Processo legal

Não importa o crime, prova ilegal tem de ser sempre rejeitada

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9 de julho de 2008, 13h30

Por mais importante que seja o crime apurado a partir de uma prova ilícita, os juízes não devem aceitá-la. Se a prova, além de ilícita, afronta garantias constitucionais, não cabe aplicar o princípio da razoabilidade para garantir o prosseguimento da ação penal. A conclusão é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar procedente o pedido do dono de um escritório de contabilidade para anular todo o processo a que ele respondia por crime tributário.

O recado do Supremo é claro. Se não forem obedecidas as regras legais, todo o trabalho para processar e julgar desde um réu como ex-presidente Fernando Collor até um contador, como no caso presente, terá sido em vão. Independente das acusações que pesem contra os réus, se as provas foram obtidas ilegalmente, devem ser consideradas inválidas. O mesmo vale para as chamadas provas “derivadas”, ou seja, aquelas que foram obtidas com dados de investigações irregulares anteriores.

Para o ministro Celso de Mello, relator do HC, é necessário rejeitar a “crescente predisposição para flexibilização dos comandos constitucionais aplicáveis na matéria”. O ministro citou o constitucionalista Luis Roberto Barroso, que junto à Ana Paula de Barcellos, chamam a atenção para o risco de se admitir provas ilícitas com base no princípio da proporcionalidade. “Embora a idéia da proporcionalidade possa parecer atraente, deve-se ter em linha de conta os antecedentes de país, onde as exceções viram regra desde sua criação”, afirmam.

O ministro também citou o jurista Antonio Magalhães Gomes Filho, para quem ainda há uma resistência dos tribunais em descartar provas ilícitas. Para Gomes Filho, isso é fruto de uma “equivocada compreensão do princípio do livre convencimento do juiz, que não pode significar liberdade absoluta na condução do procedimento probatório nem julgamento desvinculado de regras legais”. Celso de Mello concorda, ainda, com Gomes Filho, quando este diz que o combate à criminalidade não se dá através da aceitação de provas ilícitas no processo.

“O réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado”, afirma Celso de Mello.

O ministro citou a Ação Penal 307. Nela, o ex-presidente Fernando Collor foi, juntamente, com outros réus, absolvido das acusações de corrupção. No caso, o STF entendeu que não podia admitir como provas informações de um micro computador apreendido através de violação de domicílio.

Fruto envenenado

O contador em questão era processado pela 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro desde 1996 sob a acusação de prática de crime tributário. Segundo a defesa, as provas foram obtidas com busca e apreensão em seu escritório de contabilidade, sem autorização judicial. A defesa alegou que agentes da Receita e da Polícia Federal coagiram funcionários e levaram documentos, computadores e livros de todos 1.200 clientes dos escritórios contábeis.

O Ministério Público Federal argumentou que o material não foi apreendido no escritório de contabilidade, mas em uma empresa atendida pelo escritório de contabilidade. Acontece que, segundo a defesa, a fiscalização nessa empresa só aconteceu devido ao material apreendido irregularmente no escritório de contabilidade.

Para o ministro Celso de Mello, não há dúvidas de que as provas, colhidas posteriormente a apreensão de documentos no escritório de contabilidade, não são válidas. “Tais novos meios de prova guardam direta, estreita e imediata vinculação causal com os elementos de informação que somente foram obtidos em virtude do desrespeito ao princípio que protege a inviolabilidade domiciliar”, explicou o ministro.

Celso de Mello entendeu que, no caso, aplica-se a teoria dos “frutos da árvore envenenada”. Essa conclusão só poderia ser afastada se a autoridade policial ou o MPF demonstrasse que a nova prova obtida não teve conexão com a prova ilícita.

Inviolabilidade do escritório

O ministro Celso de Mello já havia decidido no Habeas Corpus 82.788, envolvendo o mesmo contador, que não é admissível a apreensão de documentos em escritórios de contabilidade sem mandado judicial. Na ocasião, o ministro afirmou que o conceito de casa é estendido a “espaços privados não abertos ao público, onde alguém exerce atividade profissional”. Nesse caso, a apreensão de documentos só pode ser feita com mandado judicial.

“Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral”, afirmou.

Clique aqui para ler a ementa e o acórdão. E aqui para ler o relatório e o voto do ministro Celso de Mello.

HC 93.050

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