Confusão generalizada

É preciso simplificar nome dos cargos jurídicos

Autor

  • Omar Hong Koh

    é procurador da USP bacharel em Direito pela USP (Largo São Francisco) e pós-graduado em Direito pela ESMP-SP e pela ESPGE-SP.

3 de julho de 2008, 20h31

Recentemente, ao ser indagado por um familiar sobre a diferença de um desembargador para um juiz, percebi quão deficiente é nossa legislação no tocante à denominação dos cargos jurídicos. Quais são as diferenças entre um procurador do Estado, um procurador de justiça do Estado, um procurador federal, um procurador da fazenda nacional, um procurador do Município e um procurador da República? Para quem não é da área do Direito, duvido que consiga responder.

Certo é que inúmeros termos para designar cargos pertencentes à mesma carreira são desnecessários e prestam um desserviço à sociedade (que não sabe diferenciá-los), dificultando o exercício dos direitos dos cidadãos. Ora, em minha experiência quando estagiário, cansei de testemunhar pessoas locomovendo-se até Promotorias de Justiça — perdendo tempo e dinheiro — rogando por um advogado por não terem condições financeiras de contratar um, confundindo-as — como todos sabem — com as Defensorias Públicas.

Urge, portanto, que nosso legislador prossiga nas reformas no Poder Judiciário, sendo que uma de suas pautas deve ser a simplificação nas denominações dos cargos jurídicos, a fim de se evitar confusões para o público em geral, alheio ao mundo do Direito. Não se pode manter essa infinidade de designações sob o fundamento da tradição jurídica brasileira, tampouco em razão da vaidade de quem ostenta tais títulos, uma vez que os órgãos jurisdicionais devem, antes de tudo, buscar prestar serviço público eficiente aos jurisdicionados: a saber, os cidadãos que os financiam com o pagamento de tributos.

Concretamente falando, é inequívoco que seria melhor, para a compreensão do povo, se todos os prestadores da atividade jurisdicional, de todas as Justiças (comum, especial, superior e até os membros do Supremo Tribunal Federal), se chamassem simplesmente “juiz” (assim como na Alemanha e tantos outros países desenvolvidos). Na atividade judicante brasileira, temos, sucintamente, a figura do juiz (julga em primeira instância), desembargador (julga em segunda instância; é membro de Tribunal) e ministro (julga nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal).

Aliás, há que se lembrar que nossa Constituição Federal e Estadual de São Paulo já chamou muitas vezes os membros de Tribunais de juízes (e não de desembargadores). Vejamos: 1) os membros dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais do Trabalho são chamados pela Constituição Federal de juízes, vide os artigos 103-B, VI e VIII; 107, caput e 115, caput (insta esclarecer que, em se tratando do Tribunal Regional Federal da 3ª região, seus membros ostentam o título de desembargador federal, em razão de uma emenda regimental de 1998 propugnada pelo então presidente do Tribunal supracitado; já alguns juízes de TRTs se identificam, informalmente, como “desembargadores trabalhistas”, apesar de inexistir previsão legal para tanto); 2) Nos extintos Tribunais de Alçada dos Estados, seus membros eram chamados de juízes pela Constituição Estadual de São Paulo.

Em se tratando de membro do Ministério Público, o termo que melhor o identifica para as pessoas em geral é o de “promotor de justiça” ou “promotor público” (sua antiga designação). Por que razão não simplificar e passar a chamar os membros do Ministério Público Estadual que oficiam em segunda instância (atualmente chamados de “procuradores de justiça”) de “promotores de justiça em segundo grau, segunda instância ou pareceristas”?

O professor Dirceu de Mello, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, lembra, em uma de suas aulas, que, quando era procurador de justiça, preferia se identificar às pessoas como promotor de justiça, tendo em vista que as pessoas não sabiam o significado do primeiro termo. E por que motivo não chamar os membros do Ministério Público Federal, tanto os que atuam na Justiça Federal em primeira instância (chamados de “Procurador da República”) e segunda instância (“Procurador Regional da República”), quanto os que atuam perante os Tribunais Superiores (“Subprocurador-geral da República”), de simplesmente “promotores de justiça federais”?

Já no tocante à advocacia pública, a confusão nos termos é mais explícita ainda. Na esfera federal, grosso modo, temos o advogado da União (defende os interesses da União que não estejam ligados às suas autarquias e aos tributos), o procurador federal (defende as autarquias federais), o procurador da fazenda nacional (defende a arrecadação tributária da União), sendo que os três fazem parte do órgão Advocacia-Geral da União. Por que não simplificar e chamar todos os integrantes da AGU de simplesmente “advogado público da União”? Nesse diapasão, por que não chamar o procurador do Estado (que tantas vezes, no senso comum, é confundido com o procurador de justiça) de “advogado público do Estado” e o procurador do Município, de “advogado público do Município”?

Ademais, reconheço que os termos aqui propostos neste artigo não estão imunes à crítica e é bem possível que existam outros que sejam mais adequados. Espero, todavia, que seja iniciado um debate mais profundo para que haja, com efeito, uma simplificação nas denominações dos cargos jurídicos, a fim de que a Justiça, como função pública de grande relevância, fique menos hermética e mais próxima dos seus jurisdicionados. Por fim, lembro as sucintas e verdadeiras palavras de Evandro Lins e Silva: “no Direito, o complicado é ser simples”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!