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OAB vai ao Supremo contra quebra de sigilo bancário

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21 de janeiro de 2008, 18h18

A OAB vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal para contestar a quebra de sigilo bancário imposto pelo governo federal com o fim da CPMF. A Ação Direta de Inconstitucionalidade questionará a Lei Complementar 105/2001. Esta norma possibilitou a edição da Instrução Normativa 802 da Receita Federal, que obriga os bancos a repassar informações dos correntistas cuja movimentação semestral chegue a R$ 5 mil no caso de pessoas físicas e R$ 10 mil no caso de pessoas jurídicas.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, defende que a quebra de sigilo bancário só pode acontecer nos casos em que houver ordem judicial. “Fora disso, qualquer quebra de sigilo, seja bancário, fiscal ou telefônico, é inconstitucional e não pode prevalecer no ordenamento jurídico do país.”

A decisão de entrar com a ação foi tomada em reunião da Comissão Especial de Direito Tributário, nesta segunda-feira (21/1). Os integrantes da comissão avaliaram que não cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a instrução normativa, mas sim contra a Lei Complementar 105, na qual é baseada a medida da Receita Federal.

“A instrução tem um vício de origem que é a Lei Complementar 105, que é inconstitucional ao quebrar o sigilo. Por isso, vamos propor a adequação da instrução e da lei à Constituição Federal”, declarou o presidente da OAB. Ele lembra que já existem ações no Supremo contestando a norma. E diz que a ADI será um instrumento para reforçar os fundamentos já apresentados contra a lei.

Segundo Cezar Britto, a medida da entidade não vai interferir nos mecanismos governamentais de combate à sonegação. “O aparato legal que regulamenta o Coaf e outros instrumentos de fiscalização da Receita não serão questionados e continuam funcionando legalmente”, afirmou.

A Comissão Especial de Direito Tributário da OAB é presidida pelo professor e ex-secretário da Receita Federal Osíris de Azevedo Lopes Filho. Além dele e de Cezar Britto, participaram da reunião o vice-presidente Vladimir Rossi Lourenço, a secretária-geral Cléa Carpi da Rocha e o diretor-tesoureiro Ophir Cavalcante Junior.

Medida controversa

A OAB aderiu à corrente dos que se baseiam nos incisos X e XII do artigo 5º da Constituição para dizer que a instrução normativa, na verdade, trata de quebra de sigilo bancário. O dispositivo diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O inciso XII é mais específico: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (…)”. A quebra só é aceita em casos excepcionais, com autorização do Judiciário.

Mas há os que entendem que os sigilos fiscal e bancário não têm garantia constitucional. Para Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, é evidente o interesse público da fiscalização exercida pela Receita e, portanto, os direitos fundamentais dos cidadãos têm de ser entendidos como relativos.

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, o professor disse que não há na Constituição qualquer norma que garanta expressamente o sigilo bancário, apesar da garantia genérica, no artigo 5º, da inviolabilidade da intimidade e do sigilo de dados. Ao invés disso, diz, o artigo 145, em seu parágrafo 1º, diz que a administração tributária deve cumprir os objetivos, nos termos da lei e respeitando os direitos individuais, podendo “identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Guerra ao crime

Em nome do combate à violência, o governo federal defende que todos os seus órgãos possam trocar informações disponíveis sobre os contribuintes. Foi o que defendeu o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, em parecer preliminar apresentado em encontro do Encla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), em dezembro de 2007.

Segundo o advogado-geral, “essa troca de dados não configura quebra de sigilo, mas transferência dele”. E elas não aconteceriam de forma imotivada. Toffoli esclarece ainda que a controvérsia existe porque a Constituição Federal não tratou explicitamente do sigilo bancário ou fiscal em seu texto. Ela fala sobre sigilo de dados. E por isso dá margem a vários tipos de interpretação.

O parecer elaborado pela AGU está sendo analisado por diversos órgãos públicos que enviarão as suas sugestões e opiniões. A partir deles é que será feito um parecer definitivo. No primeiro trimestre de 2008 ele estará pronto, pelos cálculos do ministro Toffoli.

“Um segredo que todo mundo conhece não é mais segredo”, constata o tributarista Igor Mauler ao comentar o parecer da AGU. Para ele, não se pode ferir o sigilo dos dados dos contribuintes como forma de combate à criminalidade. “Essa forma de abertura dos dados não trará ganho nenhum para a sociedade”, critica.

Mauler não tem dúvidas de que a Constituição Federal defende o sigilo bancário e fiscal do cidadão. Ressalta que este não é absoluto, mas a quebra deve depender de fortes indícios, justificativas e um bom fundamento apresentado por um membro do Judiciário.

Segundo o tributarista, a LC 105/2001 nunca entrou de fato em vigor porque ficava encostada na CPMF. Com a extinção do imposto, ele acha que as duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que a contestam devem voltar à pauta de julgamento.

Leia nota emitida pela Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB

1. A Comissão Especial de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil, reunida no dia 21 de janeiro de 2008, apreciando a Instrução Normativa n° 802, de 27 de dezembro de 2007, resolveu propor à diretoria do Conselho Federal da OAB, ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade com ênfase na obtenção de medida cautelar para a suspensão da eficácia do artigo 5° do Decreto Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001, do Decreto 4489/2002, e por decorrência da instrução normativa da Receita Federal do Brasil, n° 802/2007.

2. Citada a instrução normativa com ênfase em tal Decreto e Lei Complementar exige que as instituições financeiras forneçam à Secretaria da Receita Federal do Brasil informações semestrais e identificar os titulares das operações e os usuários dos serviços, em que o montante global movimentado em cada semestre seja superior, tratando-se de pessoa física, a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), e pessoa jurídica, a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

3. Tal ato normativo administrativo ofende direitos escritos na Constituição Federal entre os direitos e deveres individuais e coletivos, no seu artigo 5°, como o direito à intimidade (inciso X) e ao direito ao sigilo (inciso XII).

Brasília, 21 de janeiro de 2008.

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