Flashes na audiência

Justiça discute se imagem do réu está sujeita a sigilo

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18 de janeiro de 2008, 18h29

Os limites da imprensa para divulgar imagens de audiências em que os processos correm em segredo de justiça passaram a dividir opiniões recentemente. A questão central girou em torno da necessidade da aplicação do sigilo nas ações judiciais que despertam o interesse público. O cenário que gerou a discussão no mundo jurídico foi o Fórum da Comarca de Cuiabá, em Mato Grosso.

No dia 11 de janeiro deste ano, o juiz Rondon Bassil Dower Filho, da 4ª Vara Criminal de Cuiabá, deu voz de prisão aos cinegrafistas Belmiro Dias, da TV Record; Marcos Alves, da TV Centro América, filiada da Rede Globo; e ao fotógrafo Otmar de Oliveira, do jornal A Gazeta. Eles tentavam registrar imagens da audiência em que prestavam depoimentos acusados de formação de quadrilha e corrupção ativa e passiva dentro da 2ª Vara Criminal do Fórum de Cuiabá.

O caso é famoso. Servidoras e ex-estagiários respondem à acusação de que montaram um esquema ilegal no Fórum para agilizar o trâmite de processos de presos. A ex-escrevente, Beatriz Árias, condenada como co-autora pela morte do juiz Leopoldino Marques do Amaral, é uma das rés. Ela é acusada de intermediar as negociações com advogados.

O cerne da questão é o segredo de justiça decretado no processo. Depois de mais de 40 minutos de audiência, os cinegrafistas e o fotógrafo passaram por uma ante-sala que estava sem funcionários para dar informações sobre a possibilidade de se fazer imagens no local dos depoimentos. Como a porta onde acontecia a sessão estava aberta, eles tentaram fazer as imagens. O juiz deu voz de prisão a eles, que somente foram liberados depois de assinar documento comprometendo-se a não divulgar as imagens.

Vozes e imagens

A possibilidade de divulgação de imagens e vozes em audiências, cujos processos correm em segredo de justiça, levantou uma questão de Direito: a voz e a imagem das pessoas estão em segredo de justiça assim como o processo?

Uma corrente jurídica defende que sim. Afirma que não pode ser gravada nem a voz nem a imagem dentro das audiências porque aqueles atos são sigilosos e fazem parte da tramitação do processo. Gravações somente podem ser feitas na entrada e na saída, mas não nas salas de audiências.

Outra corrente afirma que apenas a voz não pode ser gravada, mas a imagem sim. Essa corrente considera que o processo e as vozes, que são transcritas para integrar os autos, fazem parte do sigilo judicial. E existe ainda quem defenda que as imagens podem ser divulgadas desde que entregues por uma fonte.

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, considera que nem mesmo filmagens ou fotografias podem ser permitidas nos locais de audiências sigilosas. Os motivos são simples. Nas filmagens, há áudios que podem ser reproduzidos posteriormente na TV. E fotógrafos podem narrar os fatos para um jornalista reportar no jornal. Dessa forma, para o ministro, o segredo perderia o significado. Entretanto, os acusados podem ser filmados fora do ambiente em que são interrogados.

O presidente da OAB de Mato Grosso, Francisco Faiad, também advogado do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, afirma que não haveria prejuízos para o processo se as imagens fossem feitas no Fórum. “Bastava o juiz paralisar o interrogatório enquanto eram feitas as imagens. Depois, pediria para os cinegrafistas e fotógrafo saírem e prosseguiria a audiência”, explica o presidente da OAB.

O advogado das Organizações Globo, Nilson Jacob, especialista em crimes de imprensa, entende que não podem ser feitas filmagens, fotos e gravações de audiência cujo processo corre em sigilo. “Entretanto, o material pode ser levado ao ar se for obtido por outras fontes posteriormente”, ressalva. Para Jacob, “não há nenhum crime nesse caso porque a proibição vale apenas durante a audiência ou o julgamento”. O problema de filmar, gravar ou fotografar os fatos na hora é que os réus e testemunhas podem ficar constrangidos, explica ele.

O segredo

A necessidade de o caso tramitar em sigilo e a falha administrativa do Fórum, que não tinha nenhum servidor para advertir os cinegrafistas e fotógrafo sobre a proibição das imagens, são alguns dos pontos que merecem reflexão. Afinal, se a audiência era privativa, a porta não deveria nem mesmo estar aberta. E o mínimo que se espera de um órgão público é que haja funcionários para prestar informações ao público. “O próprio juiz reconheceu que não houve dolo porque não havia funcionários para informá-los sobre o segredo de justiça nem um aviso. Eles não terão de responder por isso”, explica Faiad.

É importante lembrar o que diz o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

O ministro Carlos Ayres Britto, do STF, tem a tendência de privilegiar sempre em seus julgamentos mais a informação do que o sigilo. Para tanto, tem como base o trecho final do artigo 93. Ele tem entendido que o sigilo é exceção. A regra é a transparência dos autos. O ministro Marco Aurélio e o vice-presidente do Supremo, Gilmar Mendes, pensam da mesma forma. Sempre enfatizam o interesse público.

No entanto, Gilmar Mendes é cauteloso quando o assunto é segredo de justiça. Ele considera perigoso criar algum tipo de imunidade para jornalistas por causa da projeção que se pode atingir. Em tese, se houvesse tal imunidade, seria aberta brecha até mesmo para os profissionais contratarem alguém para bisbilhotar conversas telefônicas. “Liberdade de imprensa tem limites. No estado de direito, não há soberanos. Todos estão submetidos às regras”, diz ele. No entanto, Gilmar Mendes reconhece que a imprensa não pode ser impedida de noticiar fatos em segredo de justiça se os documentos lhe são enviados, por exemplo, ou se chega à informação de outra forma. É o que ele chama de acesso livre aos fatos.

Ecos

Depois do episódio, representantes de advogados e desembargadores manifestaram solidariedade aos cinegrafistas e fotógrafo. O presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Paulo Lessa, emitiu nota para lamentar o fato. “Estamos trabalhando intensamente pela construção de uma Justiça mais acessível, efetiva e transparente e a imprensa tem papel fundamental nesse processo”, afirmou. A OAB considerou “desproporcional” a medida adotada pelo juiz.

Nesta sexta-feira (18/1), o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso divulgou nota em que repudia o acontecimento. A nota deve ser enviada ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso e ao Conselho Nacional de Justiça.

Leia a nota:

NOTA DE REPÚDIO

O Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT) repudia a atitude anti-democrática do juiz Rondon Bassil, que, na sexta-feira (11), deu ordem de prisão a dois repórteres cinematográficos e um fotógrafo, que tentavam fazer imagens da audiência em que prestava depoimento a ex-escrivã Beatriz Árias, acusada de corrupção, formação de quadrilha e associação para o tráfico, além de ser condenada pela participação na morte do juiz Leopoldino, em 1999.

Mediante Nota de Esclarecimento emitida pelo Tribunal de Justiça e pela Ordem dos Advogados do Brasil, que também lamentaram o fato, o Sindjor-MT vem por meio deste Instrumento destacar que a função da imprensa é fiscalizadora e se não cumprir com seu papel estará sendo omissa.

O Sindjor-MT já está requerendo audiência com o corregedor-geral de Justiça, Orlando Perri, e mom o presidente do TJ-MT, Paulo Lessa, para pedir a apuração dos fatos e sugerir um debate sobre a questão do sigilo no Judiciário. E vai encaminhar o caso também ao Conselho Nacional de Justiça.

Keka Werneck

Presidente do Sindjor-MT

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