Janela da traição

Projeto abre brechas nas regras da fidelidade partidária

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2 de julho de 2008, 18h11

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou projeto que fixa regras para cassação de políticos que trocarem de partido sem motivo. O Projeto de Lei Complementar 124/07, do deputado Flávio Dino (PC do B-MA), prevê um período de 30 dias um ano antes das eleições no qual os políticos podem mudar de legenda sem perder o mandato.

Assim, o político eleito por quatro anos poderia trocar livremente de partido no mês de setembro do terceiro ano de mandato, já que, em 1º de outubro, precisará estar filiado ao partido pelo qual concorrerá à eleição seguinte. Aprovado nesta quinta-feira (2/7) pela CCJ, o projeto será votado pelo plenário da Câmara.

O texto da proposta prevê ainda critérios que permitirão a troca de partido. Dentre elas estão mudanças essenciais ou descumprimento do programa ou do estatuto partidário, perseguição política interna e a filiação com vistas à criação de nova sigla política.

A mudança mais significativa é a inclusão da janela de 30 dias para troca sem punição, já que os outros critérios foram colocados em vigor pela via judicial, com as decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal sobre o tema no ano passado.

O texto do deputado Flávio Dino cria ainda uma “ação de justificação prévia de desfiliação partidária”, pela qual a Justiça Eleitoral pode autorizar a troca de partido (quando houver justificativa para isso) e afastar a sanção de perda de mandato eletivo. Conforme o projeto, caberá ao partido do político eleito pedir a perda de mandato por infidelidade. O pedido deverá ser encaminhado no prazo de 15 dias após a desfiliação à Justiça Eleitoral.

A proposta garante amplo direito defesa para o eleito que trocar de partido. O ocupante de cargo eletivo será citado para oferecer resposta no prazo de 15 dias. Ele pode juntar documentos e requerer a produção de outras provas, inclusive documentais, que se encontrarem em poder de repartições públicas, em procedimentos judiciais ou administrativos. Ambas as partes têm o direito de apresentar seis testemunhas, que serão ouvidas separadamente em audiência única.

Repercussão

O advogado Ricardo Penteado, especialista em Direito Eleitoral, saudou a iniciativa da Câmara de discutir a questão. Para ele, o Legislativo tem que legislar e não deixar as questões com o Judiciário. “Daqui a pouco o Judiciário vai escrever jornais e fazer filmes para as pessoas assistirem”, ironizou.

Para Penteado, contudo, a tese de que os partidos são donos dos mandatos é equivocada. “Nós sabemos que o eleitor não vota em partido e sim em pessoas”, disse. Ricardo Penteado completou ainda que a mobilidade parlamentar é necessária e que, se alguém quiser trocar de partido, que o julgamento fique a cargo do eleitor e não do Judiciário.

O deputado Flávio Dino afirma que seu texto corrige um hiato legal e dá ao Legislativo a função legítima de legislar sobre a questão. “O que o projeto visa é regrar, por meio de uma norma processual, como devem se dar os processos de cassação por infidelidade partidária. Isso não afronta, ao contrário, reforça a decisão soberana do Supremo Tribunal Federal, que entendeu que os mandatos pertencem ao partido e não ao político”.

Sobre o período de 30 dias para a troca de sigla no ano anterior ao do pleito, Dino afirma que o candidato tem de ser fiel também ao seu eleitor. “Quando há mudanças significativas de orientação partidária, muitas vezes contrárias aos interesses do eleitorado ou da região do político eleito, este precisa seguir o compromisso de ser fiel ao partido nas votações, mas também necessita de uma chance para, ao menos no final de seu mandato, se apresentar aos seus eleitores por outra sigla que julgue representar melhor esses interesses”, argumenta. Ele ponderou ainda que a janela é um dispositivo justo para contemplar as trocas legítimas de partido.

Exceção

O deputado federal Efraim Filho (DEM-PB) criticou o texto. Para a Agência Brasil, ele afirmou que a proposta é um retrocesso em relação à regra atual, definida por meio de uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral.

“O que é o retrocesso nesse caso? É uma janela da traição. Aquele argumento de que o casamento é indissolúvel está fora de cogitação. Hoje, a qualquer tempo, a qualquer prazo, o parlamentar pode pedir a saída do partido. É só ir ao TSE e justificar sua saída. Agora, o que não podemos é, em nome de exceções, abrir uma regra geral”, afirmou.

Clique aqui para ler o projeto.

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