Suspeitas a granel

Desembargadora pede inquérito contra Operação Satiagraha

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13 de julho de 2008, 19h36

A desembargadora federal Maria Cecília Pereira de Mello, relatora do Caso Kroll no TRF da 3ª Região, que cuida da discussão sobre a divulgação dos dados colhidos nos computadores do Banco Opportunity, tomou um susto neste final de semana. Ela foi procurada pela imprensa para opinar sobre referências a conversas suas com o advogado de Daniel Dantas, Nélio Machado.

Ela recebeu trecho de relatório da PF, sobre a Operação Satiagraha, em que não fica claro se as conversas narradas são entre Nélio Machado com um investigado (Humberto Braz) ou se foi com ela. O texto é confuso. Mas alarmou a desembargadora. “Não vejo problema algum em ser gravada. Todos estamos sujeitos. Mas sem autorização judicial, não.”

Não houve qualquer autorização para interceptação dos telefones da desembargadora nem do advogado. Quem informou o resultado do grampo à imprensa foi a própria Polícia Federal. A descrição dos diálogos foi enviada a Maria Cecília por e-mail. Nesta segunda-feira (14/7), ela pede ao Ministério Público a abertura de investigação sobre o fato. Deve notificar também o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, onde o assunto já chegou.

A nova informação faz par com a notícia de que o STF, mais especificamente o gabinete do presidente Gilmar Mendes, também foi monitorado. A desembargadora Suzana Camargo, procurada pelo ministro, informou-o de que circulavam detalhes de bisbilhotagem no gabinete dele. Não teria feito considerações a respeito da concordância ou conhecimento do juiz Fausto De Sanctis com a ação criminosa. Gilmar Mendes teve outras fontes com outras informações que acabaram sendo atribuídas a Suzana. Antes mesmo de falar com a ela, o ministro já fora informado, por exemplo, que o monitoramento tinha sido feito a mando de Paulo Lacerda, chefe da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência — órgão diretamente vinculado à Presidência da República. O motivo da intervenção na seara da PF ninguém explicou.

O teor do diálogo captado sem autorização lança uma luz negra sobre essa complicada discussão. A desembargadora tratava de uma dúvida do advogado. Ele queria saber como é que os discos rígidos do Opportunity que o TRF e o STF haviam embargado estavam sendo examinados pela PF, como informara a jornalista Andréa Michael, da Folha de S.Paulo, em abril — reportagem que não agradou o delegado Protógenes.

A desembargadora ficou sem resposta. Só depois é que se soube que o disco rígido fora copiado. Maria Cecília não sabia que houvera empréstimo da prova nem que a mesma fora multiplicada. Fica como mais uma questão a se desvendar, entre tantas outras. E, como pontificou a revista Veja desta semana, mais um possível fator de nulidade caso o entusiasmo tenha prevalecido sobre o ordenamento jurídico.

Leia nota da desembargadora

NOTA DA DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO (SP E MS), SOBRE INQUÉRITO DA POLÍCIA FEDERAL EM QUE SEU NOME É CITADO POR NÉLIO MACHADO, UM DOS ADVOGADOS DE DANIEL DANTAS, EM DIÁLOGO MANTIDO COM HUMBERTO BRAZ, ACUSADO DE OFERECER PROPINA PARA UM DELEGADO DA PF, SEGUNDO NOTÍCIA PUBLICADA PELO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO

A TÍTULO DE ESCLARECIMENTO

O Sr. Daniel Dantas, dentre outros, foi investigado e é réu em ação penal que lhe move a Justiça Pública, no conhecido caso KROLL/TELECOM ITÁLIA.

Quando da Operação Kroll, foi apreendido o HD (disco rígido) do Banco Opportunity, pessoa jurídica que não era objeto de investigação na referida operação.

Considerando que o banco não poderia continuar com suas atividades sem as informações que constavam do HD de seu computador, esse disco rígido foi copiado pela Polícia Federal e passou a integrar o procedimento como uma de suas provas.

Os advogados do Sr. Daniel Dantas recorreram da medida de busca e apreensão, em síntese, porque entendiam ilegal a própria medida de busca

e apreensão como um todo, porque entendiam ilegal a apreensão do HD e também porque entendiam, em última análise, ilegal a abertura desse HD, considerando a existência de informações de terceiros, clientes do banco, resguardadas por sigilo constitucional.

Ingressaram, assim, com recurso de apelação contra a medida de busca e apreensão, que foi a mim distribuído, por prevenção, em razão de livre distribuição anterior de HC.

Considerando que o recurso de apelação interposto não teria o condão de suspender a abertura do HD até que fosse julgado, e tendo em conta a provável demora desse julgamento, os advogados impetraram Mandado de Segurança, que foi distribuído ao Desembargador Nelton dos Santos. No mandado de segurança a liminar foi parcialmente concedida para suspender a abertura do HD até o julgamento da apelação, que tratava da matéria de forma ampla, pela Turma.

A apelação foi julgada, a busca e apreensão foi considerada regular e a abertura do HD foi autorizada, porém com ressalvas quanto ao sigilo de dados de terceiros, com instruções específicas para a realização da perícia, que deveria ser efetivada pelo próprio juiz da causa, de maneira a evitar-se o vazamento de informações sigilosas.

Na mesma decisão, a Turma determinou, de ofício, que o Magistrado de primeiro grau de jurisdição diligenciasse junto ao Poder Judiciário italiano com vistas a obter cópias de depoimentos lá prestados e de interesse para o caso.

Houve interposição de recursos de embargos de declaração. O primeiro deles de um terceiro que se considerava interessado, um cliente do banco. O segundo deles do Ministério Público Federal, visando: declaração de voto do Desembargador Nelton dos Santos, que não aplicava qualquer restrição para a abertura do HD do banco; e apontar como descabidas as determinações dirigidas ao Poder Judiciário da Itália.

Antes que os embargos de declaração do Ministério Público fossem julgados, e portanto o julgamento não havia terminado, estando a abertura do HD vedada pela liminar concedida nos autos do Mandado de Segurança, o Dr. Nélio Machado ingressou com pedido de Habeas Corpus em decorrência de uma notícia veiculada no jornal.

A notícia apontava a existência de um procedimento investigatório sigiloso contra o Sr. Daniel Dantas, lastreado na abertura do disco rígido do Banco Opportunity. Sigiloso, porém já de conhecimento da imprensa.

Argumentando o descumprimento de ordem judicial e o direito de acesso à referida investigação, inclusive temendo qualquer determinação de prisão do seu cliente, o Dr. Nélio Machado requereu salvo conduto e o direito de tomar conhecimento dessas investigações.

Tentou agendar uma reunião com esta Desembargadora para a mesma data da impetração do HC ou logo para o dia seguinte.

Considerando os outros inúmeros casos que eu estava tratando, e tendo em conta que não se tratava de réu preso, agendei a reunião para a segunda-feira seguinte, no horário que fosse da conveniência do advogado, considerando que viria do Rio de Janeiro. Disse que o caso era gravíssimo e que já havia tomado as providências cabíveis, ou seja, solicitado informações às Varas Federais Criminais.

De um modo geral, os advogados temem que os juízes não leiam atentamente os seus pedidos ou não lhes dêem a devida importância.

Quando do retorno de uma dessas informações, me dei conta que não havia evidências com o caso Kroll/Telecom Italia e que poderia não estar preventa preventa para julgá-lo e não ser a relatora do caso.

Considerando que a prevenção pode ser verificada a qualquer tempo, revi a minha decisão, tornei sem efeito os pedidos de informações e determinei a distribuição livre do feito.

Todas essas considerações constam dos autos do HC, inclusive com a referência de que os fatos eram “gravíssimos”.

O HC foi, então, distribuído à Desembargadora Ramza Tartuce e encontra-se em andamento.

Não satisfeito com a minha decisão, o Dr. Nélio Machado impetrou novos Habeas Corpus junto aos Tribunais Superiores, inclusive o que culminou com a soltura do Sr. Daniel Dantas. Estranhamente, esses HCs foram interpostos contra ato meu, que teria dado início à solicitação de informações e, posteriormente, alterado entendimento em razão da ponderação dos Magistrados de primeiro grau.

Entretanto, o ato que deveria ter sido atacado é aquele que efetivamente indeferiu a liminar pleiteada no HC, pela relatora natural do caso, Desembargadora Ramza Tartuce.

Informo que conheço sim a Dra. Ilana, bem como o Dr. Nélio Machado, outros advogados do mesmo escritório, bem como inúmeros advogados, renomados ou não, criminalistas, advogados públicos e defensores dativos. Conheço também vários Procuradores, Promotores e servidores.

Falei diversas vezes pessoalmente com os Drs. Nelio Machado e Ilana sobre o caso e algumas por telefone, da mesma forma como mantenho contato com todos os advogados que atuam em processos que estão no meu gabinete e que assim solicitam.

A referência feita pelo Dr. Nélio Machado ao Delegado não é do meu conhecimento. Sequer sabia se existia investigação sigilosa, onde tramitava e quem comandava.

Finalmente, acredito nas instituições, na integridade e moralidade de seus membros. Excessos, equívocos e erros todos cometem.

A competência da Polícia Federal é investigar.

Cecilia Mello

Desembargadora Federal

Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Texto alterado às 8h40 de 14/7 para atualização e correção de informações

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