Sigilo do sigilo

Fenapef vaza dados para criticar vazamento de dados

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24 de fevereiro de 2008, 0h01

O conceito de segredo de Justiça perpassou todos os passos da juíza substituta Érika Souto Camargo, da 14ª Vara Cível do Distrito Federal, ao julgar a ação do delegado Armando Rodrigues Coelho Neto, ex-presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal contra a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). Em julho de 2004, a Fenapef publicou em seu site uma notícia que revelava informações sobre o delegado constantes do relatório sigiloso feito pela Policia Federal sobre a Operação Anaconda, esquema federal de venda de sentenças que levou à prisão, entre outros, o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos.

A juíza se convenceu de que os policiais da Fenapef se valeram de suas funções no Estado para violar o segredo de Justiça que foi decretado sobre o relatório para causar danos morais ao delegado e ordenou o pagamento de reparação no valor de R$ 15 mil. Mas antes de chegar a essa conclusão, ela chegou a acreditar que o segredo de Justiça foi revogado pela Emenda Constitucional 45, a Reforma do Judiciário, com a ressalva do interesse público e da proteção da intimidade dos indivíduos.

Na sentença, a juíza cita jurisprudência no sentido de que a EC 45 fortaleceu o princípio da publicidade dos atos processuais e reduziu a possibilidade de decretação de segredo de Justiça. Mas isso, “apenas nos casos em que a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público”. No entanto, para ela, o direito à intimidade prevalece neste processo.

Na ação, o delegado pedia indenização de R$ 2,2 milhões da Fenapef e de César Oliveira, autor do texto publicado, considerado ofensivo. Coelho Neto sustenta que a “publicação desonrosa” extrapolou o animus narrandi do relato imparcial, correto e ajuizado dos dados e fatos existentes.

A Fenapef se defendeu dizendo que a notícia veiculada no site não teve o propósito de ofender o delegado. Segundo a entidade, “o objetivo era denunciar as práticas em que o aparelho policial federal tem envolvido inúmeras pessoas em suas investigações sigilosas, sempre divulgadas na grande imprensa sob regência do sensacionalismo”.

Para comprovar que não havia falsidade nas informações que estava publicando sobre o delegado, anexou aos autos, o relatório sobre a Operação Anaconda — que estava sob proteção judicial.

Na sentença, a juíza substituta Érika Souto Camargo, da 14ª Vara Cível do Distrito Federal, chamou a atenção justamente para esta ironia. Na notícia, a entidade reclamava da divulgação na imprensa de investigações sigilosas usando um relatório que estava sob segredo de Justiça. “Um erro não justifica o outro”, escreveu e recusou o documento sob sigilo como elemento de prova.

E concluiu que o texto era ofensivo, como alegado pelo autor da ação. Isso porque, segundo Érika, a notícia julgou e condenou o delegado, quando não havia, ao menos, uma ação contra ele. A juíza ressalta que o jornalista que se limita a narrar o conteúdo da peça policial ou judicial que desencadeia ação, não deve indenizar por danos morais ou materiais.

“Todavia, não pode introduzir conceitos ou afirmar fatos, como se verdadeiros fosse, contra aquele que ainda, por certo, não fora declarado culpado, pelos meios judiciais cabíveis”, observou. Para a juíza, a notícia publicada deturpou a imagem do delegado.

A decisão judicial traz uma discussão interessante. Jornalistas têm divulgado documentos sob segredo de Justiça, como os de algumas operações da PF, tal a Anaconda, protegidos pelo manto de uma decisão do ministro Celso de Mello. Por ela, documentos em segredo de Justiça devem ser preservados por autoridades detentoras do mesmo, e jornalistas não são autoridades.

No caso da divulgação da decisão num site de notícias, mantido por policiais, fica a questão: policiais que produzem informações de interesse jornalístico devem ainda ser enquadrados como detentores da defesa do segredo de Justiça?

Na sentença, a juíza Érika Souto Camargo invoca o inciso X do artigo 5º da Constituição, que “repele a publicação de cunho deturpado da imagem, da vida privada e da intimidade alheias”. Para ele, “os réus publicaram não uma notícia, mas praticamente uma denúncia, fundada em documentos sigilosos, dos quais não poderiam ter usufruído, já que é passível de provas mais contundentes decorrentes da aplicação do devido processo legal que sequer havia sido instaurado, na época do relatório.”

A juíza ainda sustenta que “não é novidade que alguns integrantes da Polícia Federal têm contribuído para a devassa do sigilo ou segredo de Justiça, prejudicando investigações e processos judiciais e punindo sumariamente pessoas inocentes”.

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