O Masp pede socorro

Por que tem interesse público o destino de um museu privado

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11 de janeiro de 2008, 12h11

O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, chamado de “Masp”, na Avenida Paulista, Capital, é patrimônio cultural nacional; detêm o maior acervo cultural/artístico do Brasil e da América Latina, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), tombamento registrado no Livro de Belas Artes, em dezembro de 1969.

É administrado por uma sociedade civil de direito privado, criada pelo empresário Assis Chateaubriand na década de 1940, tendo funcionado inicialmente na Rua 7 de abril, na sede dos Diários Associados. Desde 1968 está sediado na Avenida Paulista, no coração da cidade de São Paulo.

Seu prédio modernista, projeto da renomada arquiteta italiana Lina Bo Bardi, é um dos cartões postais da cidade de São Paulo. Foi construído em terreno da Prefeitura: contrato de concessão de uso por 40 anos, através da Lei Municipal 7.192/68, até 12 de novembro de 2008. É tombado, assim como seu entorno, por resoluções do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo).

Avaliado em R$ 17 bilhões, seu acervo é composto por milhares de pinturas, desenhos, esculturas e tapeçarias dos maiores artistas brasileiros e ocidentais: Van Gogh, Picasso, Renoir, Portinari, entre outros.

O Masp, portanto, é bem ambiental cultural de natureza difusa, nos termos da Constituição Federal (artigo 216), legislação federal, estadual e municipal, motivo pelo qual, é obrigação do Poder Público e da comunidade zelar pela proteção, manutenção e integridade de seu prédio e acervo, para o presente e para as futuras gerações.

É administrado por uma sociedade civil de direito privado, que tem o nome do museu e recebe dotações do Poder Público: União, através do Ministério da Cultura, e Município.

O corpo diretivo dessa sociedade civil, eleito a cada 2 anos, em eleição interna corporis, é composto por: presidente, secretário, diretores, conselho deliberativo, conselho fiscal e superintendente administrativo financeiro.

A Constituição Federal (artigo 216) determina que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, protegerá e zelará pela proteção das obras, objetos, documentos e edificações — patrimônio cultural brasileiro —, por meio de “inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.” Também dispõe que “os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na forma da lei.”

O artigo 23 da Carta Magna dispõe que é competência comum da União, estados e municípios “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público.”

Pelo fato do acervo do Masp ser tombado pela autarquia federal Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), órgão responsável pela preservação e fiscalização dos bens culturais brasileiros, vinculado ao Ministério da Cultura, há o interesse jurídico da União na preservação e salvaguarda do Masp.

Há legislação federal anterior à Carta de 1988, que já garantia proteção ao patrimônio cultural brasileiro: Decreto Lei 25/37, que determina a obrigatoriedade da preservação do patrimônio cultural brasileiro; Decreto Legislativo 74, de 1977: Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural.

O Governo brasileiro ratificou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural, que foi aprovada pelo Congresso Nacional e em vigor desde julho de 2006. Este tratado internacional, por força da Emenda Constitucional 45/2004, obriga o Governo brasileiro a adotar medidas necessárias para garantir a salvaguarda do patrimônio cultural material e imaterial presente em nosso território (artigo 11). Em vigor desde junho de 2006, através do Decreto 5.753, de 12 de abril de 2006.

Por outro lado, a Constituição do estado de São Paulo e a Lei Orgânica do Município, determinam a obrigação do Poder Público em preservar e proteger o patrimônio cultural de São Paulo.

Conclusão: a administração do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand está nas mãos de uma pessoa jurídica de direito privado, depositária do maior patrimônio cultural e artístico do Brasil e da América Latina, de valor inestimável para o povo brasileiro e para a humanidade.

Nossa Constituição Federal é clara ao dispor que o meio ambiente cultural é do interesse de todos: comunidade, Poder Público, que têm a obrigação/dever de preservá-lo, para o presente e as futuras gerações.

Assis Chateaubriand, com seu espírito empresarial empreendedor, criou uma sociedade civil de direito privado que era adequada à sua época. Mas os tempos mudaram. Estamos no século XXI.

Bens de interesse do povo e tombados não podem ficar ao abandono do Poder Público e, muito menos, serem administrados de forma a colocar em risco sua integridade, nos moldes de uma São Paulo antiga, do século passado, onde uma elite dominava a cultura paulistana.

Deixar o Masp nas mãos exclusivas de pequena parcela da elite, que o administra intra muros, fere o interesse público e popular. É direito inafastável do povo que o mais importante museu brasileiro seja bem administrado, protegido e adequadamente mantido.

O interesse público e popular clama pela transparência e eficiência na gestão do patrimônio deste patrimônio cultural.

É obrigação não só do município e do estado de São Paulo, mas, também do Governo brasileiro, que assumiu compromisso jurídico internacional perante a Unesco, de zelar pelo patrimônio cultural, nos termos da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural.

O Masp pede socorro há alguns anos; já sofreu corte de energia elétrica em 2006, em plena exposição das obras de DEGAS; há reclamações trabalhistas, débitos com o INSS, e processos cíveis. Já ocorreu até penhora de valores da conta corrente do museu, para pagamento de credor.

Causa perplexidade sabermos, através da imprensa, que o museu somente agora vai providenciar equipamentos contra incêndio. Hidrantes estavam vencidos; não havia brigada de incêndio. E tudo isso envolvendo o maior acervo artístico do Brasil e da América Latina.

Por sorte ou milagre, não ocorreu um incêndio no prédio, considerando a precariedade e falta de cuidado na sua manutenção. Mas, até quando devemos apostar em milagres no Brasil, só porque “Deus é brasileiro”?

Não podemos esquecer outra questão: a aplicação dos recursos públicos destinados ao Masp. A aplicação de dinheiro público deve se nortear pelos princípios constitucionais da transparência, eficiência, finalidade, interesse público; pouco importa se o beneficiário dos recursos é uma pessoa jurídica de direito privado: o dinheiro é do Povo e o Masp é patrimônio nacional.

Esperamos, sinceramente, que o nosso museu seja recuperado antes que seja tarde demais: furtos, incêndios e outras calamidades que ocorrem em imóveis mal conservados. O patrimônio cultural do povo merece respeito e atenção.

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