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Leiloeiros acusam juíza federal de controlar leilões judiciais

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29 de fevereiro de 2008, 17h13

Leiloeiros oficiais acusam uma juíza federal de São Paulo de fazer lobby para que leilões judiciais sejam feitos tão somente pelos leiloeiros que ela cadastrou e indica, o que obviamente representa movimentação de altas somas — cada leiloeiro leva 5% do montante ofertado. Tudo isso com a chancela de institutos registrados em nome da juíza, e recomendados pelo Ministério da Justiça. Um serviço que mereceria pelo menos licitação pública, afirmam os leiloeiros.

O alvo das acusações é a juíza Elizabeth Leão, titular da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo e presidente do Instituto Nacional de Qualidade Judiciária (INQJ), uma entidade sem fins lucrativos especializado em prestar serviços de consultoria na área de qualidade e gerenciamento do Judiciário.

Antes de se defender, a juíza diz que tem como objetivo “acabar com os leiloeiros”, em nome da transparência e da melhoria desses serviços. “Os leilões via internet que fazemos chegam a obter até 200% sobre o valor inicial ofertado. Não faço lobby: represento apenas 72 juízes de todo o Brasil”, diz.

Os leiloeiros dizem que estão com suas cabeças e empregos a prêmio em decorrência de uma “nova máfia do Judiciário”. Já a juza acusa os leiloeiros de comporem “uma velha máfia que está com os dias contados”.

Nas últimas duas semanas a revista Consultor Jurídico ouviu oito leiloeiros, de cinco cidades paulistas. Todos temem ser identificados. Apenas um teve coragem de falar: Edson Carlos Fraga Costa Yarid, de Jundiaí, há 13 anos no ramo. Os leiloeiros dizem que a juíza percorre varas federais em todo o Brasil ofertando serviços dos leiloeiros cadastrados por ela não só na entidade que preside, como também no Leilão Eletrônico Judicial, o Lej. “Uma juíza de direito fazer isso não é moral e também não é jurídico”, protesta o leiloeiro Edson Carlos Fraga Costa Yarid. “O Lej é apenas a nossa ferramenta”, devolve a juíza Elizabeth Leão.

Consulta ao cadastro de domínios na internet revela que as páginas do Instituto Nacional de Qualidade Judiciária e do Leilão Eletrônico Judicial e Extrajudicial estão registradas em nome de Elizabeth Leão. O próprio site que o Ministério da Justiça mantém para leilões, traz, em seu lado esquerdo, na seção “Convênios”, a logomarca do INQJ, bem abaixo da logomarca do Banco do Brasil.

Os registros na internet indicam as seguintes titularidades para os sites recomendados pela página na internet de leilões do Ministério da Justiça:

 

domínio inqj.org.br
entidade Instituto Nacional da Qualidade Judiciária
documento 006.006.518/0001-19
responsável Dra. Elizabeth Leão
endereço Rua Carlos Comenale, 263, cj.02
endereço 01332-030 – São Paulo – SP
país BR
telefone (11) 3171-1944

 

domínio lej.org.br
entidade Instituto Nacional da Qualidade Judiciária
documento 006.006.518/0001-19
responsável Dra. Elizabeth Leão
endereço Rua Carlos Comenale, 263, cj.02
endereço 01332-030 – São Paulo – SP

 

Elizabeth Leão recebeu a reportagem da Consulto Jurídico na presença do diretor-executivo do INQJ, Rodrigo Santos. “Quando começamos este trabalho, já sabíamos que iríamos encontrar essa resistência”, diz a juíza. “Em pouco tempo, teremos em mãos todos os leilões do ministério da Justiça. É óbvio que nossa meta é acabar com os leiloeiros”, promete Rodrigo Santos. A juíza diz que seu nome consta como responsável da página do Leilões Judiciários “porque a responsabilidade disso não pode ficar nas mãos de um funcionário celetista, tem de ficar comigo, que nada recebo por esses trabalhos”.

Defendendo-se das acusações, a juíza dispara. “Represento 72 juízes. E cabe ao magistrado dizer se quer leiloeiro ou não. A maioria deles não quer mais leiloeiros. E tem mais: o INQJ é uma Oscip, organização da sociedade civil de interesse público, ou seja, atua onde o estado não tem condições ou meios de atuar, algo desejável, legal, transparente”.

Reclamações

As reclamações dos oito leiloeiros ouvidos pela reportagem dão conta de que os cadastros nos dois sites do INQJ “raramente” são abertos para o público, e que os leiloeiros que participam dos maiores leilões do Judiciário são indicados pessoalmente pela juíza Elizabeth Leão. “Comecei a afundar economicamente por causa disso”, confessa um leiloeiro da cidade de Santos, no litoral paulista. “Temos medo de denunciar porque ninguém vai nos ajudar”, afirma outro leiloeiro, de Serra Negra, no interior de São Paulo.

Elizabeth Leão revela que juízes de todo o Brasil têm recebido dossiês, “provavelmente” escritos por leiloeiros, contra as atividades do INQJ. “O presidente do TRT-15 já mandou esses dossiês para a Polícia Federal, que abriu inquérito para investigá-los”, diz. “Somos transparentes, e estamos sendo criticados porque estamos tirando esse serviço das mãos de leiloeiros que não dão lucro. Cerca de 30% de nosso superávit é reinvestido na Justiça do Brasil”, explica Elizabeth Leão.

Cotejados com essa informação, os leiloeiros pedem que os números sejam exibidos publicamente, a exemplo da página Transparência, em que o governo federal exibe seus gastos.

O leiloeiro Edson Carlos Fraga Costa Yarid diz que encaminhou, em nome da categoria, um dossiê sobre o tema para Luiz Carlos de Araújo, presidente do TRT-15, com jurisdição sobre o litoral e interior do estado de São Paulo. Os leiloeiros sustentam que provimento do TRT-15, datado de setembro de 2005, prevê que leiloeiros devem ter pelo menos cinco anos de experiência. “Muita gente indicada pela juíza não tem esse tempo de trabalho e isso contraria o próprio provimento legal”, diz Yarid. “Nossa saída, como ninguém nos ouve, vai acabar sendo entrar com mandado de segurança no STF contra as atividades do INQJ e do Leilão Eletrônico Judicial e Extrajudicial”, diz o leiloeiro. “Leiloeiros só devem ter cinco anos de experiência quando se trata de leilão de bens da União ou dos Estados”, devolve Rodrigo Santos.

A defesa dos leiloeiros vai além: baseia-se no decreto 21.981, de 19 de outubro de 1932, que prevê nos leilões a presença do leiloeiro, e das partes, “pessoal e privativamente”. Yarid, com base nisso, arrisca uma metáfora. “Quem tem um número de CRM é o médico, não o hospital. O mesmo ocorre com o leiloeiro: ele e as partes têm de estar no leilão”. O leiloeiro apresenta outro argumento: trata-se do artigo 888, parágrafo terceiro, da CLT, que diz: “Não havendo licitante, e não requerendo o exeqüente a adjudicação dos bens penhorados, poderão os mesmos ser vendidos por leiloeiro nomeado pelo juiz ou presidente”. Rodrigo Santos contra-ataca. “Nossos leilões têm sim a presença física, trabalhamos com a internet e com aquela figura física do leiloeiro chamada pelos juízes de porteiro de auditório”, explica.

Vetos

Segundo informes dos leiloeiros que se sentem prejudicados, não há leiloeiros cadastrados junto ao LEJ, a não ser aqueles ligados à www.superbid.net (cuja página é rigorosamente idêntica à do LEJ). São funcionários da Superbid e leiloeiros vinculados a ela. O Diretor para Assuntos de Leilão da LEJ é o leiloeiro Renato Slobach Moyses, um dos "sócios" da Superbid e cunhado do Leiloeiro Rodrigo Sodré Santoro, irmão de Ronaldo Sodré Santoro. O nome de Ronaldo figura no contrato social da empresa Superbid. Leiloeiros não podem participar de sociedade comercial. Esta a razão, segundo os autores das acusações, pela qual Rodrigo e Renato, que são leiloeiros, não figuram como sócios de direito da Superbid. Renato Slobach Moyses foi leiloeiro oficial dos bens do megatraficante Juan Carlos Abadia.

A juíza Elizabeth Leão repele essas insinuações. “Moyses é nosso colaborador. Ele está conosco desde o começo de tudo, auxiliando no desenho do projeto do leilão online, algo que deu tão certo que temos amplo apoio do Ministério da Justiça”. Sobre o fato de Moyses ser leiloeiro há pouco tempo, face a lei de 1932, que requer cinco anos de prática, Rodrigo Santos diz que “cinco anos são requeridos para bens públicos, e os bens do Abadia são bens privados”.

Nos dossiês que distribuem, os leiloeiros escrevem que a Lei Orgânica da Magistratura Naciona veta aos magistrados o tipo de atividades que a juíza Elisabeth Leão vem desempenhando, como reza seu artigo 36:

“Art. 36 – É vedado ao magistrado:

I – exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;

II – exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração;

III – manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.

Também citam artigos do Código Penal que contemplam restrições ao tipo de ação da juíza:

“Art. 321 – Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:

Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

Parágrafo único – Se o interesse é ilegítimo:

Pena – detenção, de três meses a um ano, além da multa.

Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 332 – Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função: (Redação dada pela Lei nº 9.127, de 1995)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.127, de 1995)

Parágrafo único – A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário. (Redação dada pela Lei nº 9.127, de 1995)”

Defesa final

A juíza Elisabeth Leão é categórica. “Tudo o que fazemos foi publicado em Diários Oficiais, somos uma entidade aberta, não há lobby. Veja você: outro dia fui cumprimentada por um usineiro. Ele fez uso de leiloeiros. Seus bens valiam US$ 50 milhões. Ele obteve em leilão apenas US$ 5 milhões. Sendo que seu passivo era de US$ 300 milhões. Ele disse que se tivesse se valido dos serviços do do Instituto Nacional da Qualidade Judiciária, e não dos leiloeiros, teria obtido um lucro para cobri-lo”.

Rodrigo Santos, diretor-executivo do Instituto Nacional da Qualidade Judiciária, vai além. “Fazemos pesquisas sobre a qualidade de trabalho dos funcionários do judiciário. Temos projetos de capacitação desses funcionários, fazemos juízes conversar, para otimizar a Justiça. Leilões são apenas uma parte do nosso trabalho. E eu volto a dizer: nossa meta é sim acabar com os leiloeiros tradicionais”.

Os leiloeiros devolvem. “Por que então apenas uma entidade para cuidar de tudo isso”?

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