Segunda Leitura

Segunda Leitura: É preciso revelar responsáveis por tragédia no Rio

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

6 de julho de 2008, 1h00

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">O jornal O Estado de S. Paulo, ao falar do interrogatório do tenente Vinicius Guidetti de Moraes perante o juiz federal da 7ª. Vara Criminal do Rio de Janeiro, registrou: “Ghidetti chorou quando o juiz perguntou sobre como era a vida dele. Ele disse que é casado há seis meses e que tem um filho de dois meses” (4.7, C6). Os fatos ainda estão na memória dos brasileiros. Militares do Exército Nacional, em serviço no Morro da Providência, Rio de Janeiro, entregaram três jovens moradores do local a uma quadrilha rival do Morro da Mineira. No domingo, dia 15 de junho, os corpos de David (24), Wellington (19) e Marcos (17) foram encontrados em um aterro sanitário da região metropolitana.

Tudo começou em razão de uma revista a que os militares submeteram os jovens. Eles teriam reclamado, xingado os militares. Levados ao capitão Laerte Ferrari, foi determinada a soltura. Todavia, o tenente Ghidetti teria se sentido desprestigiado e, como corretivo, levou-os com sua equipe ao morro vizinho, onde foram entregues aos inimigos e por eles trucidados.

O caso não se confina no crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 121, parágrafo 2º, incisos II e IV do Código Penal, cuja pena é de 12 a 30 anos. É mais. Muito mais. Há vários questionamentos, várias facetas. A tragédia atinge diretamente os familiares dos rapazes assassinados. Mas não só a eles. Vejamos.

Qual o papel do Exército Nacional? É possível dar-se às Forças Armadas missão de segurança pública, quando de forma contrária dispõem os artigos 142 e 144 da Constituição? A elas devem ser atribuídas outras atividades? Deve ser emendada a Constituição?

O tenente Ghidetti, com apenas 25 anos, estava preparado para exercer funções policiais? Foi treinado para isto na Academia Militar de Agulhas Negras? Afinal, qualquer PM ou Policial Civil, diariamente, ouve ofensas de acusados, seus parentes e vítimas. Tudo isto faz parte da rotina e eles são preparados para absorver tais rebeldias.

Admitindo-se que o Exército deve participar de outras atividades e que, no caso do Morro da Providência, seu papel é relevante não só por significar a presença do Estado em área conturbada, mas por ajudar no projeto Cimento Social, faz sentido este auxílio ser dado em um projeto de apoio político à candidatura de um senador candidato a prefeito?

E os assassinos dos rapazes, quem são? É razoável que todos os holofotes se lancem sobre os 11 militares da comitiva do Tenente Ghidetti e ninguém se recorde que houve assassinos diretos?

O ministro da Defesa cogitou de dar à família das vítimas uma pensão. A medida é simpática e pode ser justificada no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição, que obriga a União a indenizar. Mas, as demais famílias de vítimas deste imenso Brasil receberão o mesmo tratamento? Ou deverão percorrer todas as instâncias judiciais e aguardar anos?

Formada a tragédia, inconformadas, com justa razão, as famílias, presos 11 militares, entre eles o seu comandante, um quase adolescente que viu seu mundo desabar por um ato de imaturidade e despreparo para funções que não são as suas, ficam no ar perguntas de alcance muito maior: a) como o Estado, incluídos na expressão a União, o estado e o município, através de seus três Poderes, deixou a situação chegar ao ponto em que se encontra? b) é possível identificar os responsáveis por tal situação, analisar a ação dos chefes dos Poderes do Rio de Janeiro nos últimos 20 anos, dissecar o que poderia ser feito e não foi, quem se omitiu, quem tentou?

Um tribunal constituído por segmentos diversos da sociedade, com a presença de sete jurados de alta respeitabilidade, entre eles professores universitários e líderes comunitários, poderia promover um julgamento moral. A sociedade tem o direito de saber quem foram e quem são os responsáveis, não pela trágica ocorrência do Morro da Providência, mas sim pela muito mais trágica situação a que se chegou naquele pedaço de Brasil, em razão da ausência do Estado.

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