Cartões corporativos

Senador tem prazo para provar que Lula não quer informar gastos

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22 de fevereiro de 2008, 17h10

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, defendeu que ninguém, nem mesmo o presidente da República, pode se eximir de prestar contas à sociedade. Ele reforçou a exigência de publicidade dos atos públicos ao analisar pedido para que o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentasse os gastos com cartões corporativos. A decisão sobre o assunto, no entanto, ainda não foi dada por Celso de Mello. Ele deu prazo de dez dias para que o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), autor do pedido, apresente provas de que o presidente se negou a fornecer informações sobre gastos de cartões corporativos da Presidência.

O senador afirmou que o gabinete de Lula se recusou a passar as informações com o argumento de proteger a segurança nacional. O ministro explicou que, no pedido de Mandado de Segurança, tem de haver provas de que a conduta questionada é atribuída ao impetrado do pedido. Ou seja, o senador tem de provar que quem se recusa a passar os dados é, de fato, o presidente Lula, e não a funcionários seus, ainda que obedecendo a ordens. Se não ficar provado que o autor da recusa é mesmo Lula, não cabe ao Supremo Tribunal Federal analisar o pedido de Mandado de Segurança, explicou Celso de Mello.

O ministro disse que, caso os documentos necessários para a prova sejam negados, cabe a intervenção da Justiça. Caso contrário, a produção de provas é tarefa do autor do pedido.

Olhos no governo

Embora não tenha mandado Lula apresentar as contas imediatamente, o ministro Celso de Mello mostrou qual é seu entendimento: os gastos públicos têm de ser de conhecimento da sociedade. “A Constituição republicana de 1988 dessacralizou o segredo e expôs todos os agentes públicos a processos de fiscalização social”, disse.

Ele lembrou que o mistério já foi adotado pelo país durante a ditadura, de 1964 a 1985. Usou o exemplo para ressaltar que a falta de publicidade é característica de um sistema autoritário, o que não é o caso do país, Estado Democrático de Direito. “Os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, como o Brasil, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo — que tem, na transparência, a condição de legitimidade de seus próprios atos — sempre coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e os direitos dos cidadãos.”

Além de Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio já se manifestou publicamente a favor da publicidade dos gastos com cartão corporativo.

Veja o despacho do ministro Celso de Mello

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.141-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

IMPETRANTE(S): ARTHUR VIRGÍLIO DO CARMO RIBEIRO NETO

ADVOGADO(A/S): GUSTAVO GUILHERME BEZERRA KANFFER E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

DESPACHO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado em face do Senhor Presidente da República, em razão de alegado desrespeito, por parte do Chefe do Poder Executivo, “ao art. 49, inciso X, da Constituição de 1988, decorrente de comportamento que – segundo sustenta o autor da presente ação mandamental – teria frustrado(…) direito subjetivo e constitucional, líquido e certo, do parlamentar ora Impetrante (…)” (fls. 02).


OS FUNDAMENTOS DA PRESENTE IMPETRAÇÃO MANDAMENTAL

O autor deste “writ” mandamental – ao imputar, ao Poder Executivo, omissão consistente em “(…) prestar contas da administração dos bens e valores por ele gerenciados (…)” (fls. 04) e ao afirmar que “(…) a explícita negativa ao acesso das informações sobre a utilização de tais recursos configura uma afronta aos princípios da harmonia e independência dos Poderes (…)” (fls. 04) – apóia a sua pretensão na alegação de que, como Senador da República, dispõe do direito subjetivo “(…) de exercer o poder fiscalizador incontestavelmente delegado ao Poder Legislativo, nos termos do art. 70 da Constituição Federal (…)” (fls. 03).

Eis, em síntese, os fundamentos que dão suporte ao pleito ora submetido ao exame desta Suprema Corte (fls. 04/07 e 14):

O Excelentíssimo Senhor Presidente da República, nos termos do inciso II do art. 84 da Constituição Federal, exerce, com auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal. Tem a competência constitucional de se pronunciar em nome do Poder Executivo perante as prerrogativas institucionais do Poder Legislativo.

O Congresso Nacional e o Tribunal de Contas da União vêm tentando, por intermédio de todos os mecanismos legais e constitucionais, obter o acesso às informações sobre os gastos do Gabinete do Presidente da República, sem lograr êxito. Em uma relatoria executada pelo TCU, sob o n° TC-016.236/056, a Secretaria-Executiva da Casa Civil da Presidência da República, através de um ofício, solicitou tratamento sigiloso às informações contidas em documentos referentes às despesas com as peculiaridades da Presidência da República. Alegou, fundamentalmente, que tais informações são ‘direta ou indiretamente imprescindíveis a planos e operações de segurança do Presidente e Vice-Presidente da República, seus familiares, e de Chefes de Estados e Governos estrangeiros em visita ao nosso País’. No requerimento apresentado ao Tribunal, argumenta-se que as informações constantes de documentos relativos às despesas examinadas na auditoria são, ainda que indiretamente, imprescindíveis ‘a planos e operações de segurança’ e que, nessa hipótese, caberia restrição à publicidade. Ainda nessa linha argumentativa, nota jurídica elaborada no âmbito do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República enfatiza: ‘vale destacar, também, que nem sequer valores nominais globais discriminados por natureza da despesa devem ser divulgados. Isso porque, insista-se, o valor global do gasto com munição, alimentação, hospedagem e deslocamento – por exemplo – presta-se à mensuração do contingente de homens envolvidos na segurança presidencial. Tal dado, por sua significação estratégica, não pode ser levado ao conhecimento público’.

Em paralelo à fiscalização do TCU, o Ministério Público Federal requisitou à Casa Civil a relação de todos os portadores de cartão de crédito corporativo no âmbito da Presidência da República. Os dados fiscais dos portadores, obtidos junto à Receita Federal, encontram-se atualmente sob análise. Em atendimento à requisição de informações feita pelos Procuradores da República para a correção da sistemática de faturamento e saque prevista para o uso dos cartões de crédito corporativos, como determinado pelo TCU no Acórdão 1783/2004, a Secretaria do Tesouro Nacional informou, em fevereiro de 2005, que foram tomadas providências, ‘adequando-se às determinações impostas pelo Tribunal de Contas da União, impondo à utilização do Cartão de Pagamento do Governo Federal – CPGF – maior segurança e racionalidade’.


Em abril de 2007, o TCU encaminhou ao MPF o resultado do processo de tomada de contas instaurado para examinar a regularidade dos documentos fiscais utilizados para comprovar a realização das despesas efetivadas com o CPGF.

Uma vez que as conclusões, mais uma vez, em nome do sigilo, não abrangeram a análise dos gastos da Presidência da República sob o ponto de vista da sua necessidade, o Ministério Público solicitou ao Tribunal a instauração de novo processo de tomada de contas com esse objetivo.

O Gabinete da Presidência da República, ao negar ao Poder Legislativo, em seu legítimo exercício do poder fiscalizador, o acesso dos gastos públicos referentes aos seus cartões corporativos, entra em flagrante colisão com esses institutos norteadores da administração federal, em especial aos princípios da publicidade e da moralidade pública.

Por todo o exposto, resta incontroverso o direito líquido e certo do Impetrante à legítima proteção de suas prerrogativas, como representante da vontade popular, em ter acesso aos gastos de qualquer órgão da administração pública federal, e, especificamente, no presente, do Gabinete Pessoal do Presidente da República.” (grifei)

A GESTÃO REPUBLICANA DO PODER E A PUBLICIDADE DOS ATOS GOVERNAMENTAIS: UMA EXIGÊNCIA IMPOSTA PELA ORDEM DEMOCRÁTICA E PELO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

O tema ora veiculado nesta sede mandamental – alegada violação ao princípio constitucional da publicidade – reveste-se de indiscutível relevo jurídico, em face do que dispõe a própria Constituição da República.

Tenho salientado, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, que um dos vetores básicos que regem a gestão republicana do poder traduz-se no princípio constitucional da publicidade, que impõe transparência às atividades governamentais e aos atos de qualquer agente público, inclusive daqueles que exercem ou exerceram a Presidência da República.

No Estado Democrático de Direito, não se pode privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo compromete a própria legitimidade material do exercício do poder. A Constituição republicana de 1988 dessacralizou o segredo e expôs todos os agentes públicos a processos de fiscalização social, qualquer que seja o âmbito institucional (Legislativo, Executivo ou Judiciário) em que eles atuem ou tenham atuado.


Ninguém está acima da Constituição e das leis da República. Todos, sem exceção, são responsáveis perante a coletividade, notadamente quando se tratar da efetivação de gastos que envolvam e afetem a despesa pública. Esta é uma incontornável exigência de caráter ético-jurídico imposta pelo postulado da moralidade administrativa.

Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto – nunca é demasiado reconhecê-lo – traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania.

O sistema democrático e o modelo republicano não admitemnem podem tolerar – a existência de regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade. Nenhum membro de qualquer instituição da República, por isso mesmo, pode pretender-se excluído da crítica social ou do alcance do controle fiscalizador da coletividade e dos órgãos estatais dele incumbidos.

A imputação, a qualquer agente estatal, de atos que importem em transgressão às leis revela-se fato que assume, perante o corpo de cidadãos, a maior gravidade, a exigir, por isso mesmo, por efeito de imposição ética emanada de um dos dogmas essenciais da República, a plena apuração e o esclarecimento da verdade, tanto mais se se considerar que o Parlamento recebeu, dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes dos demais Poderes.

Não se poderá jamais ignorar que o princípio republicano consagra o dogma de que todos os agentes públicos – legisladores, magistrados e administradores – são responsáveis perante a lei e a Constituição, devendo expor-se, plenamente, às conseqüências que derivem de eventuais comportamentos ilícitos.

A submissão de todos à supremacia da Constituição e aos princípios que derivam da ética republicana representa o fator essencial de preservação da ordem democrática, por cuja integridade devemos todos velar, enquanto legisladores, enquanto magistrados ou enquanto membros do Poder Executivo.

Não foi por outro motivo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a extensão do princípio da moralidade – que domina e abrange todas as instâncias de poder -, proclamou que esse postulado, enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico, condiciona a legitimidade e a validade de quaisquer atos estatais:

A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado.


O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais.

(RTJ 182/525-526, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

É importante salientar, neste ponto, que o modelo de governo instaurado em nosso País, em 1964, mostrou-se fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe. JOSEPH COMBLIN, “A Ideologia da Segurança Nacional – O Poder Militar na América Latina”, p. 225, 3ª ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), pois privilegiou e cultivou o sigilo, transformando-o em “praxis” governamental institucionalizada, ofendendo, frontalmente, desse modo, o princípio democrático.

Ao assim proceder, esse regime autoritário, que prevaleceu no Brasil durante largo período (1964-1985), apoiou a condução e a direção dos negócios de Estado em concepção teórica – de que resultou a formulação da doutrina de segurança nacional – que deu suporte a um sistema claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas.

Desprezou-se, desse modo, como convém a regimes autocráticos, a advertência feita por NORBERTO BOBBIO, cuja lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra) assinala – com especial ênfase – não haver, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.

Não constitui demasia rememorar, neste ponto, na linha da decisão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamento do MI 284/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO (RTJ 139/712-732), que o novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucional a ser observado, inscrevendo-a, em face de sua alta significação, na declaração de direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República reconhece e assegura aos cidadãos.

Na realidade, os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, como o Brasil, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo – que tem, na transparência, a condição de legitimidade de seus próprios atos – sempre coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e os direitos dos cidadãos.

A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO (“op. cit.”, p. 86), como “um modelo ideal do governo público em público”.


A AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA FAZ INSTAURAR PROCESSO DOCUMENTAL QUE EXIGE A PRODUÇÃO LIMINAR DE PROVAS DOCUMENTAIS PRÉ- -CONSTITUÍDAS

Passo a verificar, agora, se a petição inicial atende, ou não, à exigência inscrita no art. 6º da Lei nº 1.533/51, especificamente aquela que impõe a produção de “documento necessário à prova do alegado”.

Tal observação é feita, porque constato que esta impetração mandamental não se acha instruída com prova literal pré-constituída, imprescindível à comprovação das alegações de omissão e de “explícita negativaimputadas, pelo impetrante, ao Senhor Presidente da República.

Como se sabe, a ação de mandado de segurança faz instaurar processo de caráter eminentemente documental, a significar que a pretensão jurídica deduzida pela parte impetrante há de ser demonstrada mediante produção de provas documentais pré-constituídas, aptas a evidenciar a alegada ofensa a direito líquido e certo supostamente titularizado pelo autor do “writ” mandamental.

A lei exige que o impetrante, ao ajuizar o “writ”, instrua a petição inicial com prova literal pré-constituída, essencial à demonstração das alegações feitas, ressalvada a hipótese de o documento necessário à comprovação das razões invocadas encontrar-se em repartição ou em estabelecimento público, ou, ainda, em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão (Lei nº 1.533/51, art. 6º e seu parágrafo único, e RISTF, art. 114).

A petição inicial, no caso – como já assinalado -, está desacompanhada da prova documental, o que torna invocável a advertência feita pelo saudoso Ministro e Mestre eminente ALFREDO BUZAID (“Do Mandado de Segurança”, vol. I/208, item n. 128, 1989, Saraiva), para quem, “Diversamente do que ocorre com o procedimento comum e com o procedimento especial de jurisdição contenciosa, nos quais à fase dos articuladores se segue, de ordinário, a instrução probatória, a característica do processo de mandado de segurança está em só admitir prova documental pré-constituída (…)” (grifei).

Impunha-se, ao impetrante, por isso mesmo, cumprir a obrigação processual de produzir, desde logo, com a inicial, os documentos essenciais ao exame da postulação veiculada na causa mandamental.

O IMPETRANTE ESTÁ DISPENSADO DE PRODUZIR, DESDE LOGO, A PROVA LITERAL PRÉ-CONSTITUÍDA, SE DEMONSTRAR (COMPROVAÇÃO INEXISTENTE NA ESPÉCIE) QUE A AUTORIDADE COMPETENTE RECUSOU-SE A FORNECER-LHE CÓPIA DO DOCUMENTO OU CERTIDÃO EQUIVALENTE, HIPÓTESE EM QUE SE APLICARÁ O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA LEI Nº 1.533/51


Assinalo, ainda, que o ilustre impetrante sequer justificou essa falta de comprovação documental, com invocação do que prescreve o parágrafo único do art. 6º da Lei nº 1.533/51.

Não se desconhece que “A lei do mandado de segurança assegura ao impetrante o direito de requerer ao magistrado a requisição de documentos necessários à prova do alegado, se a autoridade recusar-se a fornecê-lo ou a fornecer certidão equivalente” (RSTJ 30/22-23, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO).

Com efeito, e tal como adverte o magistério da doutrina, “Se na inicial houver pedido de requisição de documentos, e for caso de deferimento, o juiz ordenará, preliminarmente, a exibição dos originais ou o fornecimento de certidões ou de cópias autenticadas, dentro de dez dias, e, após sua apresentação, ordenará a notificação e as intimações devidas; se os documentos estiverem em poder do próprio coator, a requisição será feita com a notificação (art. 6º, parágrafo único, da Lei n. 1.533/51, com a redação dada pela Lei n. 4.166/62)” (HELY LOPES MEIRELLES, “Mandado de Segurança”, p. 79/80, item n. 11, 30ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, 2007, Malheiros).

Cabia, no entanto, ao ora impetrante, caso pretendesse invocar o preceito legal em questão (o que, simplesmente, deixou de fazer na espécie), provar a recusa das autoridades administrativas em lhe fornecer, ainda que por certidão, o teor dos documentos necessários à comprovação de que a omissão ou a negativa seriam imputáveis, direta, pessoal e imediatamente, ao Senhor Presidente da República.

É importante assinalar que, em sede de processo mandamental, “A iniciativa da apresentação de provas cabe às partes, sendo excepcional a intervenção do juiz” (CELSO AGRÍCOLA BARBI, “Do Mandado de Segurança”. p. 171, item n. 215, 10ª ed., 2002, Forense).

A EXISTÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DOS FATOS CONSTITUI REQUISITO PROCESSUAL INDISPENSÁVEL À IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA

Cumpre acentuar, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal já deixou consignado que a discussão em torno do próprio significado de direito líquido e certo – que traduz requisito viabilizador da utilização do “writ” mandamental – veicula matéria de caráter eminentemente processual, mesmo porque a noção de liquidez, “que autoriza o ajuizamento do mandado de segurança, diz respeito aos fatos” (RTJ 134/681, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 171/326-327, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RMS 23.443/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RMS 23.720/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

O direito líquido e certo’, pressuposto constitucional de admissibilidade do mandado de segurança, é requisito de ordem processual, atinente à existência de prova inequívoca dos fatos em que se basear a pretensão do impetrante e não à procedência desta, matéria de mérito (…).

(RTJ 133/1314, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)


A formulação conceitual de direito líquido e certo, que constitui requisito de cognoscibilidade da ação de mandado de segurança, encerra (…) noção de conteúdo eminentemente processual.

(RTJ 134/169, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO)

Daí o incensurável magistério do saudoso CELSO RIBEIRO BASTOS (“Do Mandado de Segurança”, p. 15, 1978, Saraiva), para quem(…) o direito líquido e certo é conceito de ordem processual, que exige a comprovação dos pressupostos fáticos da situação jurídica a preservar. Conseqüentemente, direito líquido e certo é conditio sine qua non do conhecimento do mandado de segurança, mas não é conditio per quam para a concessão da providência judicial” (grifei).

Esse mesmo entendimento é também perfilhado por HELY LOPES MEIRELLES (“Mandado de Segurança”, p. 100, item n. 15, 30ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, 2007, Malheiros), cujo magistério, na matéria, adverte que “Não basta a invocação genérica de uma remota possibilidade de ofensa a direito para autorizar a segurança ‘preventiva’; exige-se prova da existência de atos ou situações atuais que evidenciem a ameaça temida” (grifei).

Registre-se que esta Corte, em sucessivas decisões, deixou assinalado que o direito líquido e certo, apto a autorizar o ajuizamento da ação de mandado de segurança, é, tão-somente, aquele que concerne a fatos incontroversos, constatáveis, de plano, mediante prova literal inequívoca (RE 269.464/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO):

(…) direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco.

(RTJ 83/130, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – grifei)

O mandado de segurança labora em torno de fatos certos e como tais se entendem aqueles cuja existência resulta de prova documental inequívoca”.

(RTJ 83/855, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – grifei)

(…) É da essência do processo de mandado de segurança a característica de somente admitir prova literal pré-constituída, ressalvadas as situações excepcionais previstas em lei (Lei n. 1533/51, art. 6º e seu parágrafo único).

(RTJ 137/663, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO)

Impõe-se observar, finalmente, quanto a este tópico, que não cabe apoiar as alegações constantes desta impetração em notícias veiculadas pelos órgãos de imprensa, eis que – como esta Corte tem decidido (MS 24.422/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MS 24.597/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – MS 25.535/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.) – referências jornalísticas emanadas dos meios de comunicação social não bastam, sob uma perspectiva estritamente processual, para satisfazer a exigência da produção, com a inicial, de prova pré-constituída.


AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO, PELO IMPETRANTE, DE QUE A RECUSA DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS TER-LHE-IA SIDO NEGADA POR ATO DIRETO DO PRÓPRIO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Observo que o ilustre impetrante não atribuiu, ao Senhor Presidente da República, um específico ato concreto que veiculasse “a explícita negativa” de acesso às informações pertinentes aos dados relativos aos cartões corporativos.

Com efeito, a análise da presente impetração evidencia, na realidade, que o ora impetrante sequer apontou, de modo concreto e específico, um só ato, que, imputável ao Senhor Presidente da República, pudesse traduzir situação configuradora de potencial violação a direito líquido e certo alegadamente titularizado pelo autor do presente “writ” constitucional.

O autor desta ação mandamental limitou-se, ao contrário, a atribuir, à “Secretaria-Executiva da Casa Civil da Presidência da República” (fls. 05), ao “Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República” (fls. 05), à “Casa Civil” (fls. 06) e ao “Gabinete Pessoal da Presidência da República” (fls. 16), comportamentos alegadamente lesivos ao seu direito de exercer, como parlamentar, a prerrogativa de fiscalizar os atos e omissões do Poder Executivo.

Vale assinalar, neste ponto, que, tratando-se de mandado de segurança, impunha-se a precisa identificação do ato cuja prática – atual ou iminente – fosse atribuível, considerados os termos desta impetração, ao próprio Presidente da República, “quando (…) responsável pela ilegalidade ou abuso de poder” (CF, art. 5º, LXIX).

É preciso advertir, por isso mesmo, que cabia, ao impetrante, demonstrar, de maneira objetiva, a vinculação direta, pessoal e imediata do Senhor Presidente da República aos comportamentos que, no caso em exame, foram atribuídos, não ao Chefe do Poder Executivo, mas, isso sim, aos órgãos administrativos que compõem a estrutura institucional da Presidência da República.

Isso significa, portanto, que somente imputar atos e omissões à Casa Civil, à Secretaria-Executiva da Casa Civil, ao Gabinete de Segurança Institucional e ao Gabinete Pessoal da Presidência da República não equivale, necessariamente – exceto comprovação documental em contrário (inexistente nos autos) -, a atribuir esses mesmos comportamentos administrativos ao próprio Presidente da República.

E inexiste, como anteriormente ressaltado, qualquer alegação, deduzida nesta sede mandamental, que permita atribuir-se, comprovadamente, ao Presidente da República, determinação no sentido de haver ele restringido o acesso a informações referentes às despesas do Gabinete da Presidência.

Vê-se, portanto, que a demonstração de que o Presidente da República teria negado acesso a determinadas informações revela-se imprescindível no caso ora em exame, pois incumbe, a quem impetra mandado de segurança, comprovar, “ex ante”, mediante prova pré-constituída, a alegação da efetiva ocorrência ou do justo receio de que determinada lesão possa afetar o direito líquido e certo daquele que o invoca.


Essa demonstração, embora necessária, não se fez produzir no presente caso, o que torna pertinente, na espécie, consideradas as alegações deduzidas pelo impetrante, a asserção de que refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o “iter” procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de dilação probatória, consoante adverte a doutrina (ALFREDO BUZAID, “Do Mandado de Segurança”, vol. I/208, item n. 127, 1989, Saraiva) e proclama o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal:

Refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o iter procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de uma fase de dilação probatória.

A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato certo, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca.

(MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Mais do que isso, sem essa necessária comprovação documental, não se instaurará a própria competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciar a presente causa mandamental, pois esta Corte Suprema, tratando-se de membros do Poder Executivo da União, só dispõe de atribuições jurisdicionais para processar e julgar a ação de mandado de segurança, se e quando esta se referir ao Presidente da República (CF, art. 102, I, “d”).

É que, como se sabe, atos de outras autoridades do Poder Executivo da União, como os Ministros-Chefes da Casa Civil e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, são passíveis de correção, em sede de mandado de segurança, por outros órgãos do Poder Judiciário (CF, art. 105, I, “b”, e art. 109, VIII).

Registre-se, neste ponto, que, cuidando-se de mandado de segurança contra atos ou omissões dos Chefes da Casa Civil e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (órgãos e agentes aos quais se atribuiu, na espécie, recusa de fornecimento dos dados sigilosos – fls. 05 e 06), a impetração mandamental deverá ser deduzida perante o E. Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, “b”), eis que referidas autoridades são legalmente qualificadas como Ministros de Estado (Lei nº 10.683/2003, art. 25, parágrafo único, na redação dada pela Lei nº 11.497/2007).

Tratando-se, no entanto, do Chefe do Gabinete Pessoal da Presidência da República, a quem também se atribuiu a ora questionada recusa (fls. 16), cumpre observar que eventual mandado de segurança contra ele impetrado inclui-se na esfera de competência dos juízes federais de primeira instância (CF, art. 109, VIII), pois referida autoridade do Poder Executivo da União, embora dirigindo órgão situado na estrutura administrativa da Presidência da República (Lei nº 10.683/2003, art. 1º, na redação dada pela Lei nº 11.497/2007), não se qualifica como Ministro de Estado (lex cit., art. 25, parágrafo único).


Daí a necessidade, para que se reconheça, no caso, a competência originária desta Corte Suprema, de o ilustre impetrante demonstrar, mediante prova literal pré-constituída, que o Senhor Presidente da República incidiu no comportamento objeto de impugnação na presente ação mandamental.

A EVENTUAL EXISTÊNCIA DE DELEGAÇÃO ADMINISTRATIVA PELA QUAL O PRESIDENTE DA REPÚBLICA HAJA OUTORGADO COMPETÊNCIA A MINISTROS DE ESTADO PARA NEGAR (OU AUTORIZAR) ACESSO A DADOS SIGILOSOS PERTINENTES AOS CARTÕES CORPORATIVOS DESCARACTERIZARÁ A COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Nem se diga, de outro lado, que tais condutas administrativas (expressamente atribuídas, na espécie, à Casa Civil e aos Gabinetes Pessoal e de Segurança Institucional da Presidência da República) teriam sido praticadas “de ordem” do Senhor Presidente da República, pois, ainda que assim o fosse, tais comportamentos resultariamde delegação administrativa informal” (RDA 203/206), o que implicaria o deslocamento, para outro órgão judiciário, que não o Supremo Tribunal Federal, da competência originária para processar e julgar a causa mandamental.

Torna-se claro, desse modo, que, não sendo imputável, ao Senhor Presidente da República, a prática, atual ou iminente, de qualquer ato concreto no contexto específico que se delineia nesta causa, falecerá competência, a esta Suprema Corte, para, em sede originária, apreciar a presente causa mandamental.

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional – e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida -, não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados em “numerus clausus” pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política, consoante adverte a doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2/217, 1992, Saraiva) e proclama a jurisprudência desta própria Corte (RTJ 43/129 – RTJ 44/563 – RTJ 50/72 – RTJ 53/776 – RTJ 171/101-102).

A “ratio” subjacente a esse entendimento, que acentua o caráter absolutamente estrito da competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, vincula-se à necessidade de inibir indevidas ampliações descaracterizadoras da esfera de atribuições institucionais desta Suprema Corte, conforme ressaltou, a propósito do tema em questão, em voto vencedor, o saudoso Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA (RTJ 39/56-59, 57).

Desse modo, e considerando a estrita dimensão constitucional em que se projeta a competência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 171/101, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torna-se inviável reconhecer a possibilidade de ampliação da esfera de atribuições jurisdicionais desta Corte, para apreciar mandado de segurança impetrado contra ato cuja prática concreta não tenha emanado, comprovadamente, do Senhor Presidente da República.


Esse entendimento encontra integral apoio no magistério da doutrina, que ressalta, tratando-se de mandado de segurança impetrado contra ato praticado no exercício de atribuição administrativa delegada, que a competência jurisdicional para apreciar o “writ” mandamental deverá ser definida em razão da qualidade do órgão delegado (Casa Civil, Secretaria-Executiva da Casa Civil, Gabinete de Segurança Institucional e Gabinete Pessoal da Presidência da República, no caso), e não em função da condição hierárquica do órgão delegante – o Senhor Presidente da República, na espécie (VLADIMIR SOUZA CARVALHO, “Competência da Justiça Federal”, p. 162/163, 4ª ed., 2002, Juruá; SÉRGIO FERRAZ, “Mandado de Segurança”, p. 62, item n. 8.3, 3ª ed., 1996, Malheiros; REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, “Delegação Administrativa”, p. 129, item n. 3.3, 1986, RT, v.g.).

É por essa razão que HELY LOPES MEIRELLES (“Mandado de Segurança”, p. 67, item n. 8, 30ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, 2007, Malheiros), ao versar o tema da competência jurisdicional em sede de mandado de segurança impetrado contra ato fundado em delegação administrativa, assim expõe a questão:

As atribuições delegadas, embora pertencentes à entidade delegante, colocam como coator o agente delegado que praticar o ato impugnado (…).

Essa mesma orientação é perfilhada por CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO (“Mandado de Segurança”, “in” “Revista de Direito Público”, vol. 55-56/341-342), cuja autorizada lição foi assim exposta por esse eminente Magistrado e Professor, quando Ministro do hoje extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR):

A Súmula 510 da Corte Suprema (…) é expressa: ‘praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial’.

Isto quer dizer que, feita a delegação de competência, de forma regular, fica o delegado responsável pela solução administrativa, não respondendo o delegante pelos atos que, em tal condição, praticar o delegado.

A competência para o processo e julgamento do mandado de segurança, quando se tratar de ato praticado por autoridade delegada, tendo sido a delegação efetivada no próprio âmbito das entidades políticas – União, Estados e Municípios – será do Juízo ou Tribunal competente para apreciar os atos da autoridade delegada. Assim, se o Ministro de Estado age com delegação de funções do Presidente da República, o Tribunal competente para apreciar mandado de segurança impetrado contra os atos pelo mesmo praticado, em tal situação, é o TFR. O TFR, por sua vez, tem decidido que os atos praticados pelos Secretários Gerais de Ministérios, por delegação do Ministro de Estado, são examinados, via do mandado de segurança, pelo Juiz Federal.” (grifei)

Cabe enfatizar, por necessário, que esse entendimento reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, constituindo, até mesmo, objeto da Súmula 510 desta Corte Suprema, cujo conteúdo está assim enunciado: “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

Essa diretriz jurisprudencial tem orientado, invariavelmente, os sucessivos pronunciamentos desta Suprema Corte sobre a questão ora em exame (RTJ 46/748 – RTJ 75/689 – RE 78.018/DF – MS 20.207/DF – MS 23.871-MC/DF):


MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA. ATO PRATICADO COM FUNDAMENTO EM DELEGAÇÃO ADMINISTRATIVA. SÚMULA 510/STF. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL DECIDIDA POR MINISTRO DE ESTADO, NO EXERCÍCIO DE PODERES DELEGADOS PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA (DECRETO 3.035/99). COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MANDADO DE SEGURANÇA DE QUE NÃO SE CONHECE.

Tratando-se de mandado de segurança contra ato praticado no exercício de poderes administrativos delegados, a competência jurisdicional para apreciar o writ mandamental é aferida em razão da qualidade da autoridade delegada (o Ministro de Estado, no caso) e não em função da hierarquia da autoridade delegante (o Presidente da República, na espécie).

Sendo, a autoridade coatora, um Ministro de Estado, cabe, ao Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, b), e não ao Supremo Tribunal Federal, processar e julgar, originariamente, o mandado de segurança que objetive invalidar a demissão veiculada em portaria ministerial, não obstante essa punição disciplinar tenha derivado de ato praticado no exercício de competência meramente delegada. Doutrina. Jurisprudência. Súmula 510/STF.

(MS 23.559-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Essa mesma orientação tem sido igualmente perfilhada pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

ATO ADMINISTRATIVODE ORDEM’ – DELEGAÇÃOCONTROLE JUDICIAL.

– O ato praticado ‘de ordem’ resulta de delegação administrativa informal.

– Compete à Justiça Federal de primeiro grau conhecer de Mandado de Segurança contra ato de delegado regional praticado ‘a ordem’ do Ministro de Estado.

(RDA 203/206, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS – grifei)

CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO EDITADO, POR DELEGAÇÃO DE MINISTRO DE ESTADO. SÚMULA 510-STF. INCOMPETÊNCIA DO STJ.

I – Se a autoridade administrativa edita o ato, em virtude de delegação conferida pelo Ministro de Estado, a competência para processar e julgar o mandado de segurança não se desloca, em razão da pessoa deste último, mas se fixa tendo em vista a hierarquia da autoridade delegada.

II – A teor do enunciado da Súmula 510-STF, uma vez praticado o ato por autoridade no exercício de competência delegada, é contra esta que cabe o mandado de segurança.

III – Mandado de segurança de que se não conhece. Decisão unânime.


(MS 3.838/PA, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO – grifei)

O extinto Tribunal Federal de Recursos, por sua vez, também observava esse mesmo entendimento jurisprudencial:

CONSTITUCIONAL e PROCESSUAL CIVIL.

Competência.

Mandado de Segurança.

1. Se o ato foi praticado por delegação ou subdelegação de competência, a impetração deve ser dirigida contra a autoridade que detém os poderes delegados (Súmula 510 do STF).

2. Este Tribunal não é competente para conhecer mandado de segurança dirigido contra ato de autoridade submetida à jurisdição da Justiça Federal de primeiro grau, que o praticou em razão de delegação ou subdelegação de Ministro de Estado.

3. Mandado de segurança de que não se conhece.

(MS 110.049/DF, Rel. Min. BUENO DE SOUZA – grifei)

Em suma: é preciso ter presente – consoante adverte CAIO TÁCITO (“Delegação de Competência”, “in” “Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro”, vol. XV/155-156, Borsoi) – que, “Embora atuando em conseqüência da delegação recebida, o delegado age, autonomamente, segundo seu próprio entendimento. A delegação não se confunde com a representação. O delegado não age em nome e em lugar do delegante, mas atua por força de competência legal que lhe foi transferida” (grifei).

Em conseqüência desse entendimento, cabe reconhecer, em tema de delegação administrativa, que a autoridade delegada fica “responsável pelo exercício ou prática das atividades delegadas, pois seria absurdo que o delegante transferisse atribuições e continuasse responsável por atos que não praticou”, conforme acentua, em clara lição sobre a matéria, ODETE MEDAUAR (“Delegação Administrativa”, “in” “Revista Forense”, vol. 278/21-27, 26).

APLICABILIDADE, AO CASO, DO ART. 284 DO CPC

Todas essas razões que venho de expor no presente despacho justificam-se no caso em exame, porque ausente, na petição de impetração mandamental, a necessária e indispensável produção de prova literal pré-constituída.

Muito embora pudesse, desde logo, aplicar o disposto no art. 8º da Lei nº 1.533/51, entendo adequado permitir-se, à parte impetrante, que, no prazo de 10 (dez) dias a que se refere o art. 284 do CPC, complemente a petição inicial com as provas documentais que julgar necessárias para o exame da presente causa mandamental, especialmente aquelas que vinculem, diretamente, o Senhor Presidente da República – autoridade cujos atos estão sujeitos, em sede mandamental, à competência originária desta Suprema Corte – ao comportamento ora qualificado como lesivo ao direito vindicado pelo ilustre impetrante.

A aplicação, no caso, dessa regra legal – além de encontrar suporte em autorizado magistério doutrinário (CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, “Manual do Mandado de Segurança”, p. 110, cap. 9º, 3ª ed., 1999, Renovar; HELY LOPES MEIRELLES, “Mandado de Segurança”, p. 80, item n. 11, 30ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, 2007, Malheiros; CASSIO SCARPINELLA BUENO, “Mandado de Segurança”, p. 74, 3ª ed., 2007, Saraiva, v.g.) – tem o beneplácito da prática processual desta Suprema Corte (MS 24.812-AgR/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – MS 24.820/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – MS 25.818-MC/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – MS 25.882-MC/DF, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – MS 26.145/DF, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, assino, ao impetrante, sob pena de indeferimento do pedido, o prazo de 10 (dez) dias, para que, nos termos do art. 284 do CPC, produza, nos autos, as faltantes e indispensáveis provas documentais ora referidas.

Publique-se.

Brasília, 22 de fevereiro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO

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