Sigilo financeiro

Advogados contestam envio de dados bancários para Receita

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15 de janeiro de 2008, 13h38

Ao determinar que os bancos devem prestar informações sobre a movimentação de correntistas, a Receita Federal, além de desrespeitar preceitos da Constituição Federal, afronta o Estatuto dos Advogados (Lei 8.906/94). O artigo 2º da lei confere aos advogados o direito de sigilo profissional dos atos praticados no exercício da profissão.

É com esses argumentos que a Fadesp (Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo) apresentou Mandado de Segurança, com pedido de liminar, contra a Instrução Normativa 802 da Receita Federal e em favor dos advogados. O pedido está nas mãos do juiz da 14ª Vara Federal do Distrito Federal.

Pela instrução, as instituições financeiras devem repassar informações dos correntistas cuja movimentação semestral global chegue a R$ 5 mil no caso de pessoas físicas, e R$ 10 mil no caso de pessoas jurídicas.

No Mandado de Segurança, a entidade pede a declaração de inconstitucionalidade da norma. E, antes disso, a suspensão dos seus efeitos através de liminar, “porque manifestamente inconstitucional e ilegal, ferindo o direito líquido e certo dos advogados consistente do sigilo bancário e profissional”.

Para a Fadesp, o artigo 5º, XII, da Constituição Federal é claro ao garantir que o sigilo bancário, que não é absoluto, só pode ser quebrado em casos excepcionais e por ordem judicial. “Isto significa que a violação do sigilo bancário não pode ser regulada de modo geral e abstrato, mas deve, antes de tudo, obedecer à forma legal, decorrer de ordem judicial e ter por finalidade a produção de prova em investigação criminal em andamento ou a instrução de processo penal em tramitação.”

Em relação ao argumento de que a norma viola o Estatuto dos Advogados, a Fadesp observa que, pela conta bancária destes profissionais transitam recursos de seus clientes, destinados ao pagamento de custas e despesas processuais e extraprocessuais. De acordo com a entidade, estes valores, por estarem relacionados ao exercício da profissão, “estão sob o abrigo da proteção do sigilo estabelecida nas mencionadas provisões legais”.

“Quem quer que se debruce sobre essa questão concluirá pela impossibilidade de pensar as contas bancárias ou congêneres como reflexo ou retrato dos rendimentos do titular. Basta usar a razão e um pouco de lógica para chegar a tal ilação”, conclui.

O Mandado de Segurança é assinado pelos advogados Sérgio Niemeyer (presidente da Comissão de Prerrogativas da Fadesp), Raimundo Hermes Barbosa e Luis Augusto Zanoni dos Santos.

Leia a petição

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da ____ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal.

FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DOS ADVOGADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO — FADESP, entidade associativa civil sem fins lucrativos, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, sediada na capital do Estado de São Paulo, na Rua da Glória, n. 92/1º andar – Liberdade – CEP 01510-000, inscrita no CNPJ sob o n. 02.907.471/0001-03, representada por seu Presidente, RAIMUNDO HERMES BARBOSA, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB/SP sob o n. 63.746, com domicílio na cidade de São Paulo, onde mantém escritório profissional na Praça Dr. João Mendes Júnior, n. 42/18º andar – conjunto 183-4 – Centro – CEP 01501-000, por seu(s) advogado(s) adiante subscrito(s) (instrumento procuratório, [Anexo 1], com escritório na cidade de São Paulo, na Rua Conselheiro Brotero, n. 703/apto. 64 – CEP 01232-011, onde receberá(ão) as intimações do presente feito (art.39, do CPC), com fundamento na Constituição Federal, art. 5º, inciso LXX, alínea ‘b’, c/c a lei 1.533/1951, vem impetrar


MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO COM PEDIDO DE LIMINAR

figurando como autoridade coatora o ilmo. sr. secretário da receita federal do brasil, dr. Jorge Antonio Deher Rachid, cujo endereço é Ministério da Fazenda – Esplanada dos Ministérios – Bloco P – CEP 70048-900 – Brasília – DF, pelos fatos e razões a seguir expostos.

I- Do Objeto do presente mandamus

Destina-se este writ a obter ordem judiciária para declarar, em favor dos advogados do Estado de São Paulo, a inconstitucionalidade da Instrução Normativa RFB n. 802, de 27/12/2007, publicada no Diário Oficial da União na edição de 28/12/2007, Seção 1, página 52 [Anexo 3], determinando liminarmente a suspensão dos seus efeitos, porque manifestamente inconstitucional e ilegal, ferindo o direito líquido e certo dos advogados consistente do sigilo bancário e profissional, assegurados no art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal e no art. 2º, § 3º, art. 7º, incs. II e XIX, e arts. 25 usque 27, todos da Lei 8.906/1994 (EA – Estatuto da Advocacia e da OAB), para cuja defesa a impetrante possui legitimidade estatutária [Anexo 2], conforme reconhece e autoriza a Carta da República em seu art. 5º, inc. LXX, alínea ‘b’, devendo ao final ser a segurança concedida com foros de definitividade.

II- Dos fatos

Em 27 de dezembro de 2007 o Ilmo. Sr. Secretário da Receita Federal do Brasil, Dr. Jorge Antônio Deher Rachid, pretextando o uso de sua atribuição, conferida pelo art. 224, inciso III, do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF n. 95, de 30 de abril de 2007, e tendo em vista o disposto no art. 5º da Lei Complementar n. 105, de 10/01/2001, e no art. 5º do Dec. n. 4.489, de 28/11/2002, editou a Instrução Normativa RFB n. 802, com o seguinte teor, in verbis:

"INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 802, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2007

Dispõe sobre a prestação de informações de que trata o art. 5º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001.

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição conferida pelo art. 224, inciso III, do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 95, de 30 de abril de 2007, e tendo em vista o disposto no art. 5º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, e no art. 5º do Decreto nº 4.489, de 28 de novembro de 2002, resolve:

Art. 1º As instituições financeiras, assim consideradas ou equiparadas nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, devem prestar informações semestrais, na forma e prazos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), relativas a cada modalidade de operação financeira de que trata o art. 3º do Decreto nº 4.489, de 2002, em que o montante global movimentado em cada semestre seja superior aos seguintes limites:

I – para pessoas físicas, R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

II – para pessoas jurídicas, R$ 10.000,00 (dez mil reais).


§ 1º As operações financeiras de que tratam os incisos II, III e IV do art. 3º do Decreto nº 4.489, de 2002, deverão ser consideradas de forma conjunta pelas instituições financeiras, para fins de aplicação dos limites de que tratam os incisos I e II do caput.

§ 2º As informações sobre as operações financeiras de que trata o caput compreendem a identificação dos titulares das operações ou dos usuários dos serviços, pelo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), e os montantes globais mensalmente movimentados.

Art. 2º Na hipótese em que o montante global movimentado no semestre referente a uma modalidade de operação financeira seja superior aos limites de que tratam os incisos I e II do art. 1º, as instituições financeiras deverão prestar as informações relativas às demais modalidades de operações ou conjunto de operações daquele titular ou usuário de seus serviços, ainda que os respectivos montantes globais movimentados sejam inferiores aos limites estabelecidos.

Art. 3º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2008."

As disposições da indigitada Instrução Normativa, em que pese a presunção de legalidade dos atos administrativos, padecem inquinadas da eiva de inconstitucionalidade e de ilegalidade, violando direitos constitucionais de aplicação imediata bem como disposições da Lei 8.906/1994, fato que autoriza a impetração do presente mandamus como única e expedita via judicial repressiva coletiva para obter a preservação dos direitos dos advogados do Estado de São Paulo, violados pela autoridade coatora.

Esta a apertada síntese dos fatos injuriosos a direito líquido e certo, como se demonstrará na seqüência.

III- a competência da Justiça Federal DO DISTRITO FEDERAL

De acordo com as prescrições do art. 109, inc. VIII, da Constituição Federal, pertence à Justiça Federal do Distrito Federal a competência para apreciar e julgar o presente mandamus por se tratar de autoridade federal, subordinada ao Ministério da Fazenda, portanto, órgão da União com sede no Distrito Federal.

A fixação da competência em mandado de segurança deve observar o domicílio da sede da autoridade coatora, consoante ensina HELY LOPES MEIRELLES, ad litteram:

“A competência para julgar mandado de segurança define-se pela categoria da autoridade e pela sua sede funcional.”[1]

No mesmo diapasão a jurisprudência colacionada por THEOTONIO NEGRÃO, litteratim:

“O juízo competente para processar e julgar o mandado de segurança é o da sede da autoridade coatora (RTFR 132/259)… No mesmo sentido: RSTJ 2/347, RTFR 119/26, 132/243, 132/266, 134/35, 160/227.”[2]


IV- Da legitimidade da impetrante

A legitimidade da impetrante como substituta processual dos seus associados afirma-se nas disposições do seu estatuto social [Anexo 2] secundadas pelo art. 5º, inc. LXX, letra ‘b’, da Constituição Federal.

Com efeito, no estatuto social da impetrante divisa-se entre seus objetivos a defesa dos direitos e interesses dos advogados, assim considerados individual ou coletivamente. Disso resulta a subsunção aos ditames insculpidos na Constituição Federal, art. 5º, inc. LXX, alínea ‘b’, restando plenamente atendidos os requisitos ali previstos, demonstrando-se assim a legitimação extraordinária da impetrante.

V- Do direito líquido e certo e sua violação

Duas são as ordens de violação do direito líquido e certo dos advogados decorrentes da Instrução Normativa RFB n. 802/2007, a saber: uma de índole constitucional; outra de natureza legal.

Com efeito, a indigitada Instrução Normativa fere, a um só tempo, de modo letal, os direitos consagrados no inc. XII do art. 5º da Constituição Federal e aqueles outorgados aos advogados na Lei 8.906/1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, ns. II e XIX, e arts. 25 usque 27.

1. Da Violação do Inciso XII do Art. 5º da Constituição Federal. O direito líquido e certo violado pela Instrução Normativa RFB n. 802/2007 arrima-se na proteção conferida ao sigilo de dados, garantia albergada no inc. XII, do art. 5º, da Magna Lex, que assim se exprime, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

……………………..

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

……………………..

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

O indigitado preceito constitucional estabelece, segundo a exegese predominante, duas categorias de bens jurídicos para os quais defere a proteção do sigilo. A primeira categoria compreende as correspondências e as comunicações telegráficas, para as quais a garantia de sigilo é absoluta, não podendo ser devassada nem mesmo por ordem judicial. A segunda categoria compõe-se dos dados e das comunicações telefônicas.

Em relação a esta última categoria, a própria Constituição Federal estabelece os casos em que, excepcionalmente, poderá haver a quebra da proteção outorgada. Por outras palavras, o sigilo de dados e das comunicações telefônicas, diversamente do que ocorre com as correspondências e comunicações telegráficas, não é absoluto. Pode ser arredado, desde que por ordem judicial, observando a forma e as solenidades prescritas em lei, e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.


A dicção do texto constitucional é clara e não deixa margem para dúvida: a quebra do sigilo bancário, espécie pertencente ao domínio do sigilo de dados protegidos pela Constituição Federal, somente pode ocorrer em casos pontuais, excepcionalmente, quando preenchidos os requisitos constitucionais e por ordem judicial. Isto significa que a violação do sigilo bancário não pode ser regulada de modo geral e abstrato, mas deve, antes de tudo, obedecer à forma legal, decorrer de ordem judicial e ter por finalidade a produção de prova em investigação criminal em andamento ou a instrução de processo penal em tramitação. Não estando preenchidos esses requisitos, qualquer ato que vise o extravasamento de dados afigura-se inconstitucional.

Por outro lado, a Lei Complementar 105/2001 estabeleceu as diretivas para a quebra do sigilo bancário. Entre suas disposições insere-se o art. 5º, evocado pela autoridade coatora como fundamento para a edição do ato impugnado (Res. RFB n. 802/2007), o qual prescreve:

Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.

§ 1º Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo:

I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;

II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;

III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;

IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;

V – contratos de mútuo;

VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;

VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;

VIII – aplicações em fundos de investimentos;

IX – aquisições de moeda estrangeira;

X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;

XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior;

XII – operações com ouro, ativo financeiro;

XIII – operações com cartão de crédito;


XIV – operações de arrendamento mercantil; e

XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente.

§ 2º As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.

§ 3º Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 4º Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.

§ 5º As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.

Os dispositivos do art. 5º da LC 105/2001, acima reproduzidos, devem ser lidos em conjunto com as disposições constitucionais insculpidas no art. 5º, inc. XII, da CF, para interpretação sistemática, porquanto seus efeitos não podem se alargados para além da exceção constitucional.

Por outras palavras, as informações a serem prestadas pelas instituições financeiras às autoridades financeira e tributária somente têm cabimento nos casos em que haja investigação criminal ou processo penal em andamento. Fora dessas hipóteses, a exigência de tais informações constitui manifesta ofensa à garantia constitucional do sigilo de dados.

Demais disso, a quebra de sigilo não se presta para apurar se houve ou não a prática de ato ilícito para só então instaurar-se o respectivo inquérito ou processo penal. Ao revés, segundo prescreve a norma constitucional, a existência de investigação criminal ou de processo penal constitui pressuposto para a quebra do sigilo bancário da pessoa. Dito de outro modo, o sigilo bancário, assim como o de todo e qualquer dado da pessoa, não pode ser quebrado a pretexto de obter indícios de materialidade da prática delitiva para ensejar o início de investigação criminal ou de processo penal, mas, ao contrário, somente pode ser deferido por autoridade judicial mediante representação da autoridade policial para fins de investigação criminal, o que pressupõe a existência de inquérito policial já em andamento, ou mediante pedido do Ministério Público para fins de instrução processual penal, o que também pressupõe a existência de processo penal em tramitação.

Deflui não ser possível a quebra do sigilo bancário por meio de norma geral e abstrata, como pretende a autoridade coatora por meio da Instrução Normativa RFB n. 802/2007, muito menos para fins tributários, já que tal possibilidade não encontra respaldo na exceção prevista no inc. XII do art. 5º da Constituição Federal.

A Instrução Normativa RFB n. 802/2007, ao obrigar as instituições financeiras repassarem para a autoridade fazendária informações sobre as operações financeiras de seus clientes, na forma como está prevista nos arts. 1º e 2º, AFRONTA o preceito protetivo constitucional, que somente admite o extravasamento do sigilo mediante ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução de processo penal, porque generaliza a quebra do sigilo bancário independentemente de autorização judicial e de haver ou não investigação criminal ou processo penal em andamento, nisso atropelando a Constituição Federal, invadindo os poderes de competência exclusiva do Estado-juiz e considerando todos, indistintamente, que movimentem determinados valores num certo período como suspeitos da prática de atos ilícitos penais.


Evidentemente que não se pode aceitar tamanha aberração contra os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos com albergue na Constituição Federal.

A inconstitucionalidade é irrefutável. Tão evidente que o Supremo Tribunal Federal, oficiosamente, já se manifestou a tal respeito, conforme publicado pelo jornal O Estado de São Paulo em 31/12/2007, notícia reproduzida pela revista eletrônica Consultor Jurídico, in verbis:

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, classificou como inconstitucional a medida da Receita Federal criada para fiscalizar as operações financeiras depois do fim da CMPF. O Supremo, se convocado a se pronunciar, restabelecerá a supremacia da Constituição. Não tenho a menor dúvida, afirmou o ministro. ‘Conheço o Supremo como ninguém’, ressaltou em entrevista a O Estado de S.Paulo na segunda-feira (31/12).

Com o fim da CPMF, a Receita baixou uma instrução normativa para compensar a perda desse instrumento de fiscalização. Publicada na quinta-feira (27/12) no Diário Oficial da União, a norma obriga instituições financeiras a repassarem semestralmente ao órgão informações sobre as operações de pessoas físicas que ultrapassem, no período de seis meses, R$ 5 mil e, no caso de pessoas jurídicas, R$ 10 mil. O argumento é que com a medida o governo terá um instrumento para identificar indícios de sonegação e evasão fiscal.

As declarações do ministro do Supremo foram acompanhadas de críticas ao governo. Segundo ele, os responsáveis da Receita deveriam fazer consultas aos assessores jurídicos antes de tomarem medidas como essa, para evitar desgastes entre o Executivo e o Judiciário.

Marco Aurélio disse que há decisões anteriores do STF que formam jurisprudência, reforçando a garantia do sigilo bancário. Vejo (a decisão do governo) como menosprezo aos pronunciamentos do Supremo e isso não é bom para o aprimoramento democrático.’ A Constituição, ressaltou ele, só permite a quebra de sigilo bancário autorizado pela Justiça, para efeito de investigação criminal, depois de apresentados fundamentos para isso. Esse automatismo transforma a exceção em regra. É jogar todos na vala comum, como se todos fossem sonegadores, criticou. ‘No afã de arrecadar, não podemos agir a ferro e fogo.’

A norma da Receita entra em vigor neste primeiro de janeiro e atinge cada modalidade de operação financeira e não apenas as que eram alcançadas pela CPMF, ou seja, lançamento de débitos, como saques e pagamentos. As instituições financeiras terão de informar também sobre operações de aquisição e venda de títulos e ações em bolsas de valores, no mercado futuro, no mercado de opções, compra de moeda estrangeira e ouro e remessa de moeda estrangeira ao exterior.

Caso o limite seja ultrapassado por uma única operação, o banco está obrigado a remeter as informações à Receita Federal sobre as demais transações, mesmo que os valores estejam abaixo do limite. A partir das informações, em caso de indício de irregularidades, a Receita fica autorizada a requisitar as informações de que precisar para apuração de suspeita de sonegação.

Quando a CPMF estava em vigor, as instituições eram obrigadas a encaminhar informes trimestrais à Receita. Neles, informavam a movimentação financeira dos clientes, com base nos valores registrados com a cobrança do imposto.”[3]


2. Da Violação da Lei 8.906/1994. A Instrução Normativa RFB n. 802/2007 também incide em ofensa aos direitos líquidos e certos dos advogados prescritos e assegurados na Lei 8.906/1994.

Com efeito, o art. 2º, § 3º, 7º, ns. II e XIX, e arts. 25 usque 27, do referido diploma legal conferem aos advogados o direito de sigilo profissional dos atos praticados no exercício da nobre profissão.

Ora, é cediço que pelas contas bancárias dos advogados e das sociedades de advogados transitam recursos pertencentes aos clientes, destinados ao pagamento de custas e despesas processuais e extraprocessuais, oriundos de levantamentos judiciais etc. que, por relacionarem-se com o exercício da profissão estão sob o abrigo da proteção do sigilo estabelecida nas mencionadas provisões legais.

Por outro lado, as operações financeiras, depósitos, saques, aplicações etc., tanto dos advogados quanto de qualquer pessoa, em instituições financeiras nem de longe podem ser consideradas como demonstrativo de rendimentos, conquanto a fungibilidade da moeda implique que as contas mantidas em instituição financeira componham o patrimônio da pessoa. Todavia, o patrimônio constitui-se tanto de haveres como de deveres, de modo que nem sempre os recursos acolhidos em contas bancárias representam uma parcela da riqueza ou da renda do sujeito, mas sim uma obrigação.

Quem quer que se debruce sobre essa questão concluirá pela impossibilidade de pensar as contas bancárias ou congêneres como reflexo ou retrato dos rendimentos do titular. Basta usar a razão e um pouco de lógica para chegar a tal ilação.

Destarte, força convir a abusividade da Instrução Normativa RFB n. 802/2007, ao determinar às instituições financeiras que informem à autoridade fazendária as movimentações e operações que ultrapassem o valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) por semestre, o que equivale a algo em torno de R$36,00 (trinta e seis reais) por dia útil.

Ademais, os limites estatuídos na Instrução Normativa impugnada são incoerentes com o próprio sistema tributário nacional. Basta verificar que o limite de isenção para a declaração anual de imposto de renda gira em torno de R$15.000,00 (quinze mil reais) por ano, o que equivale a R$7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) por semestre, de modo que até mesmo o indivíduo isento de imposto de renda estaria enquadrado como suspeito da prática de ato delinqüencial por receber e, naturalmente, movimentar mais de R$5.000,00 (cinco mil reais) por semestre na conta bancária em que porventura receba seus salários.

A ilegalidade é palmar e irrefragável.

VI- Da imperiosidade de concessão da liminar

Os fundamentos agitados como causa de pedir e de decidir nos capítulo anteriores são de tal modo robustos, vigorosos e incontestáveis que a concessão da liminar afigura-se imprescindível como medida acautelatória para assegurar a utilidade e eficácia da ordem pretendida.

Contribui para a concessão da liminar o elevadíssimo e até sobre-humano volume de processos que afluem para o Poder Judiciário diariamente, de modo que se torna necessária para garantir e prevenir que o sigilo bancário dos advogados paulistas não será devassado ao cobro do período de 6 (seis) meses, como prescreve a norma impugnada, dado que provavelmente esse mandamus não será decidido definitivamente antes desse lapso temporal.


Os prejuízos são incalculáveis. A quebra do sigilo fere de morte proteções que refletem direitos conquistados à custa de muita luta, debate e, porque não dizer, até da vida de pessoas no passado, cujos ideais se materializaram na organização dos estados democráticos modernos.

O risco, caso a liminar não seja concedida, é que eventual sentença concessiva da segurança será inócua, sem nenhum efeito, pois é impossível voltar a trás e fazer de conta que os dados sobre as operações financeiras dos advogados não foram repassados pelas instituições financeiras à autoridade fazendária. Em outros termos, a eficácia desse writ está condicionada à concessão da liminar, porquanto uma vez que as informações tenham sido entregues à autoridade da Fazenda Pública não é possível fingir que isso não aconteceu. Ademais, a justiça não pode ser distribuída de modo circense, como um faz-de-conta, uma representação teatral que não considera a realidade, e nisso, na exigência da efetividade de suas decisões, é que se afigura relevante e imperiosa a concessão da liminar aqui pleiteada nos termos do art. 7º, n. II, da Lei 1.533/51.

VII- Do pedido

Ex positis, a impetrante pede e espera seja a ordem concedida, liminarmente et inaudita altera parte, determinando a suspensão da eficácia da Instrução Normativa RFB n. 802/2007, em relação aos advogados do Estado de São Paulo, representados em sua totalidade pela impetrante, e, ao final, o presente mandado de segurança seja julgado procedente para conceder a ordem nele perseguida com foros de definitividade, declarando a inconstitucionalidade e a ilegalidade da Instrução Normativa RFB n. 802/2007, bem como sua ineficácia total em relação aos advogados paulistas, porquanto ninguém, nem mesmo o Estado-administrativo-fiscal está imune ao gládio da Justiça, reduto último das nossas reservas morais.

VIII- Dos requerimentos adicionais

Requer, ainda, a notificação da autoridade coatora que poderá ser encontrada no seu respectivo endereço, referido no preâmbulo desta prédica, entregando-se-lhe a segunda via desta vestibular, acompanhada de todos os documentos reproduzidos por cópia reprográfica, neste ato declaradas autênticas sob a fé do grau pelos subscritores, para que preste as informações no decêndio legal.

IX- Do valor da causa

Para simples efeito fiscal, dá à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Termos em que, cumpridas as necessárias formalidades legais, pede e espera o recebimento, processamento e acolhimento desta, como medida a atender os mais altos reclamos de inteira JUSTIÇA!!!

P. Deferimento

São Paulo, 10 de janeiro de 2008.

Sérgio Roberto de Niemeyer Salles

OAB/SP 172.760

Raimundo Hermes Barbosa

OAB/SP 63.746


Luis Augusto Zanoni dos Santos

OAB/SP 165.477

DOCUMENTOS QUE INSTRUEM ESTA INICIAL:

Anexo 1……………………….. : Procuração ad judicia.

Anexo 2……………………….. : Estatuto Social da FADESP.

Anexo 3……………………….. : cópia do Diário Oficial da União de 28/12/2007, com a publicação da Instrução Normativa RFB n. 802/2007.

________________________

Bibliografia consultada:

1. BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

2. BUENO, Cassio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

3. CARNEIRO, Athos Gusmão. “O mandado de segurança coletivo e suas características básicas” In: Revista Forense 316/35.

4. CRETELLA Jr., José. Comentários à lei do mandado de segurança. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

5. ________. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999.


6. ________. Manual de direito administrativo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

7. ________. O desvio de poder na administração pública. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

8. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

9. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

10. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

11. ________. Direito administrativo brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

12. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

13. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

14. RÉGNIER, João Roberto Santos. Discricionariedade administrativa: significação, efeitos e controle. São Paulo: Malheiros, 1997.


[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, mandado de injunção, “habeas data”. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 53.

[2] NEGRÃO. Theotonio; GOUVÊA José Roberto F. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. nótula 4 ao art. 14, p. 1.834.

[3] Disponível na Internet, acessado em 01/01/2008 via WWW.URL:

<http://www.conjur.com.br/static/text/62656,1>

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