Estado de alerta

Direito de defesa corre risco em todo o mundo

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18 de janeiro de 2008, 10h57

[Artigo originalmente publicado na edição de sexta-feira (18/1) da Folha de S. Paulo]

Inquestionavelmente, o nível de respeito aos direitos e prerrogativas da advocacia espelha o grau de cristalização do Estado democrático de Direito de um país. Mas, nos últimos tempos, essa prática não vem se confirmando nem mesmo em países de longa tradição democrática, como a França e a Itália, entre outros da Comunidade Européia.

Além do desrespeito por parte de autoridades francesas e italianas, a conceituada União Internacional dos Advogados (UIA), entidade com 80 anos existência, registra também abusos nos Estados Unidos, em Portugal e na Polônia, onde as afrontas apontam violação do sigilo profissional, um direito fundamental na relação entre advogado e cliente.

Há, com freqüência, abusos em países em que o exercício profissional está perenemente em risco, nas nações submetidas a regimes de exceção ou em democracias muito frágeis.

Violações são comuns na China, no Vietnã, na Coréia do Norte, no Paquistão, nos países do Leste europeu e em antigas Repúblicas que pertenciam à ex-URSS, entre outros, os quais carecem de uma relação mais harmônica entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.

Há uma prática comum do inter-relacionamento arbitrário de um Poder subjugando o outro. Mas nada pode sustentar afrontas registradas em grandes democracias européias. Como explicar que, em um dos berços da civilização moderna e do direito ocidental, a Itália, escritórios de advogados sejam invadidos pela polícia em busca das confidências de clientes?

Nos EUA, aprovou-se lei que admite a violação da privacidade entre advogado e cliente — historicamente, a ética profissional sempre assegurou o segredo entre o defensor e o acusado em todas as democracias do planeta.

Quando as violações se mostram recorrentes em democracias consolidadas, devemos ficar ainda mais alertas. Existe algo errado. Torna-se fundamental antever e enfrentar quaisquer abusos contra as prerrogativas profissionais dos advogados que estão a assegurar o direito constitucional da ampla defesa e do contraditório a todos os cidadãos.

A OAB-SP tem, dessa forma, se postado e reagido contra todos os tipos de violência praticados contra os advogados no exercício profissional. Exemplos não faltam. São autoridades que impedem advogados de ter acesso aos autos, de estar em contato com seus clientes e até aquelas que autorizam a violação dos escritórios de advocacia em busca de provas contra os acusados, como aconteceu recentemente no Brasil, ignorando diplomas legais.

Atos desse calibre mutilam a nossa Constituição Federal e violentam a Lei Federal 8.906/1994, que garante a inviolabilidade do local de trabalho, de arquivos, dos dados, da correspondência e da comunicação dos advogados, numa garantia ao direito de defesa do cidadão.

Temos reagido no plano institucional, com protesto formal aos poderes constituídos, e no plano legislativo, realizando pressão legítima sobre o Congresso para aprovação de projeto de lei que apresentamos objetivando a criminalização da violação às nossas prerrogativas profissionais.

A Lei Federal 8.906/1994, que estabeleceu o Estatuto da Advocacia, coloca o advogado como indispensável à administração da Justiça por prestar um serviço público e exercer função social. Ora, à evidência, esse escopo de atribuições só pode ser cumprido mediante a garantia integral das prerrogativas profissionais.

Caso esse conjunto de direitos e deveres venha a ser desrespeitado, a missão do advogado fica comprometida, porque a defesa só pode prosperar se o advogado estiver amparado por pressupostos legais que assegurem sua independência profissional. Durante o período do governo de exceção no Brasil, cidadãos eram convocados a depor como testemunhas e acabavam instados a confessar crimes contra o regime, sendo levados à auto-incriminação. Os advogados eram, então, o último bastião de defesa, arriscando, muitas vezes, suas próprias vidas, porque não havia prerrogativas nas quais se escudarem.

Não podemos — e não queremos — voltar aos tempos sombrios e obscuros do regime ditatorial. O Brasil vive um novo tempo, e a plenitude democrática deve garantir o respeito a essas prerrogativas profissionais — que, na verdade, estão assegurando o sagrado direito de defesa de todos os cidadãos.

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