Conflitos jurídicos

Imagine se cada juiz e promotor criar a sua lista de inimigos

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22 de fevereiro de 2008, 0h01

Embora não tenha a carreira e o brilhantismo dos expoentes desta batalha verbal que estamos presenciando entre MP-SP e OAB-SP, este pobre marquês radicado em Rio Grande da Serra (SP) pede permissão para fazer algumas observações sobre este estranho confronto, que também abrange a magistratura e vem sendo implicitamente incentivado por veículos de comunicação.

Meu primeiro ponto é recordar o óbvio: um sistema judiciário que já sofre com suas limitações — financeiras, estruturais e legais — não melhorará em nada com seus atores interrompendo a peça para discutir, em pleno palco, quem interpretou melhor seu papel em produções anteriores, como se isso desse a algum deles o direito de ser canastrão em dramas futuros. Até porque o objetivo de um processo não é fazer chorar ou rir, mas simplesmente deixar a platéia — o povo — satisfeita com uma peça breve, enxuta e compreensível. Becket não é o autor favorito de quem chega a passar anos esperando Godot.

Sendo assim, por mais diversos que sejam os nomes dados pela OAB-SP à sua lista de incômodos aos advogados, o efeito da mesma fala por si. Ter defendido as pessoas na ditadura militar torna ainda mais insólito que se repita o mesmo expediente. Nada pode advir deste tipo de lista, a não ser constrangimento e antipatia antecipada.

Sob tal ângulo, imaginem o que seria se cada juiz decidisse expor, no cartório de sua Vara, os nomes dos advogados que, por um ou outro motivo, fossem considerados litigantes de má-fé ou descompensados na sala de audiência, bem como de promotores supostamente incompatíveis com as necessidades do cargo. Ou se os promotores fixassem, na porta de suas salas, o nome de juízes e advogados cuja atuação entendem prejudicial ao interesse público. Algo de bom aconteceria com este ato? Estudamos durante cinco anos, fizemos exames de aprovação, praticamos diariamente nossas funções para descobrir, depois de tudo, que ser revanchista é o caminho da Justiça?

Uma vez mencionado o revanchismo, chego ao segundo tópico, que é o autêntico tiroteio escrito ou oral que se incentiva não apenas entre os representantes maiores, mas entre os representados e aspirantes a representados. Neste mesmo site, é cansativo e desanimador constatar como, nos comentários de cada notícia ou artigo, ganha espaço o ataque gratuito a juízes e promotores. Prevalecem os chavões. Os juízes são onipotentes, preguiçosos e insensíveis. Promotores se julgam paladinos implacáveis e pisam — ou atiram — em quem tentar impedi-los. Alguns ainda ressaltam que existem bons juízes e promotores, mas apenas como entrada para despejar eventuais frustrações ou, talvez, apenas impressionar alguém.

É claro que, pelo padrão educacional e pela tentação que a internet traz para a leviandade, não era de se esperar coisa diferente, de modo que também parece óbvio que muitos advogados estejam cientes da pequenez de usar um espaço democrático para xingar juízes e promotores, como se liberdade de expressão incluísse permissão indiscriminada para ofender. Mas seria salutar que, em vez de incentivar o conflito inútil, a OAB-SP lembrasse a seus membros que não há maior arrogância que se proclamar mais humilde que os outros.

Por melhores que sejam os critérios de admissão, sempre haverá maus juízes, maus promotores e maus advogados. Assim como temos maus médicos, maus engenheiros, maus jornalistas, etc.. A Bíblia está aí para registrar que até os apóstolos, escolhidos minuciosamente pelo filho de Deus, tiveram sua inesquecível exceção. Nem por isso vemos alguém dizendo que os discípulos mais próximos de Jesus Cristo eram traidores e mercenários. Muito menos se justificaria se o Vaticano decidisse oficializar, como cerimônia religiosa, a prática de malhar o Judas. Minha pergunta final seria essa: se o Vaticano não deve, a OAB-SP deveria?

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