Liberdade para decidir

De Sanctis diz que faria tudo de novo, se fosse necessário

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14 de julho de 2008, 20h43

O juiz federal Fausto Martin De Sanctis parece abatido, com olheiras. As unhas da mão direita estão bem curtas, de tanto roer. Mesmo assim ele afirma que está tranqüilo “desde sempre” e, se fosse necessário, tomaria novamente a decisão de mandar prender Daniel Dantas, Naji Nahas, Celso Pitta e os outros 21 acusados de cometer crimes financeiros. “Tive um trabalho insano para preparar uma decisão de 170 páginas. Foram 20 horas de trabalho por dia”, diz o juiz. E lamenta que, por “uma abstração de direitos individuais”, a liminar tenha sido cassada pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal.

As declarações foram feitas, nesta segunda-feira (14/7), a jornalistas que acompanharam o Manifesto dos Magistrados em Defesa da Independência Funcional dos Membros do Judiciário, que na verdade serviu como um ato de desagravo ao juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo. O ato aconteceu em um pequeno auditório no 17º andar do Fórum Criminal da Justiça Federal em São Paulo. Foram poucos os juízes e procuradores que compareceram.

A manifestação se deu depois da “minissérie” em que o banqueiro Daniel Dantas se tornou mero coadjuvante. De Sanctis e Gilmar Mendes, protagonistas. Na terça-feira (8/7), por medida liminar assinada pelo juiz, Dantas foi preso. No dia seguinte, o presidente do Supremo determina que os advogados do banqueiro tenham acesso aos autos e garante a sua liberdade, ao deferir liminar em pedido de Habeas Corpus. No mesmo dia, De Sanctis expede novo decreto de prisão preventiva. Na sexta-feira, Gilmar Mendes concede nova liminar em Habeas Corpus e a liberdade de Dantas, por falta de fundamento do decreto de prisão.

Depois do desentendimento judicial, o presidente do Supremo determinou o envio da decisão à Corregedoria Nacional de Justiça e ao Conselho de Justiça Federal. Esse fato irritou a magistratura federal da 3ª Região e procuradores da República. A classe entendeu que medida fere a independência que os juízes devem ter para decidir.

“Não podemos concordar com o ataque desferido contra a independência funcional que representa a abertura de procedimento investigatório a partir do próprio conteúdo de uma decisão judicial. Corregedoria, Conselho da Justiça Federal e Conselho Nacional de Justiça existem para apurar desvio de conduta de magistrado, não para investigar o que o juiz decide ou deixa de decidir. Sua liberdade decisória está no centro do sistema democrático”, diz o manifesto assinado por mais de 400 juízes federais de todo país e lido durante a cerimônia que aconteceu nesta segunda-feira (14/7).

Fausto Martin De Sanctis sentindo-se ofendido com a posição de Gilmar Mendes, disse que fez o melhor possível e declarou que custa “a acreditar que seja necessário fazer uma manifestação para defender o direito de o juiz poder decidir da forma que ele melhor entender”. Durante o ato em sua defesa, o juiz afirmou que como ser humano “é passível de erros diante do dedicado e delicado exercício intelectual e físico na busca da melhor solução” e quis deixar claro que, em nenhum momento, pretendeu desacatar qualquer autoridade.

Questionado sobre o apoio que Gilmar Mendes recebeu, em manifesto assinado por cerca de 150 advogados e entregue pelo criminalista Arnaldo Malheiros Filho durante visita que o ministro fez à redação da revista eletrônica Consultor Jurídico, aconselhou a imprensa a fazer um filtro das informações que recebe. “Muitos advogados manifestantes defendem réus neste processo.”

Para o juiz, o ato desta segunda-feira representa a “gota d’água”. “Os juízes estão cada vez mais acuados e desprestigiados.”

Leia a manifestação do juiz Fausto Martin De Sanctis

MANIFESTAÇÃO NO ATO DE DESAGRAVO DE 14.07.2008

FAUSTO MARTIN DE SANCTIS

JUIZ FEDERAL

Necessito externar meu profundo agradecimento a todos que neste momento delicado solidarizaram-se comigo.

Ao longo de minha carreira na magistratura federal, desde 17.10.1991, deparei-me sempre com situações que demandaram reflexões reiteradas. Na verdade, em se tratando de crimes financeiros, pode-se mesmo falar em casos artesanais, que demandam horas, dias e muito estudo.

Antes do papel do juiz, há o ser humano, que, como tal, é passível de erros diante do dedicado e delicado exercício intelectual e físico na busca da melhor solução e da verdade, tomando as cautelas para desembaraçar-me de quaisquer influências sem pretender desacatar qualquer autoridade deste país.

Em todas as situações, sempre tive a necessidade de me valer dos meus princípios, da minha crença e dos valores consagrados pela nossa sociedade, os quais se encontram insertos na Constituição e nas leis infraconstitucionais.

Os brasileiros podem se certificar que este magistrado, aliás, como a imensa maioria da magistratura, toma suas decisões, independentemente da origem, cor, sexo, idade, religião e condição social, com igual presteza, aplicando o direito penal do fato, jamais do autor.

Tenham certeza que continuarei perseguindo minha atividade jurisdicional porquanto abracei a carreira pública por convicção, sendo certo que minha ambição se restringe aos limites dos meus vencimentos líquidos. Nada mais espero.

O apoio dos colegas, do Ministério Público (Federal e Estadual), da Polícia Federal, de várias associações de classe, de advogados e juristas, da sociedade civil e da imprensa, na verdade, busca defender a independência e a livre convicção do exercício de toda a magistratura, preservando-se, em última análise, uma sociedade livre e soberana.

Leia o Manifesto dos Magistrados e, em seguida, as palavras de Fausto Martin De Sanctis

MANIFESTO DOS MAGISTRADOS EM DEFESA DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DOS MEMBROS DO PODER

Este é um ato de apoio, um ato de leitura de um manifesto que brotou espontaneamente na magistratura da terceira região. Exatamente por isto, embora se agradeça sumamente as presenças de todos neste dia, pedimos compreensão para a limitação dos objetivos que ora se propõem, e a palavra será circunscrita a este Juiz Federal, que ora vos fala.

Nós, juízes federais da terceira região, vimos neste ato nos solidarizar com o colega Fausto De Sanctis. Deve ficar bem claro que não estamos discutindo o mérito de nenhuma decisão judicial, mas sim a determinação do Ministro Presidente do STF de encaminhar cópias para órgãos correicionais ao final de decisão em Habeas Corpus.

Não podemos concordar com o ataque desferido contra a independência funcional que representa a abertura de procedimento investigatório a partir do próprio conteúdo de uma decisão judicial. Corregedoria, Conselho da Justiça Federal e Conselho Nacional de Justiça existem para apurar desvio de conduta de magistrado, não para investigar o que o juiz decide ou deixa de decidir. Sua liberdade decisória está no centro do sistema democrático.

O colega Fausto De Sanctis é magistrado honrado e respeitado na carreira, e decidiu de acordo com sua convicção. Não pode ser punido por isto de forma alguma. Devemos fazer constar também que, embora o Ministro Gilmar Mendes já tenha comunicado formalmente que não ordenou a extração de cópias para a instauração de procedimento investigativo, sua determinação continua nos autos, e nem mesmo o Ministro pode exercer controle sobre as determinações que os órgãos destinatários dos ofícios podem realizar a partir das cópias enviadas.

Enfim, este momento de inconformismo deve ser registrado. Não podemos aceitar passivamente que um juiz seja punido por suas convicções, com o desrespeito ao sistema judicial. Estamos atentos aos desdobramentos destes fatos, e não deixaremos nosso colega Fausto sozinho. Hoje, ele não é só o juiz Fausto, hoje ele é a Magistratura.

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