Sob nova direção

Entrevista de Gilmar Mendes mostra nova face da direção do STF

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2 de julho de 2008, 20h23

A entrevista coletiva do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, sobre o balanço dos trabalhos do primeiro semestre do tribunal foi marcada pelo tom incisivo e polêmico. E revelou a construção de uma nova feição no comando da mais alta Corte de Justiça do país.

O ministro criticou o movimento de setores do Judiciário no sentido de divulgar os nomes de candidatos que respondem a processos, tachou de gângsteres os agentes da Polícia Federal que vazam informações sigilosas à imprensa para intimidar juízes e cobrou publicamente providências do Ministério Público Federal e do Executivo no sentido de punir os responsáveis por esses vazamentos.

As afirmações repercutiram pelos três poderes e encontraram boa guarida por parte da comunidade jurídica. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, diz que concorda plenamente com as críticas de Gilmar Mendes sobre os vazamentos para a imprensa de inquéritos da Polícia Federal. “Se a informação é sigilosa, está se cometendo um crime. Não podemos conviver no Estado Democrático de Direito com pessoas cometendo atos ilícitos como esses”, afirma.

Para Valadares, existem indícios de que, como diz Gilmar Mendes, esses vazamentos são feitos com o objetivo de intimidar a magistratura. “A lei não está sendo obedecida. A informação só pode ser levada ao conhecimento do público depois de uma decisão judicial.”

O juiz discorda do ministro, no entanto, sobre sua ponderação à divulgação de listas de candidatos com ficha suja. A questão é uma das atuais bandeiras políticas da entidade. “Vamos fazer uma lista de candidatos que respondem processos, principalmente daqueles relacionados ao exercício de mandato”, afirma. Segundo Mozart, esse é um serviço que a AMB pode prestar para fortalecer a democracia. Para Gilmar Mendes, não é papel do Judiciário fazer esse tipo de levantamento, mas sim da sociedade civil.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mattos, também aplaudiu as críticas do ministro aos vazamentos de informações sigilosas. “Efetivamente tem que ser responsabilizada a pessoa que deixa o dado ser apresentado.” A Ajufe, afirma Mattos, entende que é preciso enxergar com apreensão possíveis pressões que juízes podem sofrer nessas situações. “A gente defende a independente atuação do juiz”, afirma.

Sobre a questão dos candidatos com ficha suja, o presidente da Ajufe também discorda de Gilmar Mendes. Para ele, a lista pode ser feita, mas desde que seja criteriosa. “Não é correto incluir aquela pessoa que tem apenas uma denúncia contra si. Mas se ele tem uma condenação de primeiro grau, a situação é diferente”, afirma. Para ele é uma discussão que ainda está aberta. “Faz parte do trabalho das associações de classes forçar considerações para que haja maior aprofundamento do debate.”

Repercussão entre advogados

O presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados Brasil, Wadih Damous, discorda das entidades de juízes sobre a questão de candidatos que respondem a processos. “Não podemos transformar o processo eleitoral numa caça às bruxas em nome da moralidade. Esse tipo de lista pode servir a outros propósitos e não de efetivo combate à corrupção em defesa ética. Na verdade, a elaboração dessas listas dará margem a perseguições políticas e ao cometimento de injustiças”, afirma.

Para o advogado, a Justiça não deve divulgar esse tipo de lista. “O Judiciário deve ser célere e apreciar com presteza os fatos que chegarem ao seu conhecimento. Listas negras, listas sujas e coisas do gênero são próprias de um período obscurantista do qual ninguém deve sentir saudades”, afirma Damous.

Já o advogado José Roberto Batochio não poupa palavras para elogiar a atitude do ministro: “Culto, preparado, equilibrado, desassombrado e intimorato, comprometido com os valores humanitários consagrados na axiologia constitucional e com a ordem jurídica. O Brasil está de parabéns pelo maiúsculo chefe do Poder Judiciário que tem. Rejubila-se a consciência jurídica nacional”.

Para o advogado Eduardo Diamantino, a postura de Gilmar Mendes à frente do STF e sua entrevista merecem aplausos. “A entrevista é brilhante porque sintetiza o pensamento dos não adeptos do populismo: a necessidade de se construir limite ao Estado e sua atuação fascista. Louvável quando proferida por um agente público que não se coaduna com tais atitudes”, diz.

Sobre a questão dos vazamentos, o advogado Tales Castelo Branco diz que é preciso se preocupar quando um “homem reflexivo e inteligente” como Gilmar Mendes faz um alerta dessa forma. “Ele é um homem digno. Não é de explodir sem razão. A indignação de um ministro do Supremo, como Gilmar Mendes, merece acatamento. Ele tem horror à injustiça.”

Castelo Branco concorda com a opinião de que Gilmar Mendes tem outro temperamento em comparação com seus antecessores. “Temos que nos acostumar. Essas variações são saudáveis. Não seria bom que todo magistrado fosse igual debaixo da toga. Por mais que nós vejamos com imparcialidade e comedimento a figura do magistrado, lá está uma pessoa de carne e osso”, entende o advogado. Gilmar Mendes, segundo Castelo Branco, tem a virtude da transparência que enfrenta a verdade.

A posição de Gilmar Mendes mereceu inclusive a aceitação de quem é por ele atacado. Na mesma terça, o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, chegou a se reunir com Gilmar Mendes. Saiu do encontro afirmando que não há mal-estar entre os dois.

“Qualquer fala do presidente do STF, nós temos que estar atentos”, afirma Corrêa. Ele diz que recebe com naturalidade as críticas. “Internamente, também temos as nossas chamadas de atenção para correções”, disse. Corrêa entende que Gilmar Mendes, como presidente da corte constitucional, deve se manifestar sobre tudo que entender não estar de acordo.

Mas o diretor da PF deixou claro que não vê abusos por parte da Polícia. “Os eventuais fatos que possam caracterizar qualquer desvio de comportamento disciplinar ou criminal serão apurados. Nós, na PF, não temos qualquer problema de apurar desvio de conduta interna”, afirma.

Já o ministro da Justiça, Tarso Genro, alegou que os vazamentos são coisa do passado e admitiu que o vazamento de informações é uma atitude de gângster. “Se foi feito por algum agente público da Polícia Federal, é uma atitude de gângster mesmo”, afirmou. Para Genro, o envolvimento do nome de Gilmar nas investigações da Gautama teria sido uma provocação ao presidente do STF, e ainda não se sabe se o responsável teria sido um agente.

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