Declarações distantes

Fazenda ignora compensação constitucional com uso de precatório

Autor

  • Marcio Basso

    é advogado tributarista com MBA em Direito Tributário pela FGV e membro da Fundação Escola Superior de Direito Tributário.

20 de julho de 2008, 0h00

A compensação constitucional com uso de precatórios é tratada pelas Fazendas Públicas com declarações distantes da realidade e por isso merece que seja retirado o véu das mesmas com o fito de demonstrar a ratio essendi do instituto.

A compensação que os contribuintes estão buscando através da utilização de precatórios para o pagamento dos débitos tributários é uma alternativa criada pelo poder constituinte reformador ou derivado em face ao descabido atraso, verdadeiro ‘calote’ protagonizado pelas Fazendas Estaduais com seus credores.

Nesse sentido a Fazenda Estadual, por óbvio, se mostra contrária ao instituto, pois ele só existe em razão da total inadimplência do pagamento dos precatórios.

No entanto, como operadores do direito e defensores das garantias constitucionais dos contribuintes, não podemos aceitar que a posição da Fazenda Pública vá de encontro ao assentado em sede constitucional, sendo que o procedimento encontra guarida tranqüila no Supremo Tribunal Federal, que inclusive julgou monocraticamente (pressupondo entendimento pacificado) um caso do Rio Grande do Sul.

O direito à compensação possui sua matriz constitucional no artigo 78 ADCT resultante da EC 30 de 2000, que outorgou o poder liberatório de pagamento de tributos aos precatórios vencidos, visando nitidamente coibir o abuso representado por uma inadimplência das Fazendas Públicas, que no caso do Estado do Rio Grande do Sul, ultrapassa 10 anos!

Outrossim, de forma alguma o exercício do direito constitucional poderia ficar a cargo de uma legislação estadual do próprio devedor que foi alvo da previsão constitucional. Basta buscar a razão de criação do direito elevado a condição de integrar a Carta Magna, a função teleológica buscada pelo legislador constituinte, para com clarividência absoluta denotar que trata-se de norma auto-aplicável, verdadeira garantia constitucional destinada aos credores do Estado e por via direta aos contribuintes.

Não pode ser outra a interpretação que se deve dar ao espírito do poder constituinte reformador, que foi possibilitar ao credor uma alternativa frente à inadimplência dos Estados devedores.

A posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal não foi outra que interpretar e manter a função constitucional da emenda constitucional em comento, que visa impor um maior comprometimento do ente devedor com seus credores, criando, todavia, alternativas para os mesmos amenizarem os efeitos da inadimplência estatal!

Em decisão monocrática, o ministro Eros Grau entendeu que ‘”a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei [artigo 78, caput e § 2º, do ADCT à CB/88].”

Sem dúvida, o direito à compensação de débitos com precatórios, pelo contribuinte que está na condição de credor do Estado, possui sua matriz na Constituição Federal, que impõe moralidade da administração pública, isonomia, respeito à dignidade humana, propriedade e cidadania como preceitos de ordem fundamental a serem respeitados em todas as aplicações decorrentes.

Nesse sentido, não parece justo nem razoável deixar o exercício de um direito a cargo do inadimplente da obrigação, eis que a inércia legislativa do Estado devedor não pode escudar sua própria torpeza ao não realizar os pagamentos que são devidos.

O direito aqui debatido e hostilizado pelas Fazendas Públicas, contrariamente do que as mesmas defendem, não nasce da omissa regulamentação Estatal, que serviria apenas para regular e não criar algo que já existe e nasce da Constituição Federal, sendo dever do Poder Judiciário, quando provocado por demandas que visam o exercício do direito em tela, impor ao Poder Executivo condenação (gerando mais um precatório) que vise efetivar o direito do contribuinte, credor do Estado, e indique o dever da regulamentação do mesmo, em face às garantias constitucionais cogentes e inerentes ao caso em testilha.

Aceitar o posicionamento do Estado devedor seria o mesmo que tornar uma norma constitucional, claramente destinada aos entes públicos devedores dos precatórios, despida de qualquer eficácia no plano prático.

Ressalta-se que a Constituição Federal em seu artigo 100 define a forma como se dará o pagamento dos precatórios, estabelecendo uma ordem cronológica para tanto, inviabilizando qualquer privilégio para os créditos, salvo os de origem alimentar que respeitaram uma ordem cronológica paralela excetuando ambas regulações dos débitos de menor valor, que serão pagos através de requisição de pequeno valor (RPV), sendo limitadas de acordo com a capacidade de cada ente público.

Dessa forma não há que se falar em quebra de ordem cronológica, pois a Constituição Federal excepcionou os créditos que habilitariam o poder liberatório de tributos devidos e outorgou esse status somente àqueles que restassem vencidos e não pagos pelo ente público devedor, sendo descabida a intenção do mesmo em se prevalecer de sua própria torpeza, ao pretender inviabilizar a pretensão que se originou de seu inadimplemento.

E isso porque o pagamento por precatório, só existe porque os bens públicos são impenhoráveis. A ordem cronológica trata-se, portanto, de garantia destinada ao credor da Fazenda de ver satisfeito o seu crédito, observando-se rigorosamente a ordem de inscrição. Não é, por evidente, garantia à Fazenda de postergar o pagamento de suas dívidas.

Vejamos que a viga da determinação constitucional da observância da ordem cronológica reside no Princípio da Isonomia, que garante que todos contribuintes na mesma situação receberão o mesmo tratamento.

Ora, o direito previsto no artigo 78 ADCT está direcionado a todos contribuintes que possuam crédito vencido e não pago pelo Estado, sendo a todos – de forma isonômica — conferido o poder liberatório de seus créditos de tributos devidos pelo Estado inadimplente, não havendo qualquer ‘quebra’ da ordem estabelecida na constituição.

De outra banda, sendo a compensação um direito de quem, simultaneamente, está na condição de credor e devedor, não é razoável dele exigir que aguarde ainda mais se o precatório já está vencido, sendo a admissão da compensação visivelmente inatacada quanto à sua possibilidade diante desse tema.

Entende-se a resistência do Ente Público Estatal em admitir o instituto em comento em prol do contribuinte, pois a realidade da inadimplência dos precatórios, gerada por contínuas falhas de gestão, é desumana e trata-se de manifesto ‘calote’, pois os credores do Estado não possuem a mínima, perspectiva – veja bem: Perspectiva! – de virem a receber o valor que lhes é devido.

Nesse sentido, tolher o direito constitucionalmente assegurado como forma de manter a dignidade da pessoa humana, que na cessão do crédito auferira o valor da cessão sem se submeter a uma espera que poderá não trazer retorno em vida, é o mesmo que declarar e autorizar o calote do Estado que no tocante ao seu modo de agir, enaltecerá a máxima: Devo sim, pago quando puder!

Temos que o tema mereça ser visto e trabalhado com “olhos de enxergar” e considerando-se toda problemática que envolve a questão onde, por certo, a dignidade da pessoa humana e todos demais princípios constitucionais acima mencionados merecem prevalecer juntamente com as garantias dos contribuintes e dos credores de precatórios ante a reiterada alegação de falta de caixa para pagamento dos mesmos.

Nesse sentido, cabe aos operadores do Direito e defensores dos contribuintes, buscarem exercer os Direitos Constitucionais dos mesmos e buscar a pacificação da Jurisprudência dos tribunais locais, a exemplo do posicionamento do STF.

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