Ficha suja

É preciso dar publicidade a processos contra candidatos

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3 de julho de 2008, 13h25

A divulgação de informações a respeito de processos judiciais a que políticos respondem tem dado origem a alguma controvérsia. Os opositores da idéia, entre os quais figura proeminentemente o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, afirmam que a publicação desse tipo de dado pode abrir espaço a injustiças, decorrentes de erros. A preocupação do ministro tem razão de ser, caso a confecção desse tipo de lista não obedeça a um critério básico — a possibilidade de qualquer pessoa verificar por si mesma se a imputação é fundada ou não.

A simples publicação de listas sem um referenciamento que permita a checagem independente decerto levantará dúvidas e mesmo suspeitas de desfavorecimento intencional dirigido a certas pessoas, bem como a omissões, também deliberadas, destinadas a proteger alguns. A existência do risco não implica, porém, que a idéia deva ser descartada. O que se deve fazer é compensar o risco. Conhecer é sempre melhor do que desconhecer.

É claro que não se pode meramente fiar-se na palavra de alguém, de que este ou aquele candidato tem problemas graves na Justiça. É necessário mostrar. Em outras palavras, a informação prestada deve ser passível de verificação intersubjetiva, ou seja, por diferentes indivíduos. Uma lista de candidatos aos quais se impute implicação em crimes (por exemplo) precisa incluir o link para a descrição do processo no tribunal em que a ação corre.

Não basta afirmar “existe um processo criminal de número tal no Tribunal de Justiça do estado qual em que fulano é réu”, pois isso não necessariamente permite, na prática, que qualquer pessoa imediatamente verifique se o processo de fato existe, se o réu é o imputado, se o crime é aquele informado.

Mostrar, na era da internet, é fornecer a referência direta ao processo. É essa a maneira como a Transparência Brasil procede em seu projeto Excelências (www.excelencias.org.br), que traz informações sobre 2.362 políticos em exercício no Congresso Nacional, em todas as assembléias legislativas estaduais e em todas as câmaras de vereadores das capitais.

Entre as informações prestadas estão processos e inquéritos (sempre em segunda instância) em que esses indivíduos estejam eventualmente implicados, bem como punições que tenham sofrido por parte de tribunais de contas. Cada ocorrência dessas é não apenas relacionada, como é acompanhada do link que leva ao registro respectivo na Corte em que o processo ou punição aconteceu.

Isso desloca a responsabilidade pela fidedignidade da informação ao órgão originário da informação. Evidentemente, não é impossível que um processo que tramite num Tribunal de Justiça esteja com suas informações desatualizadas. Contudo, errado ou não, é isso o que está publicado.

Uma das dificuldades impostas pela exigência de possibilidade de verificação intersubjetiva é que as Cortes brasileiras diferem muito quanto à qualidade da informação que publicam em seus sítios de internet.

Para se fazer uma idéia, de 27 tribunais de justiça (contando-se aí o do DF), apenas quatro fornecem dados completos a respeito dos processos que neles tramitam em segunda instância – Acre, Maranhão, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Treze outros apresentam informações incompletas, em nove (incluindo-se São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) se sabe que há processos, mas esses não são acompanhados de nenhum detalhe, e em um (Piauí) não há qualquer informação.

Quanto a acórdãos (decisões) desses tribunais, o acesso é impossível no Amapá, Bahia, Piauí e São Paulo. O do Pará apresenta dados incompletos. A situação entre os tribunais de contas é também bastante heterogênea. Oito TCs não dão nenhuma informação sobre punições eventualmente aplicadas contra administradores públicos — entre esses, o de Minas Gerais. Em dois há registro de punições, mas nunca há detalhes. Em quatro, as informações prestadas são incompletas. Restam 13 (a saber, só a metade) que dão informações completas sobre tais punições.

Tal quadro de inadimplência quanto à prestação de informações que são em princípio de domínio público, mas, na prática, não o são, redunda em desigualdades na informação do público. Os políticos de alguns estados ficam protegidos do escrutínio do eleitor. Literalmente, escondem-se nas sombras projetadas pela opacidade dos respectivos tribunais de justiça e de contas. (O mapa das disparidades informativas de todas essas cortes está publicado na página de abertura do projeto Excelências.)

A responsabilidade por esse estado de coisas reside nos tribunais de contas e nos Judiciários estaduais. Nesse último caso, o Conselho Nacional de Justiça, o qual tem tomado medidas importantes para a melhoria dos serviços prestados pela instituição judicial, poderia em boa hora baixar norma obrigando todos os tribunais de justiça a disponibilizar na internet informações completas sobre processos (incluindo-se, centralizadamente, processos em primeira instância) e acórdãos, a exemplo do que fazem as Cortes superiores.

[Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, desta quinta-feira, 3 de julho].

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    é diretor executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção no país (www.transparencia.org.br). Mantém o blogue crwa.zip.net.

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