, I, do CP”. (TACRIM-SP – HC – Rel. LAURO MALHEIROS – RT 426/375- apud: “Código Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial”, Alberto Silva Franco e outros, ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 5ª ed., 1.995, p. 1797).

11.2. Cite-se, ainda, julgado onde o crime de Calúnia é abrangido pela imunidade judiciária.:

“Penal – Habeas Corpus – pedido de apuração de violação da lei eleitoral – CRIMES CONTRA A HONRA – CALÚNIA e difamação – ausência de dolo. advogado no exercício de sua profissão – imunidade judiciária – animus defendendi – e – animus narrandi- causa excludente da tipicidade – artigo 142,I do CP.

I – O paciente, na qualidade de advogado constituído, limitou-se a peticionar requerendo ao Juízo Eleitoral providências necessárias para a apuração de suposta violação da lei eleitoral por abuso do poder econômico, com o objetivo de defender os interesses de candidato à Prefeitura, que lhe outorgou mandato judicial.

II – O animnus defendendi e o animus narrandi excluem a vontade de ofender.

III – Em relação aos excessos cometidos , incide a causa especial de exclusão do crime prevista no art. 142, I do CP e reiterada no artigo 7º, § 2º da Lei 8.906/94.

IV – A manifestação decorrente do regular exercício do direito de petição, previsto no artigo 237 da Lei 4.737/65, não caracteriza delito contra a honra.

V – O advogado, no exercício da profissão, está amparado pelo princípio da imunidade judiciária (CF, artigo 133).

VI – A IMUNIDADE JUDICIAL DO ADVOGADO ALCANÇA, NÃO SÓ OS CRIMES DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA, MAS, TAMBÉM, A CALÚNIA.

VII – Ordem concedida. – (TRF 3ª Região – HC n° 2000.03.00.031891-5 – Rel. ARICÊ AMARAL – D.J.U.18.04.01 – seção 2. – p. 4).

12. E nem se diga que a suposta calúnia, se existente, não estaria abrangida pela imunidade judiciária, pois, como se expôs, não há como dissociar as ofensas da discussão da causa. Para que não pairem dúvidas quanto ao tema, veja-se o seguinte julgado, da lavra do eminente Ministro GILSON DIPP, que discutiu causa praticamente idêntica à hipótese dos autos:

“I. (…)

II. Caracteriza-se a inviolabilidade do advogado se as expressões utilizadas efetivamente eram pertinentes à causa, tendo sido proferidas na sua discussão e relacionando-se com a defesa procedida pelo paciente.

III. Mesmo que as expressões caluniosas não sejam abrigadas pela imunidade judiciária, deve ser considerado que a apropriação indébita atribuída ao querelante teria efeito de reconvenção, encontrando-se em discussão em Juízo, razão pela qual é impróprio afirmar-se ter havido falsa imputação de crime com o intuito de ofender a honra do ofendido.

IV. Ordem concedida para trancar a ação penal”.(HC 10620/SP, QUINTA TURMA, DJ 08.03.2000 p. 136)

13. Como procedentemente ensina CEZAR ROBERTO BITENCOURT:

“O advogado, no exercício de seu mister profissional, por exemplo, é obrigado a analisar todos os ângulos da questão em litígio e lhe é, ao mesmo tempo, facultado emitir juízos de valor, nos limites da demanda, que podem encerrar, não raro, conclusões imputativas a alguém, sem que isso constitua, por si só, crime de calúnia. Faz parte de sua atividade profissional, integra o exercício pleno da ampla defesa esgrimir, negar, defender, argumentar, apresentar fatos e provas, excepcionar, e, na sua ação, falta-lhe o animus caluniandi, pois o objetivo é defender os direitos de sue constituinte e não acusar quem quer que seja” (In Manual de Direito Penal, Parte Especial, vol. 2, 2001, pág. 342).

13.1. E conclui o renomado Professor:

“a regra geral é que o advogado, no exercício da sua atividade profissional, não comete crime de calúnia quando, na análise ou defesa de sue constituinte, imputa fato como crime a alguém, por faltar-lhe o elemento subjetivo, qual seja, o propósito de ofender”

13.2. Cabe ainda lembrar que o extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, em julgado da lavra do ilustre Magistrado SAMUEL JÚNIOR, em caso análogo, entendeu que quando o advogado, no exercício da defesa de seus clientes, narra fatos tidos como ofensivos, não existe crime de calúnia:

“CRIME CONTRA A HONRA – Calúnia – Advogado que transcreve, em defesa, fatos passados por seus clientes – Fundamentação da própria impetração – Cumprimento de seu dever – Dolo Inexistente – Apelação provida para absolver o réu – Voto vencido.


Porque as expressões tidas como ofensivas foram irrogadas em Juízo e eram a fundamentação da própria impetração, a sua conduta não pode, por disposição expressa da lei, ser considerada infração penal”. (Ap. 931.083/6 – 9ª C. – j. 7.6.95 – RT 720/474).

13.3. No mesmo sentido, pode-se citar aresto da lavra do ilustre então Juiz RENATO NALINI, quando exercia sua elevada judicatura no extinto TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DE SÃO PAULO:

“CRIME CONTRA A HONRA – Calúnia – Advogados que, em pedido de restituição de documentos apreendidos fazem manifestação contra Delegado de Polícia – Denúncia formulada e recebida – Caracterização, no caso, de “animus defendendi” – Ausência de ilicitude – “Habeas corpus” concedido para trancar a ação penal.

Ementa Oficial: ”O animus defendendi pode excluir o pressuposto da ilegitimidade da ofensa, assim como o advogado ao oferecer resistência à acusação formulada contra seu constituinte. Não há crime de calúnia, por ausência de ilicitude” (HC 272.234/3 – 11ª C. – j. 10.4.95 – RT 722/459).

14. E ainda, em julgado relatado pelo culto Magistrado ABREU MACHADO, decidiu-se:

“Após a promulgação da Carta Magna de 1988, a imunidade judicial do advogado não se restringe apenas à difamação e à injúria, mas se estende também a outros crimes, inclusive a calúnia, desde que esteja relacionada com o exercício da advocacia, em defesa do direito do cliente”. (RJDTACRIM 22/446)

14.1. No mesmo sentido já decidiu o Colendo STJ (RHC n.º 7653, 6ª Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ 19.10.98, p. 158).

14.2. Veja-se também:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRÁTICA DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO CONTRA PROCURADORES DA REPÚBLICA IMPUTADA A ADVOGADOS. CONTROVÉRSIA RELACIONADA À DISCUSSÃO DA CAUSA. INEXISTÊNCIA QUER DE ANIMUS DIFAMANDI, QUER INJURIANDI.

1. O exame do caso concreto permite extrair que os pacientes, na verdade, fizeram uso de vocábulos próprios do debate forense, devendo se considerar que é na esfera criminal que exercem o seu nobre ofício, sendo que tais vocábulos, os elementos trazidos aos autos permitem extrair, foram proferidos como conseqüência de indignação dirigida contra a ação penal contra eles intentada, revelando, propriamente, um sentimento de autodefesa, e não qualquer pretensão de macular a honra dos membros do parquet federal, ao contrário do que entenderam os ilustres Procuradores da República que contra eles formularam representação, pretendendo uma reprimenda judicial por se sentirem vítimas dos crimes de calúnia e difamação.

2. “O art. 142 do Código Penal, ao dispor que não constitui injúria ou difamação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador (…) estendeu, notadamente ao Advogado, a tutela da imunidade judiciária, desde que, como ressalta a jurisprudência dos Tribunais, as imputações contumeliosas tenham relação de pertinência com o “thema decidendum”. (STF, 1ª T., HC n° 69085/RJ, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, DJU de 26.03.1993).

3. “O Direito Penal, com seu pesado instrumental, deve reservar-se para os delinqüentes, não para meros excessos verbais na discussão da causa pelas partes, que se situam na área de incidência do ‘princípio da insignificância'” (RT589/433}.

4. Ordem de habeas corpus que se concede para trancamento da ação penal n° 2001.5101527919-6, em trâmite na 5ª Vara Federal Criminal/RJ” (TRF – 4ª Região – HC n° 2001.02.01.028164-2 – rel. ROGERIO CARVALHO – D.J.U 11.03.02 – seção 2 – p. 442).

14.3. Ainda: Igualmente, a Colenda 6ª Turma do eg. STJ, já deixou assentado:

“HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DO ATO. CRIME DE CALÚNIA. ADVOGADO. DEFESA JUDICIAL. ANIMUS CALUNIANDI. AUSÊNCIA. ARTIGO 7º, § 2º DO ESTATUTO DA ADVOCACIA.

Evidenciado, de pronto, a ausência do intuito do paciente, no exercício da defesa de seu cliente em juízo, em ofender a honra do querelante, mister se faz o trancamento da ação penal, ante a falta do elemento subjetivo imprescindível para a caracterização do delito de calúnia.

“No cumprimento do seu dever de ofício, ou seja, na ação restrita à causa de seu patrocínio, o advogado tem a cobertura de imunidade profissional, em se tratando de crimes contra a honra. (Lei 8.906/94, art. 7º, § 2º)” (RHC n.º 11.474/MT).

Ordem concedida para trancar a ação penal”. (HC 20.482/RS, v.u., j. 8.4.2003, DJ 17.11.2003).

14.5. Em caso muito semelhante ao presente, a Colenda 5ª Turma do eg. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em decisão relatada pelo eminente Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, decidiu:

“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA DE PROCURADORA DA REPÚBLICA. REPRESENTAÇÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. OFENSA IRROGADA NO ÂMBITO ESPECÍFICO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL. IMUNIDADE. EXCLUSÃO DO CRIME.


Sendo a ofensa irrogada circunscrita à representação de ofício, com o fim de discutir-se punição administrativa à Procuradora da República, há de ser reconhecida a imunidade profissional, porquanto a peça dita agressiva à honra nada mais é do que o preâmbulo da manifestação atinente a fato cuja atuação do causídico proponente tem sua razão única de ser.

Guardando a promoção os limites do razoável, no sentido da pretensão correcional administrativa, não há motivo para assinalar qualquer excesso punível.

A possibilidade de ter sido indicada a ofensa fora de juízo, não retira a imunidade do profissional, porquanto a nova disposição legal, artigo 7º, § 2º, da Lei 8.906/94, regulamenta a garantia constitucional, acrescendo referir que a ofensa irrogada, não se dera em juízo, mas em sede de representação de ofício junto ao órgão do Ministério Público.

Ordem concedida para trancar a ação penal, por patente a imunidade do causídico Paciente” (HC 26.176/DF, j. 16.12.2003, DJ 29.3.2004, p. 257).

14.6. Igualmente, o Pretório Excelso, em aresto relatado por seu então Presidente, Ministro NELSON JOBIM, decidiu:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO PARCIAL DA AÇÃO PENAL. IMUNIDADE MATERIAL DO ADVOGADO. Na hipótese de as expressões tidas por ofensivas serem proferidas em representação penal, na defesa de seu cliente e no exercício de sua profissão, mesmo que em sede de procedimento administrativo, incide a imunidade material do advogado (art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/94). Está configurado o nexo causal entre o fato imputado como injurioso e a defesa exercida pelo recorrente, faltando, portanto, o elemento subjetivo do tipo. Precedente (HC 81389). Recurso em habeas corpus provido para trancar a ação penal, restando prejudicado o exame da incompetência da Justiça Militar”. (RHC 82033/AM, j. 29.10.2002, DJ 23.4.2004, p. 40)”.

15. O ponto é que, nas democracias, certas atividades, pela sua natureza, merecem uma proteção especial. Assim, historicamente, os parlamentares que têm o dever, mais que o direito, de investigar e denunciar falcatruas praticadas por agentes públicos e por poderosos. Idem, os magistrados que têm os seus predicamentos como uma garantia para a jurisdição, isto é, para neutralizar possíveis punições em decorrência de decisões que possam desagradar a “A”, “B” ou “C”. Em última análise, as garantias constitucionais outorgadas aos magistrados destinam-se à cidadania, destinatária de uma prestação jurisdicional isenta. O mesmo se dá quanto aos advogados. Suas prerrogativas representam a proteção necessária para que possam se manifestar com destemor em prol do cidadão. Não por acaso, em memorável julgamento lembrou-se que a imunidade judiciária outorgada aos advogados se assemelha à imunidade material dos parlamentares (HC n.º 81.389, rel. Min. JOBIM, DJ 30/4/04).

15.1. Imagine-se o advogado que tem conhecimento de que o juiz da causa recebeu dinheiro da outra parte. Bate às portas da Corregedoria ou vai se acovardar, com medo de ser processado por calúnia? Ora, a inviolabilidade constitucional que se outorga ao advogado existe para garantir que o profissional, sem qualquer receio, erga sua voz, ou derrame a tinta de sua caneta (agora das impressoras), clamando por justiça, pelo restabelecimento do direito. Para isso tem que ‘denunciar’ erros, desvios, apontar fatos e qualificá-los. Esse não é um simples direito do advogado. É um dever para com o cidadão que representa!

16. Enfim, por qualquer ângulo que se queira examinar o presente habeas corpus, verifica-se que os excertos tomados pelos querelantes como ofensivos eram essenciais à discussão da causa e, na linha do que os pacientes expuseram, o MM. Juiz da 17ª Vara Cível acolheu, na essência, os seus argumentos. É o quanto basta para se dizer que a falta de justa causa macula a presente ação penal privada, tornando-a um odioso projeto natimorto em que os querelantes manipulam o Judiciário para atacar os advogados, aqui pacientes, que tão competentemente, desnudaram suas falcatruas.

17. Contando com os doutos suprimentos de Vossas Excelências, os pacientes aguardam a concessão da ordem como medida da melhor

J U S T I Ç A!

ALBERTO ZACHARIAS TORON

OAB/SP nº 65.371

EDSON JUNJI TORIHARA

OAB/SP Nº 119.762

RENATO MARQUES MARTINS

OAB/SP Nº 145.976

NOTAS DE RODAPÉ

1. Leia-se: os querelantes MARCO ANTÔNIO AUDI, LUIZ EDUARDO GALLO e MARCOS MICHEL HAFTEL

2. Leia-se: os querelantes MARCO ANTÔNIO AUDI, LUIZ EDUARDO GALLO e MARCOS MICHEL HAFTEL.

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