Pagamento voluntário

Multa pelo não cumprimento de decisão daria rapidez à execução

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22 de fevereiro de 2008, 13h31

I. Introdução

A grande preocupação da ciência processual contemporânea está relacionada não apenas ao acesso à Justiça, mas à eficiência da Justiça, que se traduz, em última análise, na efetividade da tutela jurisdicional.

O direito à tutela jurisdicional, enquanto garantia constitucional fundamental (CF, artigo 5º, inciso XXXV), deve ser entendido como direito à tutela efetiva.

Isso porque o estado, ao proibir aos jurisdicionados o exercício da autotutela, resguardando para si o monopólio da função jurisdicional, assumiu o dever de prestá-la de maneira eficiente, como ocorre com todo e qualquer serviço estatal, por imperativo constitucional, nos termos do artigo 37, caput, da Constituição Federal.

E tutela efetiva é aquela capaz de propiciar ao titular do direito substancial a mesma situação jurídica ou os mesmos efeitos a ele assegurados no plano jurídico-material.

O tempo, no entanto, na atualidade constitui um dos maiores entraves à efetividade da tutela jurisdicional.

A excessiva demora na tramitação processual atua como fator altamente nocivo à efetividade do processo, comprometendo o resultado útil da tutela concedida.

Além disso, a duração demasiada do processo tem servido, em muitos casos, de verdadeiro incentivo ao devedor contumaz, que se aproveita para desrespeitar contratos e descumprir deveres e obrigações assumidas.

Também tem estimulado reprováveis condutas processuais, como a do litigante que, mesmo ciente da total falta de amparo à tese defendida, escora-se na morosidade judicial para atrasar o quanto possível o cumprimento da obrigação que lhe incumbe, com a utilização de recursos e incidentes absolutamente infundados, impondo ao titular do direito injustificável e odiosa privação do bem da vida que lhe é assegurado por lei.

Nesse contexto, as sucessivas reformas por que tem passado a legislação processual civil pátria, especialmente nos últimos anos, visam, em sua imensa maioria, minimizar as mazelas decorrentes da longa duração do processo.

Exemplo emblemático disso é o instituto da tutela antecipada, inserido pela Reforma de 1994 do Código de Processo Civil, que permite, já no início do processo, após cognição sumária, conceder o bem da vida pretendido, ou alguns de seus efeitos, àquele que se apresenta como provável titular do direito afirmado, resguardada, na medida do possível, a viabilidade do retorno ao status quo ante, a fim de não causar lesão irreversível ao eventual direito do demandado.

Mais recentemente, a Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004, inseriu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Carta Magna, elevando à categoria de garantia fundamental o “direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Como toda norma principiológica, a garantia constitucional em questão determina uma idéia central que deve reger o sistema processual brasileiro, servindo de alicerce para a elaboração e interpretação de todas as regras processuais infraconstitucionais[1].

Assim, objetivando regulamentar o princípio da razoável duração do processo, foi recentemente aprovada uma série de leis que modificaram diversos dispositivos do Código de Processo Civil.

Podem ser citadas, a título exemplificativo: Lei 11.187, de 19.10.2005 (modificou a disciplina do recurso de agravo), Lei 11.276, de 07.02.2006 (introduziu a denominada “súmula impeditiva de recurso”), Lei 11.277, de 07.02.2006 (autoriza o juiz a rejeitar liminarmente petições iniciais em caso de “processos repetitivos”), Lei 11.280, de 16.02.2006 (introduziu modificações relativas à exceção de incompetência e à prática de atos processuais em geral) e, por fim, a Lei 11.382, de 06.12.2006 (produziu consideráveis modificações no processo de execução de títulos extrajudiciais).

Esse, pois, o ambiente legal e jurídico existente ao tempo da entrada em vigor da Lei 11.232/05, que, alterando substancialmente o procedimento para execução dos títulos executivos judiciais, passou a prever a imposição de multa automática ao devedor que deixa de cumprir espontaneamente a obrigação pecuniária decorrente de comando judicial.

II. O desacreditado processo de execução brasileiro e a necessidade de mudanças estruturais.

Como é de conhecimento geral, o problema da excessiva demora na solução dos litígios e da falta de efetividade dos provimentos jurisdicionais, tratado na introdução, apresenta-se ainda com maior intensidade no que se refere ao processo de execução.


A execução seja porque embasada em documento considerado pela lei como prova pré-constituída de obrigação certa, líquida e exigível (título extrajudicial), seja porque assentada em decisão proferida pelo próprio órgão jurisdicional (título judicial), dispensa o processo cognitivo e destina-se, desde logo, à realização prática do direito já reconhecido.

Por sua própria natureza, portanto, o processo de execução deveria ser o mais célere e satisfatória.

Todavia, a função jurisdicional executiva, no contexto geral das demais funções jurisdicionais do Estado, passa, nos dias atuais, por profunda crise.

Segundo pesquisas realizadas nos mais diversos tribunais pátrios, excetuando-se as execuções fiscais, somente cerca de 20% (vinte por cento) do número de execuções iniciadas em todo o país chegam a ser finalizadas[2].

E isso se dá por diversos motivos, podendo ser citados, em primeiro lugar, os obstáculos impostos pela realidade econômica.

Como bem ponderado pelo ilustre professor Araken de Assis, de nada adianta o ordenamento jurídico assegurar que o devedor responde pelo cumprimento da obrigação com seus bens se efetivamente não possuir bem algum[3]. Nem a mais rigorosa sanção imposta pela lei processual é capaz de tornar frutífera a execução proposta em face de devedor destituído de patrimônio.

Além disso, nos dias atuais, são diversas as formas utilizadas pelos devedores para escamotear seus bens e os meios disponíveis para se executar ainda não se adaptaram a essa nova realidade.

A par de todas essas dificuldades, verificam-se ainda obstáculos colocados pela própria legislação processual, que não prevê meios efetivos para evitar que a conduta maliciosa do devedor cause constantes embaraços à satisfação do direito tutelado.

Intentando modificar essa difícil realidade e aprimorar a prestação jurisdicional, a Lei 11.232/05 trouxe importantes alterações no que concerne à execução dos títulos executivos judiciais.

O esforço legislativo foi, sem dúvida alguma, no sentido de simplificar a execução de título judicial.

Dentre as importantes alterações trazidas pela Lei 11.232/05 estão: o fim da citação do devedor para início da execução (ou cumprimento) da sentença, a supressão do direito do devedor de nomear bens à penhora, a extinção dos Embargos à Execução com efeito suspensivo automático (exceto nas execuções contra a Fazenda Pública) e a imposição de multa ao devedor que não cumprir espontaneamente a obrigação em quinze dias, o que constitui o objeto central do presente estudo.

Em nosso entender, para se interpretar corretamente a Lei 11.232/05 é preciso considerar que ela decorre de uma imposição constitucional, à vista do direito fundamental à razoável duração do processo e à efetividade da tutela jurisdicional, princípios ligados à dignidade da pessoa humana.

Além disso, não se pode perder de vista que a execução de condenação pecuniária parte do pressuposto de que o direito já foi reconhecido judicialmente.

Bem por isso, considerando-se que nesses casos, via de regra, já decorreu todo o moroso trâmite processual, com a ampla possibilidade de defesa e produção de provas, em que pese a inafastável observância do devido processo legal, não se pode elevar o direito de defesa do devedor a tal categoria a ponto de justificar a prorrogação indefinida do comando judicial.

III. Efetivação da sentença no mesmo processo — Fim da dualidade processo de conhecimento/processo de execução

Sem dúvida alguma, a alteração procedimental mais substancial trazida pela Lei 11.232/05 foi a reunião da ação de conhecimento e ação de execução na mesma relação jurídico-processual.


Como é sabido, de acordo com a natureza do litígio posto em juízo e da pretensão deduzida, a tutela jurisdicional, segundo a doutrina dominante, pode ser classificada em declaratória, constitutiva e condenatória (classificação ternária), ou ainda executiva lato sensu e mandamental (classificação quinária).

O provimento meramente declaratório tem por efeito simplesmente extirpar a incerteza, tornando indiscutível, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou não de uma relação jurídica ou a falsidade ou não de um documento. O provimento constitutivo, por sua vez, além de declaração, contém em si a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica.

Ambos os provimentos (declaratório e constitutivo), dada a natureza da própria relação subjacente de direito material, são suficientes, por si sós, para a satisfação do titular do direito.

De fato, aquele que postula, simplesmente, o reconhecimento de paternidade, satisfaz-se com o resultado positivo da demanda, qual seja, o reconhecimento judicial da relação de parentesco (tutela declaratória). É o que também ocorre com aquele que pretende a extinção da sociedade conjugal por meio de ação de separação (tutela constitutiva negativa).

O mesmo, todavia, não ocorre com as tutelas condenatórias (assim como a executiva lato sensu e mandamental). Nesses casos, o simples comando judicial mostra-se insuficiente para a satisfação do titular do direito violado.

Isso porque a tutela condenatória dirige um comando ao réu, impondo-lhe o comportamento previsto pelo direito material. Sua observância depende, portanto, da conduta a ser adotada pelo destinatário da sanção.

Assim, se mesmo após a concessão da tutela condenatória o réu permanece inerte, insistindo no inadimplemento, haverão de ser praticados atos posteriores, destinados a atuar praticamente o comando judicial. Há necessidade, em outras palavras, de execução forçada da obrigação, o que se faz por atos de sub-rogação realizados pelo Estado, ou ainda, pela aplicação de sanções coercitivas, com o fim de influir psicologicamente na vontade do devedor.

O Código de Processo Civil de 1973, em sua redação original, seguindo a tradição do direito romano, na hipótese de não cumprimento espontâneo do comando judicial condenatório pelo réu, estabelecia, em regra, a necessidade de um novo processo para esse fim (processo de execução).

Nesse passo, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, permanecendo o inadimplemento, cumpria ao autor dar início ao processo de execução, com nova citação do réu (executado), agora para cumprimento da decisão, sob pena de expropriação de seus bens.

Contudo, em hipóteses específicas, o próprio Código de Processo Civil, desde os idos de 1973, já excepcionava essa regra, como ocorria com as ações possessórias. Nessas espécies de ações, a sentença proferida já não extinguia o processo, pois mesmo que não impugnada abria espaço para, na seqüência, dar início aos atos de satisfação do direito reconhecido na decisão, tudo no mesmo processo, sem necessidade de instauração de uma nova relação jurídico-processual.

O binômio condenação-execução entendido como regulamentação das atividades cognitiva e executiva do Estado em processos autônomos, também já havia sido relativizado com o advento da Lei 8.952/94, que modificou o procedimento de efetivação das sentenças proferidas em ações que versam obrigação de fazer, não fazer e de dar coisa (artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil).

Agora, a Lei 11.232/05, albergando solução legislativa já conferida a outras modalidades de tutela jurisdicional, pôs fim à dicotomia entre processo de conhecimento e processo de execução também no que se refere às ações condenatórias de pagamento de soma em dinheiro.

Assim, atualmente, a sentença que julga procedente o pedido de condenação de pagamento em dinheiro não mais extingue o processo, encerrando apenas uma fase do mesmo (ou o procedimento em primeiro grau) em caso de recurso, ou dando espaço para a realização de atos executivos, satisfatórios do direito reconhecido na sentença, em caso de não impugnação da decisão.


A esse novo processo, que reúne atividades cognitivas e executivas, a doutrina atribui o nome de processo sincrético (justamente pela diversidade da natureza das atividades jurisdicionais nele prestadas).

Cumpre observar, no entanto, que a execução da sentença condenatória de quantia em dinheiro, mesmo em face da disciplina do artigo 475-J, do Código de Processo Civil, não é imediata, dependendo, ainda, do requerimento do credor.

Segundo os professores Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina[4], exatamente por essa razão, mesmo diante da nova disciplina legal, a sentença proferida nas ações condenatórias de quantia em dinheiro não possui a mesma eficácia das sentenças referidas nos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil.

Isso porque as sentenças denominadas de “executivas lato sensu” cumulam, na mesma decisão, a condenação e a determinação de atos de execução, ao passo que na ação condenatória a que se refere o artigo 475-J, a determinação dos atos de execução depende de requerimento do credor posterior à sentença, não estando contida na própria decisão[5].

O mesmo se pode dizer no que se refere à liquidação da sentença, observando-se, todavia, que pela sistemática atualmente em vigor, o procedimento para liquidação da sentença inicia-se com o requerimento do credor seguido de intimação (e não mais citação) do devedor, na pessoa de seu advogado (artigo 475-A, § 1º, do Código de Processo Civil).

Feitas essas considerações, passaremos a analisar então, especificamente, a multa pelo não cumprimento espontâneo da obrigação, inserida no artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil, e sua contribuição para a efetividade da tutela executiva.

IV. A multa automática na execução (ou cumprimento) de sentença. Aspectos gerais, cabimento, hipóteses de exclusão e termo inicial do prazo para pagamento.

O artigo 475-J do Código de Processo Civil, inserido pela Lei 11.232/05, impõe, de modo taxativo, a aplicação de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito ao devedor que não cumprir voluntariamente, no prazo de 15 (quinze) dias, o comando judicial.

A lei em questão, nesse aspecto, ampliou as espécies de medidas executivas aplicáveis às sentenças condenatórias de pagamento de quantia em dinheiro, passando a prever uma modalidade de execução indireta da sentença.

De fato, a multa em análise tem natureza de medida executiva indireta (coercitiva), pois tem por finalidade influir no espírito do devedor, de modo a incentivá-lo ao cumprimento espontâneo do comando judicial[6].

Além disso, sua aplicação é automática, por força de lei, independentemente de decisão judicial.

Assim, não cumprida a obrigação reconhecida na decisão judicial no prazo de 15 dias, a multa incide automaticamente sobre o valor devido, não cabendo ao magistrado juízo de valor a respeito de sua aplicação.

Também não pode o magistrado substituí-la por outra medida, ainda que em seu entender seja mais efetiva, pois a lei não deixa margem nesse sentido, incidindo, nesse aspecto, o princípio da tipicidade das medidas executivas.

Não compete ao julgador, ademais, qualquer tipo de “graduação” da multa, eis que seu percentual é fixado ex lege, não podendo ser minorado ou majorado pelo magistrado.

Evidentemente, no entanto, por se tratar de medida coercitiva pecuniária estabelecida em benefício do credor, nada impede que este último renuncie ao direito de cobrá-la do devedor, seja por declaração nos autos, seja por acordo firmado com o devedor.

Além disso, tratando-se de direito disponível, não há óbice para que as partes transacionem no sentido da redução do percentual da multa ou ainda da forma de pagamento.


Discute-se na doutrina pátria, no entanto, as hipóteses de cabimento da medida executiva em questão, ou seja, se a multa seria aplicável apenas em caso de inadimplemento das decisões judiciais transitadas em julgado (em execução definitiva) ou se seria cabível também nos casos de condenação sujeita a reforma em razão da pendência de recurso ao qual não tenha sido atribuído efeito suspensivo (em execução provisória).

Muito embora reconheçamos que o entendimento até então predominante, nesse aspecto, é no sentido da aplicabilidade da multa em sede de execução provisória, ousamos discordar desse posicionamento, pelas razões que passamos a expor.

Em primeiro lugar, em nosso entender, não sendo o texto legal expresso a respeito do assunto, deve-se analisar o escopo da previsão legal, realizando-se, pois, uma interpretação teleológica da norma jurídica.

Ora, o objetivo inequívoco da lei é incentivar o devedor ao cumprimento espontâneo da obrigação imposta na decisão judicial, sem a necessidade de adoção de atos expropriatórios pelo estado.

Não nos parece, todavia, que esse desiderato tem sequer potencial de ser alcançado por meio da imposição da multa coercitiva em sede de execução provisória.

Isso porque, se o devedor não se conformou com a decisão judicial e fez uso da via recursal, submetendo-se, inclusive, ao pagamento das custas recursais e aos eventuais efeitos da sucumbência, é porque espera e confia, ainda que minimamente, na reforma da decisão.

Nesse contexto, estando ainda pendente de julgamento o recurso interposto, em nosso sentir, a imposição da multa coercitiva não terá o condão de incentivar, efetivamente, o pagamento espontâneo nesse momento processual, servindo sua aplicação apenas para elevar o montante da condenação, acarretando enriquecimento sem causa ao credor, o que evidentemente não se coaduna com o espírito da lei.

Ademais, a aplicação da multa pelo não pagamento espontâneo nesse momento processual, configuraria, por vias oblíquas, verdadeiro cerceamento do direito recursal, já que, em última análise, estar-se-ia apenando com multa o regular exercício do direito de defesa pelo executado, o que não pode ser admitido.

Não bastasse o pagamento espontâneo da obrigação, na pendência de recurso da decisão, implicaria perda do interesse recursal, já que, evidentemente, constitui ato incompatível com a vontade de recorrer, incidindo, in casu, o disposto no artigo 503 do Código de Processo Civil[7].

Vale relembrar, outrossim, que a execução provisória constitui uma faculdade do credor de adiantar alguns atos de execução, correndo, no entanto, por sua iniciativa, conta e responsabilidade os atos constritivos praticados sobre o patrimônio do devedor.

Tanto é assim que o exeqüente se obriga, em caso de reforma da decisão, a reparar os danos que o executado haja sofrido (artigo 475-O, inciso I, do Código de Processo Civil).

E o exercício dessa faculdade (execução provisória), se concretiza com o requerimento do credor de expedição de mandado de penhora e avaliação, segundo a própria disciplina da lei 11.232/05 (artigo 475-L).

Assim, admitindo-se a aplicação da multa em sede de execução provisória, pela própria sistemática procedimental, o devedor somente teria ciência da intenção do credor de promover a execução do julgado quando já escoado o prazo para pagamento espontâneo da condenação.

Por via de conseqüência, para não correr o risco de ver aplicada a multa coercitiva, teria o devedor que, espontaneamente, mesmo sem ter ciência da intenção do credor de promover a execução provisória do julgado, antecipar-se ao exercício dessa faculdade, efetuando o pagamento da condenação ainda não definitivamente imposta nos autos.

Em outras palavras, estar-se-ia atribuindo ao devedor a iniciativa de efetuar o pagamento voluntário de condenação ainda não definitiva, mesmo sem ter ciência do exercício ou não, pelo credor, da faculdade de promover a execução provisória do julgado.

Tal imposição ao executado parece-nos, com a devida vênia aos posicionamentos contrários, manifestamente excessivos.[8]

Outra questão que tem gerado controvérsia no âmbito jurisprudencial diz respeito ao cabimento ou não da multa do artigo 475-J na hipótese de descumprimento de acordo judicial.


Não há dúvida de que a conciliação ou a transação homologada judicialmente, assim como o acordo extrajudicial, são títulos executivos judiciais, tal como expressamente prevê o artigo 475-N, incisos III e V, do Diploma Processual. A disciplina a que se submetem, pois, é a da execução (ou cumprimento) de sentença.

No entanto, como é da própria índole da transação, a fim de prevenir ou encerrar o litígio as partes realizam concessões recíprocas sobre o objeto da controvérsia, estabelecendo, no caso de obrigação pecuniária, a redução ou majoração do valor devido, o parcelamento ou a prorrogação do prazo para pagamento, dentre outras estipulações.

É lícito às partes, ainda, estipularem pena convencional para a hipótese de não observância ou de atraso no cumprimento das obrigações assumidas (art. 847, Código Civil), o que realmente se verifica na imensa maioria das avenças.

Diante disso, em nosso sentir, a multa do artigo 475-J, pelo não cumprimento espontâneo da obrigação no prazo de 15 dias, não é aplicável nas hipóteses acima mencionadas, seja porque o prazo legal nem sempre coincidirá com o prazo e a forma de pagamento estipulados entre as partes, seja porque, ao fixarem os termos da transação, as próprias partes já prevêem as conseqüências que advirão em caso de inobservância das obrigações assumidas.

Em suma, nosso entendimento é que, nas hipóteses de transação (em sentido amplo), não há possibilidade de cumular a pena convencional estipulada entre as partes com a multa do artigo 475-J do Código Processual, por absoluta incompatibilidade dos institutos[9].

Ultrapassada a questão do cabimento da multa automática, passa-se a verificar as hipóteses de exclusão.

Como visto, transcorrido o prazo de quinze dias para pagamento espontâneo, a multa é aplicada automaticamente, independentemente de decisão judicial. Não cabe ao juiz, pois, diante das particularidades da causa, ou da natureza do ilícito praticado, relevar a aplicação da multa em questão.

Segundo o entendimento de grande parte dos doutrinadores pátrios, no entanto, isso não impede que a multa seja afastada pelos órgãos jurisdicionais em casos excepcionais, quando comprovado justo impedimento de pagamento espontâneo pelo executado.

Os professores Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina[10] manifestam entendimento no sentido de que a multa não pode incidir em casos em que o cumprimento imediato da obrigação pelo réu seja impossível ou muito difícil, causando gravame excessivo e desproporcional.

Como exemplos, citam as seguintes hipóteses (i) quando o valor da condenação superar o patrimônio do devedor, (ii) o quando os bens do devedor estiverem indisponíveis (por exemplo, em razão de terem sido penhorados em ação movida por terceiro) e ainda (iii) quando o devedor não possuir dinheiro disponível mas apenas móveis ou imóveis de difícil alienação.

Para esses autores, tais circunstâncias podem operar como excludentes da aplicação da multa em questão, desde que o devedor demonstre que o não cumprimento da sentença se deu por fato alheio à sua vontade. Lembram, ainda, que o mesmo ocorre na execução de alimentos, em que o executado pode afastar a incidência da prisão civil se justificar a impossibilidade de cumprir a obrigação.

Evaristo Aragão Santos, em artigo publicado em obra coordenada por Paulo Hoffman[11], também defende algumas hipóteses de exclusão da multa coercitiva do artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil, como a insuficiência patrimonial do devedor e a falta de recursos em espécie, somada à apresentação em juízo, no prazo legal, de bens suficientes e disponíveis para saldar a obrigação.

De nossa parte, reconhecemos, de um lado, a necessidade de realizar uma interpretação sistemática e teleológica do texto legal, o que impõe a exclusão da multa em hipóteses excepcionais, quando demonstrada a impossibilidade de cumprimento da obrigação. De outro turno, no entanto, temos receio de um alargamento indevido das hipóteses de exclusão, o que tornará inócua a medida coercitiva em boa hora inserida pelo artigo de lei em questão.

Além disso, a alargarem-se consideravelmente as hipóteses de exclusão da multa em análise, ter-se-á mais uma fonte de controvérsias a ser decidida pelo juízo da execução, com a conseqüente utilização da via recursal, a superlotar ainda mais os já abarrotados escaninhos dos Tribunais brasileiros.


Por fim, cabe destacar que a multa também não se mantém em caso de acolhimento da impugnação, com a extinção da execução, já que a multa não subsiste autonomamente em relação à obrigação imposta pela sentença.

É o que também ocorre em caso de pagamento parcial da obrigação, pelo devedor, no prazo legal, hipótese em que, pela própria redação do § 4º do artigo 475-J, do Código de Processo Civil, a multa de 10% incidirá apenas sobre o valor remanescente da obrigação.

Tema, ainda, de uma das mais acirradas controvérsias travadas em sede doutrinária e jurisprudencial diz respeito ao termo inicial do prazo para pagamento da obrigação, ou seja, a partir de quando têm início os quinze dias fixados pela lei para cumprimento da decisão judicial, sob pena de incidência da multa.

A redação do artigo 475-J, caput, nada esclarece a respeito do assunto, deixando ao intérprete a tarefa de extrair o exato sentido e alcance da norma jurídica em questão.

Pesquisando o material doutrinário já existente a respeito do assunto constatamos quatro principais correntes firmadas sobre o tema, quais sejam: (i) início do prazo automaticamente a partir do trânsito em julgado da decisão, ou desde que não sujeita a reforma por recurso com efeito suspensivo[12]; (ii) início do prazo a partir da ciência inequívoca das partes (intimação na pessoa do advogado) a respeito da exigibilidade da obrigação[13]; (iii) termo inicial a partir da intimação pessoal do devedor[14]; e ainda (iv) necessidade de prévio requerimento do credor, instruído com memória de cálculos, seguido de intimação do devedor na pessoa de seu procurador[15].

Devemos confessar que, em primeira leitura da Lei 11.232/05, chegamos a nos posicionar no sentido de que o prazo passaria a correr automaticamente do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade de qualquer providência ulterior. Essa solução, sem dúvida, à primeira vista, é a que mais se afeiçoa aos princípios inspiradores da reforma legislativa em análise.

No entanto, após muita reflexão a respeito do assunto, concluímos que, realmente, em razão de diversas dificuldades encontradas no dia-a-dia do foro, a adoção daquele entendimento poderia gerar uma aplicação perversa da multa prevista em lei, sem qualquer correspondência com o objetivo por ela idealizado e em evidente prejuízo do devedor, o que não se pode admitir[16].

Não se pode perder de vista que os princípios da efetividade da tutela jurisdicional e da celeridade nortearam as significativas alterações promovidas pela Lei 11.232/05, devendo, sob esse prisma, ser realizada a exegese do novo texto legal. Todavia, não se pode fazê-lo em total sacrifício da segurança jurídica, princípio também da mais alta relevância no direito processual constitucional.

A atividade jurisdicional não pode acarretar surpresa ao jurisdicionado, nem pode a lei processual criar armadilhas ao devedor, sem estabelecer com segurança, e com prévia ciência das partes, a data exata em que passa a correr o prazo para cumprimento espontâneo do julgado.

Ademais, até mesmo para que seja efetivamente atingido o objetivo da lei, no sentido de incentivar o cumprimento voluntário da sentença, é necessário assegurar-se de que o devedor tem ciência inequívoca a respeito do início do prazo.

Assim, em nosso entender, no caso de trânsito em julgado da sentença em primeiro grau, o juiz deve, de ofício, promover a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, dando ciência de tal circunstância, para que dê cumprimento à decisão em quinze dias. Tratando-se, no entanto, de sentença submetida a recurso, a intimação deve ser realizada quando do retorno dos autos ao primeiro grau para execução do julgado.

O entendimento ora manifestado possibilita que, com o retorno dos autos ao primeiro grau, após o término do segmento recursal, credor e devedor tenham acesso aos autos e possam realizar adequadamente os cálculos dos valores devidos, de forma a cumprir de maneira escorreita o conteúdo da condenação imposta (especialmente no que se refere ao cálculo das custas processuais decorrentes da sucumbência).


Evidentemente que o credor, ciente da exigibilidade da condenação, pode dar cumprimento à decisão judicial antes mesmo do retorno dos autos ao primeiro grau. Não obstante, a fim de garantir segurança jurídica às partes do processo, valor constitucional intransponível, para que seja exigível a multa prevista no artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil, deve ser realizada a prévia intimação do devedor (por meio de seu procurador).

De mais a mais, o artigo 240, do Código de Processo Civil, determina que, salvo disposição em contrário, os prazos para as partes, para a Fazenda Pública e para o Ministério Público contar-se-ão da intimação.

A intimação na pessoa do advogado garante, por um lado, a ciência inequívoca do devedor a respeito do início do prazo para cumprimento do julgado e, de outro, transpõe o antigo problema da não localização do devedor como óbice ao prosseguimento da execução.

Em suma: julgamos imprescindível a ciência inequívoca das partes a respeito do trânsito em julgado da decisão, momento a partir do qual passará a correr o prazo para cumprimento espontâneo do julgado (lembrando que não admitimos a incidência da multa em sede de execução provisória). Tal intimação, em nosso entender, deverá ocorrer na pessoa do advogado, como é a tônica da Lei 11.232/05.[17].

Materialmente, a intimação poderia ser realizada por meio do vetusto “cumpra-se o v. acórdão”, tal como sugerido pelo respeitado professor Cássio Scarpinella Bueno, ou simplesmente por despacho do seguinte teor: “ciência do trânsito em julgado da decisão”.

Nesse sentido são diversos os julgados prolatados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, podendo ser citado, a título ilustrativo, o acórdão prolatado no julgamento do AI nº. 10660091-0/6, de relatoria do Desembargador Antonio Rigolin, que sintetizou o posicionamento da 31ª Câmara da Seção de Direito Privado daquele Tribunal no sentido da “necessidade, tão-somente, da fixação de um marco no processo, relacionado a um posicionamento formal do juiz, e cuja intimação, na pessoa do advogado, propicia a abertura da contagem do prazo”.

Em nosso sentir, essa solução é a que melhor atende aos desígnios da lei e a que melhor possibilita o alcance de seu resultado, qual seja, efetivamente estimular o devedor a cumprir espontaneamente o julgado, sem necessidade de se dar início à execução forçada.

Há que se destacar, no entanto, que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o primeiro Recurso Especial remetido àquela Corte a respeito do assunto, posicionou-se contrariamente ao entendimento acima esposado, entendendo que o prazo para cumprimento espontâneo da obrigação passa a correr imediatamente do trânsito em julgado, sem necessidade de qualquer intimação das partes a esse respeito[18].

V. O efeito coercitivo de sua aplicação.

Como bem frisado anteriormente, a Lei 11.232/05, na linha das recentes alterações promovidas no Código de Processo Civil, trouxe relevantes modificações no que se refere ao procedimento para efetivação da sentença judicial condenatória de pagamento de quantia em dinheiro, ou, mais amplamente, para a realização prática das obrigações pecuniárias reconhecidas nos títulos executivos judiciais.

E a multa automática prevista no artigo 475-J, do Código de Processo Civil, sem dúvida alguma, traduz fielmente esse desiderato, eis que amplia as espécies de medidas executivas aplicáveis às sentenças condenatórias de pagamento de quantia em dinheiro.

O efeito coercitivo da multa em questão é potencializado, ainda, por outra relevante modificação introduzida pela Lei 11.232/05: o fim dos antigos Embargos do Devedor (ou Embargos à Execução) – atualmente restritos à execução de título extrajudicial e à execução contra a Fazenda Pública – e a inexistência de efeito suspensivo automático da impugnação prevista no artigo 475-L, do Diploma Processual.

Deveras, pelo regime jurídico anterior, mesmo os mais infundados Embargos apresentados pelo devedor, enquanto não julgados improcedentes pelo magistrado, tinham o condão de suspender a execução e, conseqüentemente, os atos de expropriação dos bens do devedor.

O expediente, como era de se esperar, acabou se tornando extremamente atrativo ao devedor contumaz, que o utilizava como forma legal de procrastinação do feito, sendo comuns os Embargos fundados em orientação doutrinária e jurisprudencial sabidamente ultrapassada, com o fito único de obter a suspensão dos efeitos da execução, o que impunha ao credor uma odiosa e injustificável espera na obtenção do bem da vida pretendido.


Visando coibir esse tipo de prática, a Lei 11.232/05 revogou a previsão dos Embargos do Devedor na execução de título judicial (cumprimento de sentença) e passou a prever, como forma de defesa do devedor na execução, a apresentação de “impugnação”, incidente processual que não é dotado de efeito suspensivo automático.

Pela sistemática atual, a impugnação somente suspenderá a execução se o juiz atribuir-lhe esse efeito, nas hipóteses em que comprovada a relevância da fundamentação e o risco de dano grave e de difícil e incerta reparação ao devedor com o prosseguimento da execução (artigo 475-M do CPC).

A tendência jurisprudencial, sem dúvida alguma, até mesmo em prestígio às recentes alterações legislativas e em respeito à mens legis, é a de conceder o efeito suspensivo somente em hipóteses absolutamente excepcionais.

Além disso, ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, o credor poderá requerer o prosseguimento da execução oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz (artigo 475-M, § 1º, do CPC).

A Lei 11.232/05, portanto, de um lado, instituiu multa automática de 10% (dez por cento) ao devedor que não efetua o pagamento no prazo legal e, de outro, limitou em muito a possibilidade de suspensão da execução e, por conseguinte, dos atos expropriatórios incidentes sobre o patrimônio do devedor.

Diante desse novo panorama, evidentemente, não havendo relevantes fundamentos a embasar a impugnação, não se afigurará vantajoso ao devedor a utilização do referido expediente, pois além de não suspender o curso da execução, o não pagamento da obrigação no prazo legal fará incidir automaticamente multa de 10% (dez por cento) sobre o débito.

Ao que nos parece, portanto, para os bons pagadores ou, ao menos, para os que efetivamente dispõem de dinheiro ou patrimônio disponível para o pagamento da dívida, a antiga prática de protelar o quanto possível a execução, até mesmo como forma de fazer aumentar o capital eventualmente aplicado em investimentos rentáveis, não mais se apresenta como a alternativa mais vantajosa, eis que, nessa circunstância, o devedor terá de arcar com a multa incidente sobre o débito, além de ter seu patrimônio, desde logo, sujeito aos atos de execução forçada praticados pelo Estado.

Há que se salientar, ainda, que a Lei 11.382/06, que trouxe profundas alterações no que se refere ao procedimento para execução dos títulos executivos extrajudiciais, modificou também a ordem de penhora estatuída no artigo 655 do Código de Processo Civil, determinando que prefere a quaisquer outros bens o dinheiro, seja em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira.

E no artigo 655-A do Código de Processo Civil encontra-se atualmente regulamentada a penhora eletrônica de ativos financeiros, conhecida como penhora on line, prática que já vinha sendo adotada por muitos juízes de primeiro grau e referendada pelos Tribunais estaduais.

Além disso, a lei em questão, com o fito de facilitar a conversão em pecúnia dos bens do devedor, alterou também a ordem de preferência nas formas de expropriação, passando ao primeiro lugar a adjudicação e, na seqüência, a alienação por iniciativa particular, forma de expropriação que dispensa muitas das formalidades e das despesas inerentes à alienação por hasta pública, como a publicação de editais, nova intimação do devedor, etc.

Reforce-se que dispositivos legais acima mencionados aplicam-se inteiramente à execução de título judicial (cumprimento de sentença), por força do disposto no artigo 475-R do Código de Processo Civil[19].

Diante desse novo panorama, segundo pensamos, a aplicação rigorosa, pelos Tribunais, da multa prevista no artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil, terá elevado potencial de alcançar o efeito desejado, no sentido de incentivar o cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor no prazo legal, tornando o procedimento de execução de título judicial mais célere e efetivo.

Assim entendemos no que se refere aos devedores que efetivamente possuem dinheiro ou bens hábeis à satisfação da dívida, patrimônio esse que estará sujeito à imediata expropriação em caso de não observância do comando legal.

No que se refere aos maus pagadores, destituídos de bens, no entanto, diante do princípio da responsabilidade patrimonial (que impede a prisão por dívida), o sucesso da execução dependerá, ainda, de profícua investigação a respeito de eventual fraude praticada no intuito de escamotear os bens de seu patrimônio.

VI. Conclusão.

Depois de expostos todos os fundamentos deste breve estudo, pode-se sintetizar as idéias aqui esposadas da seguinte forma.


A fonte de inspiração da Lei 11.232/2005 foi a conhecida crise do processo de execução brasileiro.

De fato, a excessiva demora no trâmite processual, o excesso de formalidades, enfim, as inúmeras dificuldades impostas à realização prática do direito reconhecido judicialmente levaram, nos últimos anos, ao verdadeiro descrédito do processo de execução brasileiro que, aos olhos dos jurisdicionados, não se apresenta como um instrumento hábil à concretização de seus direitos.

Nesse contexto, estimulada pelo sucesso já obtido nas tutelas específicas de obrigação de fazer ou não fazer e de entregar coisa, bem ainda pela garantia da razoável duração do processo, recentemente inserida na Constituição Federal, a Lei 11.232/05 passou a prever também para as ações condenatórias de pagamento de quantia em dinheiro a possibilidade de executar a decisão judicial no mesmo processo.

Com o mesmo objetivo passou a prever uma espécie de execução indireta dessas sentenças: a multa automática de 10% sobre o valor do débito na hipótese de não observância do comando judicial, pelo devedor, no prazo de quinze dias (artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil).

A par das críticas que possam ser acertadamente dirigidas às dificuldades ainda existentes para a concretização prática das decisões judiciais, em nosso entender, não se pode deixar de reconhecer que as alterações promovidas pela lei em questão são absolutamente consentâneas com a premente necessidade de atribuir efetividade à tutela jurisdicional.

Além disso, em nosso sentir, as referidas mudanças legislativas, vindas em boa hora, têm elevado potencial de alcançar os efeitos práticos almejados.

Especialmente no que se refere à multa pelo não cumprimento voluntário da decisão judicial, o que constituiu o objeto central do presente estudo, reputamos tratar-se de interessante instrumento de coerção do devedor à observância do comando judicial, a dispensar os morosos e dispendiosos atos expropriatórios praticados pelo Estado.

A multa automática tem nítida natureza coercitiva, porquanto visa influir no espírito do devedor de molde a incentivá-lo à observância voluntária da decisão judicial.

Além disso, a aplicação da multa independe de pedido expresso do credor e até mesmo de decisão do magistrado, decorrendo automaticamente do não cumprimento da decisão no prazo legal, o que contribui para a o alcance do resultado almejado.

No que se refere às hipóteses de cabimento da multa automática e ao termo inicial do prazo para cumprimento voluntário do julgado, temas ainda bastante controvertidos em sede doutrinária e jurisprudencial, posicionamo-nos pela não incidência da multa em sede de execução provisória, bem ainda pela necessidade de prévia intimação do devedor, na pessoa do seu advogado (quando houver), a respeito do trânsito em julgado da decisão condenatória, para que então tenha início o prazo legal para cumprimento do comando judicial.

Quanto ao efeito coercitivo da multa automática, conforme expusemos no desenvolvimento deste estudo, entendemos que o mesmo é potencializado pela supressão do efeito suspensivo automático dos antigos Embargos à Execução, substituídos pelo atual incidente de impugnação, que é recebido, em regra, apenas no efeito devolutivo.

Diante desse novo panorama, em nosso sentir, não mais se afigurará vantajosa ao devedor a antiga prática de protelar o quanto possível o cumprimento da decisão judicial, ao menos após a intimação do trânsito em julgado da decisão, pois além da impugnação não mais suspender o curso da execução, possibilitando a continuidade dos atos expropriatórios praticados pelo Estado, o não pagamento da obrigação no prazo legal fará incidir automaticamente multa de 10% sobre o débito.

Em suma, segundo pensamos, a aplicação rigorosa, pelos órgãos jurisdicionais, da multa prevista no artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil, terá elevado potencial de alcançar o efeito prático desejado, qual seja, incentivar o cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor no prazo legal, tornando, por via de conseqüência, o procedimento para a execução de título judicial mais célere e efetivo.

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[1] Segundo o professor José Cretella Júnior: “Princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência.”. Revista de Informação Legislativa, v. 97:7.

[2] Segundo dados extraídos da Revista do Advogado [da Associação dos Advogados de São Paulo]. Novas Reformas do Código de Processo Civil, São Paulo: AASP, nº 85, maio/96.

[3] Cumprimento da Sentença, p. 14/16.

[4] Ibid., p. 80/81.

[5] “Estas sentenças, que a doutrina moderna denomina de executivas lato sensu, cumulam condenação e, imediatamente, determinam a realização de atos executivos. No caso do artigo 475-J do CPC, contudo, percebe-se que o juiz não poderá determinar, na própria sentença, a realização de atos executivos, já que deverá aguardar o requerimento do credor. Pensamos, assim, que, no caso, se estará diante de sentença meramente condenatória, e não executiva lato sensu, e a solução do artigo 475-J do CPC implicou apenas a unificação procedimental da ação condenatória e da ação de execução da sentença condenatória.”

[6] Aliás, justamente em razão da natureza coercitiva da multa em questão, os professores Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina defendem a possibilidade de aplicação cumulada da multa prevista no artigo 14, parágrafo único, do Código de Processo Civil, com o que concordamos, já que esta última tem natureza eminentemente punitiva.

[7] Art. 503. A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer. Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem reserva alguma, de ato incompatível com a vontade de recorrer.

[8] Esse é também o posicionamento adotado pelo ilustre professor Carlos Alberto Carmona, conforme se extrai do artigo de sua autoria intitulado “Novidades sobre a Execução Civil: Observações sobre a lei 11.232/2005”, publicado na obra A Nova Execução de Títulos Judiciais, coord. Sergio Renault e Pierpaolo Bottini, Editora Saraiva, 2006.


[9] A fim de ilustrar a controvérsia travada nos Tribunais a respeito do assunto, remete-se o leitor a dois recentes julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AI 1102359-0/2, 32ª Câmara de Direito Privado, D.J. 09.05.07 e AI 1089834-0/7, 31ª Câmara de Direito Privado, D.J. 13.02.07)

[10] Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil 2, p.136.

[11] Paulo Hoffman (coord.), Processo de Execução Civil – Modificações da Lei 11.232/05, p. 29 e 30.

[12] Nesse sentido é o posicionamento dos ilustres professores Athos Gusmão Carneiro, Araken de Assis, Humberto Theodoro Júnior, José Roberto dos Santos Bedaque, Ernane Fidélis dos Santos, dentre outros.

[13] Partilham desse entendimento os professores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Cássio Scarpinella Bueno, Tereza Arruda Alvim Wambier, Sérgio Shimura, Marcelo Abelha Rodrigues e Carlos Alberto Carmona, dentre outros.

[14] São expoentes desse entendimento Alexandre Freitas Câmara e Evaristo Aragão Santos, além de outros estudiosos do assunto.

[15] Assim entendem Daniel Amorim Assumpção Neves e Dorival Renato Pavan.

[16] Como é de conhecimento daqueles que atuam no dia-a-dia do foro, muitos dos Tribunais estaduais brasileiros, por exemplo, ainda não disponibilizam eficaz sistema de acompanhamento processual pelos jurisdicionados (inclusive pela Internet), o que impede a imediata identificação do trânsito em julgado da decisão, especialmente se o processo corre em Comarca diversa da sede profissional do procurador.

[17] É o que se extrai do disposto no artigo 475-J, § 1º, do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a intimação do auto de penhora e avaliação.

[18] REsp 954859 / RS, 3ª Turma, Des. Rel. Humberto Gomes de Barros, DJ 27.08.2007, p.252.

[19] Art. 475-R – Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.

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