De Sanctis

Há estímulos para que o juiz dê decisão sem qualidade

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20 de julho de 2008, 13h33

A impunidade para os crimes de colarinho branco deve crescer e o futuro é uma Justiça de faz de conta. A afirmação é do juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Ele foi o responsável pela prisão do banqueiro Daniel Dantas, do ex-prefeito da capital paulista Celso Pitta e do investidor Naji Nahas.

De Sanctis foi também protagonista do mal-estar com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. De Sanctis mandou prender o banqueiro Daniel Dantas por duas vezes e o ministro Gilmar Mendes mandou soltá-lo nas duas. Para Gilmar Mendes, De Sanctis desrespeitou decisão do Supremo ao mandar prender de novo Dantas. Após o episódio, associações de juízes, procuradores e advogados se dividiram entre defender Gilmar Mendes e De Sanctis.

Durante entrevista à jornalista Soraya Aggege, publicada pelo jornal O Globo neste domingo (20/7), De Sanctis critica as recentes mudanças do Código de Processo Penal que, para ele, abrandaram a pena para os crimes de colarinho branco e estão inviabilizando processos na primeira instância.

Para De Sanctis, as mudanças estimulam o juiz de primeira instância a dar qualquer tipo de decisão, mesmo que sem qualidade. “Ora, a decisão que tomei neste caso (Satiagraha), que foi de muito fôlego, para a Justiça estatisticamente não produziu nada. Para os efeitos estatísticos do tribunal, do STJ e STF, o que vale é quantas sentenças o juiz deu”, reclamou o juiz.

Na entrevista, ele afirma que a PF tem meios para acabar com o crime organizado e discorre também sobre Justiça para ricos e Justiça para pobres.

Leia a entrevista publicada por O Globo

Os crimes de lavagem de dinheiro e de colarinho branco estão crescendo no país ou o que tem aumentado são as investigações?

Fausto De Sanctis — O que acontece é que a criminalidade se sofisticou e tem se servido de tecnologias sofisticadas para que sua apuração seja inviável. Não podemos dizer que os crimes aumentaram, mas tomaram uma proporção tal que quase todos os países estão preocupados, reunindo-se constantemente, porque estão vendo que, com a globalização e o fluxo rápido de informações, os criminosos conversam velozmente e se unem para a perpetuação da ilicitude. É uma preocupação mundial.

A lei brasileira dá mais possibilidades aos colarinhos?

De Sanctis — A Lei do Colarinho Branco não é ruim. Mas é de 1986 e se tornou branda agora, quando houve uma mudança do Código de Processo Penal. Ela permite substituição de pena. Muitos dispositivos dela permitirão, por exemplo, a substituição de uma pena privativa de liberdade. Não que eu esteja defendendo que os réus têm que ir para a cadeia. Mas há fatos muito graves já detectados que justificam a retirada da pessoa do convívio social.

Na prática se torna um crime afiançável?

De Sanctis — Na prática, estão sendo alteradas coisas no Código de Processo Penal que estão inviabilizando qualquer processamento na primeira instância. E estão sendo alteradas as investigações da Polícia Federal. Querem alterar as interceptações. E esses mecanismos, somados a outras técnicas especiais de investigações, às quais o Brasil aderiu por força de convenções internacionais dos países civilizados, são importantes. Mas está se concretizando a mudança exatamente daquilo que está funcionando no país, sob o pretexto de aumentar a velocidade da Justiça. O que está se fazendo é acabar com aquilo que funciona no combate ao crime.

É possível comparar essa criminalidade nos países?

De Sanctis — Não. O Brasil na verdade é um país em que há muitas pessoas dispostas a servirem de instrumento para figurar como laranjas de empresas, de documentos falsos e assim por diante. E também há o fato de a nossa legislação ter limitações. Por exemplo: uma pena máxima de 30 anos. Isso faz com que muitos traficantes venham para cá. Eles sabem que, em caso de extradição, têm pena garantida máxima de 30 anos, bem reduzíveis.

E com relação aos métodos brasileiros de combate? A PF, o MPF e a Justiça brasileira estão realmente preparadas para combater esse crime?

De Sanctis — A PF tem meios, tem feito cursos em países estrangeiros, ela troca experiências entre polícias. Já o juiz federal que está nessa área é constantemente instado a não participar de curso algum. Porque há um entendimento da Corregedoria do Tribunal de que não cabe ao juiz sair da Vara. Eu, por exemplo, fiz uma única saída ano passado, a convite do governo dos EUA. Passei duas semanas fora, em dias seguidos de trabalho, de manhã à noite, sem lazer. O que aconteceu? Fui acusado como um juiz que falta. Não deram uma ponderação para a minha especialização. Eu nunca faltei aqui, mesmo doente. E estou lá entre o quarto ou quinto mais ausente. Compararam o trabalho desta vara com uma comum, não especializada em crimes financeiros. Ora, a decisão que tomei neste caso (Satiagraha), que foi de muito fôlego, para a Justiça estatisticamente não produziu nada. Para os efeitos estatísticos do Tribunal, do STJ e STF, o que vale é quantas sentenças o juiz deu.

Então não há estímulo para que um juiz se aprofunde em um caso desses?

De Sanctis — Nenhum. Parece, sim, um estímulo para que o juiz comece a dar qualquer tipo de decisão, sem qualidade. Isso é um risco enorme à sociedade.

A Justiça dos ricos é diferente da Justiça dos pobres?

De Sanctis — Há estudos sobre isso. A Justiça do colarinho faz distinções? A conclusão final era que sim. Quando o juiz se depara com um “criminoso branco”, ele se encontra com uma pessoa que freqüentou o mesmo colégio que ele, partiu do mesmo meio social. A conclusão é que isso pode ser um dos motivos que leva o juiz a olhar o criminoso de colarinho com certa condescendência, ao passo que o criminoso que veio da classe inferior é a pessoa diferente. Concluem também que o crime não tem fundamento na pobreza e na miséria. Pelo contrário: o problema desse crime está no excesso. E o crime realmente é elevado por conta do excesso das pessoas, não das carências. Quanto mais têm, mais querem. O crime em geral se dá pelo excesso, porque as pessoas que têm menos têm tido postura mais digna que as que têm mais.

Qual é o futuro que o senhor vislumbra para as investigações e as decisões para esses crimes no Brasil?

De Sanctis — O futuro é a concretização, de vez, de uma Justiça de faz-de-conta.

Quantos colarinhos brancos o senhor viu serem condenados no Brasil?

De Sanctis — As condenações, quase todas, não chegaram até hoje a transitar em julgado. Nos últimos (quatro) anos, só vi três execuções. Mas duas delas foram agraciadas por habeas corpus. Transitou em julgado e mesmo assim parou. Mas não importa a prisão. Importa que haja punição e que ela seja concretizada. Porque esse sentimento de impunidade que chega à população no Brasil não é um factóide. É absolutamente real. É o meu sentimento como juiz.

Nos EUA, qualquer colarinho é algemado?

De Sanctis — O que há nos países desenvolvidos é que a Justiça tem sido firme e procurado tratar igual a todos. Julgam-se os fatos e não como aqui: faz-se do Direito Penal o direito de determinado acusado.

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