Voz do povo

Judiciário não pode ser emparedado por contrariar clamor público

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  • Alberto Zacharias Toron

    é advogado defensor de Aldemir Bendine doutor em direito pela USP professor de processo penal da Faap e autor do livro "Habeas Corpus e o Controle do Devido Processo Legal" (Revista dos Tribunais)

13 de julho de 2008, 11h12

Logo após a concessão da primeira liminar no caso da Operação Navalha, ainda no ano passado, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal foi alvo de um covarde e sórdido ataque: um vazamento dava-o como envolvido no caso. Custa a acreditar que até agora, como denunciou o ministro, não se tenha feito nada para apurar a responsabilidade pelo ocorrido.

Na linha do absurdo, o titular da pasta da Justiça, Tarso Genro, afirmou que “os advogados” eram responsáveis pelo vazamento. Sim, descontentes com a concessão da medida pleiteada, puseram-se a detratar seu prolator…

O ministro Gilmar Mendes, com a autoridade que o cargo de presidente do STF lhe confere, veio a público à época e disse que a exibição de pessoas algemadas como troféus em uma ação simbolicamente punitiva contra meros suspeitos; que os vazamentos de material incriminatório cobertos pelo sigilo, mas que legitimam as operações da Polícia Federal; que o escracho público e as prisões temporárias decretadas a granel para o fim de ouvir o suspeito; que tudo isso representa um desrespeito ao Estado de Direito, cuja nota característica é exatamente a observância dos direitos e das garantias fundamentais. Indo além, disse que o procedimento da Polícia Federal é coisa de gângster.

No recente caso da prisão de Daniel Dantas, Celso Pitta e, entre muitos outros, Naji Nahas, repetiram-se as fórmulas de escracho. Um dos detidos foi filmado de pijamas, e as prisões temporárias foram decretadas apenas para que os sujeitos fossem ouvidos. Não havia, como manda a lei, nenhuma imprescindibilidade na prisão para as investigações. A despeito da censura da Suprema Corte, a imposição de prisões temporárias tem sido uma constante nas operações da Polícia Federal.

Mas, agora, como revelou a Folha na última sexta-feira, o próprio STF foi monitorado pela PF. O juiz nega que tenha determinado a investigação contra quem tenha foro por prerrogativa de função. Isso, obviamente, não exclui os funcionários do gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal e os advogados, que não têm o foro privilegiado.

A Polícia Federal, por meio de seu diretor, nega o fato. Mas teria a desembargadora federal mentido ao informar a ocorrência? E o vídeo em mãos da PF? É gravíssima a notícia de que o gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal foi monitorado pela Polícia Federal em razão de uma ordem expedida por um juiz federal.

Não são apenas valores ligados à hierarquia jurisdicional que se rompem, mas fica vulnerada a própria independência da mais alta magistratura nacional. E tudo porque o ministro, a despeito do juízo que se faça sobre o acerto ou não de sua decisão, de forma independente e corajosa, determinou a soltura de alguém que calha ser banqueiro e execrado pela opinião pública.

O emparedamento do Poder Judiciário por causa de decisões que possam desagradar à opinião pública nos coloca na inaceitável condição de reféns de algo que se presta a aniquilar a própria razão de ser do Judiciário numa sociedade democrática. Se o juiz, seja ele de que grau for, tiver que decidir atendendo ao clamor público, teremos não a aplicação do direito com seus princípios, mas um linchamento.

Para os que imaginam ser esse um modo democrático de realização da Justiça, isso, não custa lembrar, realiza o ideal nazista, segundo o qual “direito é aquilo que é útil aos interesses do povo” (Gilmar Mendes, Folha, 24 de outubro de 1993). Não por acaso se tem insistido que o combate à criminalidade deve ser feito dentro dos marcos da legislação e com a rigorosa observância do devido processo legal. Do contrário, campeará o autoritarismo de quem se julga intérprete dos “interesses do povo”.

Também merece profundo desprezo a justificativa dada para a insólita bisbilhotice: ver e ouvir as conversas dos advogados com os assessores do ministro. Querem criminalizar o que há de mais corriqueiro no trabalho do advogado, isto é, a visita a gabinetes de juízes para a entrega de memoriais e/ou exposição de razões.

O patrulhamento da atividade do advogado remete-nos à ditadura, qualificando-se todo o episódio como uma inadmissível prática própria de Estados de Polícia. Enfim, um grave atentado ao Estado de Direito.

Por fim, a vontade política de reprimir a criminalidade econômica, os que usam black-tie, não se compadece com abusos de qualquer espécie. O que ontem se combateu como opressão dirigida aos segmentos desfavorecidos, porque afrontoso aos direitos humanos, não pode, perversamente, vir validado e aplaudido hoje como se fosse a “democratização do direito penal”. Cria-se um inaceitável caldo de cultura da violência estatal.

Para coibir esse nefasto processo, a ação do ministro Gilmar Mendes, mais do que justa, foi providencial.

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo deste domingo (13/7)].

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