Maternidade sigilosa

Se Estado cumprisse seu papel não precisaria de parto anônimo

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23 de fevereiro de 2008, 0h00

O abandono de bebês vem crescendo no Brasil. Recém-nascidos são entregues à própria sorte, deixados em valas com esgoto, pastos, em sacos de lixo boiando em rios, armários, portas de residências, hospitais, ou, simplesmente, largados na rua. Para tentar minimizar esse grave problema social, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) vai encaminhar ao Congresso Nacional, no próximo dia 3 de março, um anteprojeto de lei que trata do parto anônimo.

A idéia é dar às crianças indesejadas e abandonadas condições para que possam usufruir direitos constitucionalmente assegurados: direito à vida, à dignidade humana e à proteção especial.

A proposta prevê que gestantes interessadas em encaminhar seus filhos para adoção recebam tratamento diferenciado nos hospitais, com garantia de sigilo. Passados 30 dias do parto, as crianças seriam encaminhadas a instituições que se encarregariam da adoção.

O projeto já se tornou polêmico, pois, segundo especialistas conservadores, seria uma reedição do que se chamava, tempos atrás, de “roda dos expostos”. Era uma roda de madeira com “portinhas”, nas dependências externas, normalmente em Santas Casas de Misericórdia. Na “roda dos expostos”, os pais que não desejavam seus filhos, normalmente recém-nascidos, lá os colocavam para que fossem adotados.

Foi divulgado há pouco o caso de um médico que foi adotado quando criança e descobriu recentemente ter sido recolhido da “roda dos expostos”. Ele se considera um afortunado, pois foi adotado por uma família que lhe proporcionou uma boa condição e qualidade de vida, possibilitando-lhe ser médico, exercendo sua profissão até hoje.

O parto anônimo é sim uma forma de reativar a “roda dos expostos”, mas de forma legalizada e em melhores condições para o acolhimento das crianças. Com a regulamentação do parto anônimo, as mães interessadas poderão deixar os bebês nos hospitais ou postos de saúde para a adoção sem ter de registrar a criança em seu nome e sem precisar sequer se identificar. A adoção será menos burocrática por não envolver o registro de pai e mãe nos documentos, isto é, sem a necessidade de fazer a destituição do poder familiar.

O parto anônimo surgiu em diversos países da Europa como solução para a condição desumana em que são deixadas as crianças. Na Áustria, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Estados Unidos, o parto anônimo é legalizado.

É o que se pretende agora no Brasil, sob intensa polêmica. A mãe teria o direito de se manter no anonimato e direito a acompanhamento pré-natal, podendo com antecedência manifestar seu interesse em não exercer a maternidade em relação ao filho que vai nascer.

Os recém-nascidos também seriam entregues sem que a mãe precisasse se identificar, e esta seria submetida a tratamento psicológico. A criança permaneceria no hospital por 30 dias, prazo concedido para que algum parente pudesse reclamá-la. Após esse prazo, seria encaminhada à adoção e a identidade da mãe, caso o hospital dela dispuser, só seria revelada por determinação judicial.

O parto anônimo não é a maneira ideal para evitar as tragédias que se abatem sobre um número cada vez maior de crianças. O país deveria dar mais atenção à formação sexual de nossas crianças e também enfrentar mais abertamente a questão do aborto, confrontando-se com a igreja, evidentemente. E fazer o mesmo com anticoncepcionais e preservativos, cujo uso é veementemente combatido pelos representantes da igreja católica.

A informação abundante e acessível por certo evitaria tantos abandonos e tanto sofrimento para aqueles que são deixados à própria sorte. Se o estado cumprisse o seu papel, não haveria necessidade de reinventar a “roda dos expostos”. Mas, como a educação exige muito tempo e dinheiro para se traduzir em prática, creio que o parto anônimo cumprirá, mesmo de forma enviesada, o papel de proteger aqueles que nada podem fazer além de chorar mais e mais alto para serem salvos.

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