Assédio judicial

Ação de fiéis da Universal contra a Folha beira a má-fé

Autor

21 de janeiro de 2008, 13h18

No dia 15 de dezembro passado, a Folha de S.Paulo publicou um artigo intitulado “Universal chega aos 30 anos com império empresarial”, trazendo em seu teor informações sobre o poder econômico da Igreja Universal do Reino de Deus. Nesse sentido, nenhuma novidade. A simples existência de templos em todo país é prova disso — por maior que seja a fé, a manutenção dos locais de culto exige gastos vultosos. Também não é segredo a aplicação do dízimo dos fiéis nas atividades comerciais da Universal. Emissoras de televisão e de rádio, dentre outros empreendimentos, constituem o patrimônio angariado ao longo das últimas três décadas.

Em seu texto, a jornalista Elvira Lobato expôs dados coletados em uma pesquisa criteriosa, levantando questionamentos apenas sobre atividades administrativas do grupo, sem qualquer ofensa direta ou calúnia. Entre os pontos discutidos, há informações sobre algumas empresas administradas pela Universal, incluindo uma companhia de táxi aéreo, sediada em Sorocaba (SP). Sobre os fiéis, nada foi dito. Não houve, em nenhum momento, qualquer insinuação que colocasse em xeque a honestidade daqueles que freqüentam os cultos evangélicos, tampouco foi sugerida a ingenuidade do fiel que contribui através do dízimo.

O silêncio da Igreja Universal após a publicação demonstra, claramente, a inocuidade da matéria. Entretanto, vinte e oito fiéis espalhados pelo país, em atitude que beira às margens da má-fé e em completa ilegitimidade, pois não foram citados pela notícia, deram início a uma batalha judicial contra a Empresa Folha da Manhã S.A., que edita o jornal Folha de S. Paulo. Em seus argumentos, reclamam dos adjetivos que lhe foram imputados por seus semelhantes, logo após a publicação da matéria, tais como “tonto” e “safado”.

Nos últimos anos, em razão da ampliação do instituto da responsabilidade civil aos direitos não tutelados no passado, o volume das ações de indenização no país cresceu consideravelmente. Apesar do congestionamento causado ao Poder Judiciário, a ascensão vertiginosa do número de ações reparatórias deve ser considerada como uma vitória. A população, que em outros tempos amargava prejuízos por não confiar na Justiça, hoje busca a ressarcimento das diversas ofensas sofridas no cotidiano, contribuindo para o alargamento do conceito do mero dissabor.

Todavia, no que diz respeito aos seus princípios, a responsabilidade civil pouco flexibilizou na atualidade. Mesmo na responsabilidade objetiva, deve existir um dano comprovado e o nexo causal entre a ofensa e o ofendido. O motivo é simples: com a isenção destes “filtros”, a indenização perde a sua função, deixando de ser um instrumento de reparação e/ou compensação.

No caso aqui tratado, além do dano e do nexo de causalidade, deve estar presente a culpa do ofensor [1]. Quanto ao primeiro pilar, as supostas vítimas o vêem configurado nos comentários maliciosos feitos por pessoas de sua convivência. Contudo, ingenuidade dizer que o preconceito existente contra as igrejas evangélicas e seus freqüentadores surgiu somente após a publicação da notícia na Folha de S.Paulo. Apesar do crescimento da religião no país, não são poucos os que não se identificam com os procedimentos da igreja.

Ainda que o dano fosse comprovado, a barreira do nexo de causalidade demonstra ser instransponível. Por mais que alguns fiéis tenham sido ofendidos pelo teor da notícia, não há qualquer vínculo entre a publicação e o dano. Como foi dito anteriormente, o texto trata de questões administrativas da Universal, sem qualquer menção aos fiéis. É natural que o freqüentador fique indignado com notícias que levantem suspeitas sobre a igreja, mas isso não o legitima a litigar em prol da ofendida. A ofensa pessoal também não merece prosperar. O texto não trata dos fiéis, nem indiretamente. Foge ao bom senso culpar a matéria por interpretações adversas dadas por alguns leitores do jornal.

[1] “O dano moral, reparável pelo exercício da liberdade de informação, tem fundamento na violação de direito ou no prejuízo mediante dolo ou culpa” (RT 404/140).

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!