Álcool na estrada

Liminar garante venda de bebida por restaurante no Rio

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22 de fevereiro de 2008, 0h00

Não cabe ao empresário fiscalizar e combater o comportamento dos motoristas. Quem deve prestar esse papel são os órgãos públicos competentes como a Polícia Rodoviária Federal. O entendimento é do juiz da 30ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Alfredo França Neto, que concedeu liminar a SNDA Silveira Restaurante e Lanchonete para que o estabelecimento não seja multado por vender bebidas alcoólicas às margens da BR 493. Cabe recurso.

O juiz considerou inconstitucional a Medida Provisória 415, que proíbe a venda de bebidas nas rodovias federais, já que viola o princípio da livre iniciativa e inviabiliza as atividades da empresa. Alfredo França reconhece que a administração pública deve combater a violência no trânsito de forma eficaz. Mas, segundo o juiz, proibir a venda é transferir uma responsabilidade do poder público ao empresário.

“É, em última análise, uma declaração de incapacidade da administração pública, com a falência progressiva dos seus órgãos públicos, de combater e fiscalizar a prática de condutas ilícitas, ainda que de natureza administrativa”, afirma.

O juiz afirmou ainda que não se pode obrigar os donos de bares e restaurantes a fiscalizar o comportamento dos motoristas. “A forma como os clientes irão fazer uso do referido produto não é questão afeta ao comerciante, que vive do exercício de sua atividade empresarial”, entende.

O Supremo Tribunal Federal já negou liminar a uma churrascaria que contestava a Medida Provisória. O ministro Carlos Alberto Menezes Direito esclareceu que a MP e o Decreto Presidencial 6.366 são normas com efeitos abstratos e não de aplicação concreta, as chamadas normas em tese. Diante disso, aplicou a Súmula 266, que diz que não cabe Mandado de Segurança contra lei em tese.

A proibição de venda de bebidas alcoólicas nas estradas está em vigor desde o dia 1º de fevereiro. Dezenas de restaurantes, bares e supermercados conseguiram liminar para continuar com a comercialização.

Leia a liminar

30ª VARA FEDERAL

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2008.51.07.000080-0

IMPETRANTE: SNDA SILVEIRA RESTAURANTE E LANCHONETE LTDA

IMPETRADO: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

JUIZ: Dr. ALFREDO FRANÇA NETO

DECISÃO

Vistos etc.

SNDA SILVEIRA RESTAURANTE E LANCHONETE LTDA, qualificada na Inicial e inscrita no CNPJ sob o nº 07.328.691/0001-04, impetra o presente Mandado de Segurança, inicialmente ajuizado na 1ª Vara Federal de Itaboraí, contra ato do DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL, porque objetiva, liminarmente, o reconhecimento do seu direito de continuar a vender bebidas alcoólicas à margem da Rodovia Federal e que a Impetrada se abstenha de cumprir a MP nº 415 e o Decreto nº 6.366/08, de forma a suspender a eficácia de eventuais multas decorrentes de fiscalização, abstendo-se, ainda, de fechar o estabelecimento da Impetrante, sob pena de multa diária de 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por penalidade lançada e R$ 100.000,00 (cem mil reais) em caso de fechamento do estabelecimento.

Alega a Impetrante, como causa de pedir a prestação jurisdicional, ter como principal atividade a exploração do ramo de restaurante, lanchonete, casas de chá, de sucos e similares, à margem da BR-493. Afirma que a Medida Provisória nº 415, publicada em 22/01/2008, ao proibir a comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais ou em local contíguo à faixa de domínio com acesso direito à Rodovia, prejudica sua atividade empresária e viola direitos e princípios da Constituição Federal, tais como o da livre iniciativa e o da preservação da empresa. Afirma que não se pode cercear o direito das empresas exercerem a atividade comercial pelo fato de se localizarem em faixa de domínio de Rodovia Federal, eis que não têm qualquer responsabilidade sobre a forma como os consumidores fazem uso das bebidas alcoólicas.

A Inicial acompanha-se dos Documentos de fls. 11/30. Comprovante de recolhimento de custas às fls. 19.

Às fls. 31/32, Decisão da 1ª Vara Federal de Itaboraí declina da sua competência e remete aos autos a uma das Varas Federais do Rio de Janeiro.

Distribuídos os autos a este Juízo, vêm-me os autos conclusos para Decisão.

É o relatório. DECIDO.

In casu, requer a Impetrante, inclusive liminarmente, o reconhecimento do seu direito de continuar a vender bebidas alcoólicas à margem da Rodovia Federal e que a Impetrada se abstenha de cumprir a MP nº 415 e o Decreto nº 6.366/08, de forma a suspender a eficácia de eventuais multas decorrentes de fiscalização, abstendo-se, ainda de fechar o estabelecimento da Impetrante, sob pena de multa diária.

Sobre o tema, a Medida Provisória nº 415, de 21 de janeiro de 2008, assim dispõe, in verbis:

“Art. 1º São vedados, na faixa de domínio de rodovia federal ou em local contíguo à faixa de domínio com acesso direto a rodovia, a venda varejista e o oferecimento para consumo de bebidas alcoólicas.

§ 1º A violação do disposto no caput implica multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).

§ 2º Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro e suspensa a autorização para acesso a rodovia pelo prazo de dois anos.

Art. 2º O estabelecimento comercial situado na faixa de domínio de rodovia federal ou em local contíguo à faixa de domínio com acesso direto a rodovia que inclua entre sua atividade a venda ou o fornecimento de bebidas ou alimentos deverá fixar, em local de ampla visibilidade, aviso indicativo da vedação de que trata o art. 1º.

Parágrafo único. O descumprimento do disposto no caput implica multa de R$ 300,00 (trezentos reais).

Art. 3º Compete à Polícia Rodoviária Federal a fiscalização e a aplicação das multas previstas nos arts. 1º e 2º.

Parágrafo único. Configurada a reincidência, a Polícia Rodoviária Federal comunicará o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT para aplicação da penalidade de suspensão da autorização para acesso a rodovia.

Art. 4º Para os efeitos desta Medida Provisória, entende-se por bebidas alcoólicas as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou acima de meio grau Gay-Lussac.”

É cediço que a Administração Pública deve fiscalizar e combater a violência no trânsito e a mortalidade nas estradas, de forma eficaz e com medidas adequadas a esse desiderato.

Todavia, entendo que a solução encontrada pelo Governo Federal através da Medida Provisória nº 415, de 21/01/2008 é inconstitucional por violar o princípio da livre iniciativa e por inviabilizar a atividade das empresas, além de reconhecer e comprometer a competência e capacidade do Poder Público para coibir a condução de veículos automotivos por indivíduos alcoolizados. É, em última análise, uma declaração de incapacidade da administração pública, com a falência progressiva dos seus órgãos públicos, de combater e fiscalizar a prática de condutas ilícitas, ainda que de natureza administrativa.

O comércio de bebida alcoólica é uma atividade lícita, sendo que as pessoas (inclusive os motoristas, desde que não estejam ao volante de seus veículos, os passageiros e moradores da vizinhança) têm o direito de adquirir tal mercadoria livremente. A forma como os clientes irão fazer uso do referido produto não é questão afeta ao comerciante, que vive do exercício de sua atividade empresarial, mas sim um problema exclusivo da fiscalização e do combate à prática de conduta ilícita, que cabe unicamente ao Poder Público.

Não se pode impor aos estabelecimentos comerciais situados às margens das rodovias o pesado ônus de fiscalizar e de combater o comportamento dos motoristas, devendo tal atividade ser exercida exclusivamente pelos órgãos competentes, entre eles a Polícia Rodoviária Federal, que tem a atribuição de averiguar se os motoristas dirigem alcoolizados, bem como aplicar a penalidade cabível, se for o caso.

Ademais, de nada adianta proibir a venda de bebida alcoólica nos estabelecimentos situados às margens da rodovia, pois a venda continuará livre nas proximidades, bastando ao motorista comprar a mercadoria em outro local para que a finalidade da norma se torne vazia. Como bem afirma o Impetrante em sua inicial, “o fator ‘distância’ entre a rodovia e o local da venda não impedirá o motorista ou qualquer outra pessoa de adquirir a bebida alcoólica.” O ponto fulcral do problema restringe-se, aí, ao exercício da responsabilidade e da cidadania do infrator e nunca de terceiro, tal como o comerciante.

Deve-se considerar, ainda, a função social que as empresas exercem, na medida em que geram inúmeros postos de trabalho, fato este que será comprometido com a proibição em análise, que acarreta, certamente, diminuição da atividade da empresa e, conseqüentemente, redução da sua mão-de-obra de trabalho.

Por fim, em que pese concluir-se que, de fato, não pode o motorista beber e dirigir, isso não significa que deve ser proibida a venda de bebida pelos estabelecimentos comerciais situados às margens da Rodovia, além de alcançar a providência, por exemplo, os demais passageiros do veículo, seja de carro particular, seja de usuários de transporte coletivo, que, de regra, não estão proibidos de ingerir bebidas alcoólicas por todo o percurso da viagem.

Deve a Administração buscar uma política pública consentânea e adequada ao fim almejado, sem transferir ao setor privado sua função basilar de segurança pública, como acontece in casu, em que fica a dúvida para a população de não ter o poder público meios e recursos suficientes para coibir a utilização de bebidas alcoólicas pelos condutores de veículos automotores, os verdadeiros infratores da norma legal que se contém no Código de Trânsito Brasileiro.

Isto posto, DEFIRO A LIMINAR para reconhecer o direito do Impetrante em continuar a vender bebidas alcoólicas à margem da Rodovia Federal e determino que a Impetrada se abstenha de cumprir a MP nº 415 e o Decreto nº 6.366/08, de forma a suspender a eficácia de eventuais multas decorrentes de fiscalização, abstendo-se, ainda, de fechar o estabelecimento da Impetrante, sob pena de multa diária de 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por penalidade lançada e R$ 100.000,00 (cem mil reais) em caso de fechamento do estabelecimento.

Notifique-se imediatamente à Autoridade Coatora para ciência e cumprimento desta Decisão e para prestar as informações no prazo legal.

Após, ao M.P.F.

Publique-se. Intimem-se.

Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 2008.

ALFREDO FRANÇA NETO

Juiz Federal – 30ª VF/RJ

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