Privilégio de poucos

STJ deixa de lado consumidor ao liberar juros compostos

Autor

  • Mauro Sergio Rodrigues

    é advogado autor do livro Prática de Direito Processual Bancário na Visão do Consumidor Bancário — Uma resposta ao modus operandi abusivo do banco Millennium Editora 2007 2ª tiragem.

29 de fevereiro de 2008, 0h00

Estou preocupado com o destino dos tomadores de crédito diante das recentes decisões adotadas pela 2ª Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça liberando a cobrança de juros compostos em período inferior a 12 meses. Seus eminentes integrantes estão deixando de lado o princípio de proteção e defesa do consumidor (CF/88, art. 5°, XXXII c/c Lei 8.078/90, art. 39, V, 51, IV), tornando letra morta o conteúdo da Súmula 297/STJ, ao admitir que a partir de 30 de março de 2000, vale o artigo 5º da Medida Provisória 2.170-36/2001, que afasta a imposição do limite anual à capitalização de juros, não se aplicando o artigo 591 do Código Civil (ex vi, REsp 890460 e 821437).

Esta orientação jurisprudencial sinaliza aos órgãos fracionários do Poder Judiciário quanto a suposta inviabilidade da Ação Revisional de Contrato Bancário, deixando o consumidor bancário entregue à própria sorte e sob jugo dos excessos e abusos do banco. Sendo o juro fruto do capital mutuado, o consumidor bancário não pode ser obrigado a devolver além dos frutos naturais que o capital efetivamente produz: juros simples! Justamente porque o consumidor, por força legal, só pode ser obrigado a responder pelo que consome (CDC, art. 2º).

Sendo os juros compostos obra de engenharia financeira, cuja fórmula matemática é empregada desde 1871 por Richard Price originariamente para contratos de seguros, aposentadorias etc., através das Tables of Compound Interest, tem-se que o banco faz de cada mutuário uma mini “Casa da Moeda” na geração de “papel moeda” sem lastro válido.

Price quando observou atentamente a “obra de sua criação” se deu conta de que a aplicação dos juros compostos num empréstimo sobreleva o capital de maneira desproporcional e arrasadora, fazendo a alegria do banqueiro e a desgraça do prestamista: Um centavo de libra emprestado na data de nascimento de nosso Salvador a um juro composto de 5% teria, no presente ano de 1871, resultado em um montante maior do que o contido em duzentos milhões de Terras, todas de ouro maciço. Porém, caso ele tivesse sido emprestado a juro simples ele teria, no mesmo período, totalizado não mais do que sete xelins e seis centavos (Nogueira, José Jorge Meschiatti. Tabela Price — da Prova Documental e Precisa Elucidação do seu Anatocismo, Editora Servanda, Campinas, p. 57).

A decisão proferida pela 2ª Seção do STJ, liberalizante de ganhos financeiros ao banco sem fronteira ofende o princípio constitucional impeditivo do aumento arbitrário do lucro (CF/88, art. 173, § 4°) e o princípio fundamental de proteção da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III), uma vez que o mutuário é obrigado a pagar sem nada ter consumido e o banco se locupletar do esforço alheio. Esta permissividade gera insatisfação e inquietação no seio social. Deixa o estudioso do Direito atônito. Afinal, onde está o equilíbrio contratual se uma das partes é alvo de privilégios não albergados por nossa Carta Magna?

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    é advogado, autor do livro Prática de Direito Processual Bancário na Visão do Consumidor Bancário — Uma resposta ao modus operandi abusivo do banco, Millennium Editora, 2007, 2ª tiragem.

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