A defesa no ataque

Cai o procurador-geral da União Luiz Henrique Martins

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19 de fevereiro de 2008, 23h28

Já não é apenas a União a única vítima da greve promovida por seus advogados. Perderam os cargos, nesta terça-feira (19/2), o procurador-geral da União, Luiz Henrique Martins dos Anjos; e um membro do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União, André Dantas Amaral. O Diário Oficial desta quarta traz a nomeação do novo PGU: é o gaúcho Jefferson Caruso Guedes, que vinha dirigindo a Escola da Advocacia da União.

Até recentemente, o cargo de PGU era o segundo na hierarquia da AGU. Com a entrada de José Antonio Toffoli, o substituto do ministro passou a ser o secretário-geral de consultoria, cargo hoje ocupado por Evandro Costa Gama, oriundo do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). A mesma entidade que elegeu o atual Corregedor-Geral da União. Luiz Henrique Martins dos Anjos chegou à PGU pela Anauni (Associação Nacional dos Advogados da União).

Depois de 34 dias de paralisação, o governo constatou que a idéia de preencher os principais cargos administrativos da AGU por eleição foi um tiro no pé. Ao entregar os principais cargos de comando do órgão a sindicalistas, percebeu-se que, em situação de greve, não seriam os chefes que iriam combater o movimento. “Quando o governo chamou seus bombeiros para apagar um incêndio, descobriu que só tinha incendiários”, disse um advogado da União que preferiu não se identificar.

A origem da greve estaria em um acordo de reajuste salarial não cumprido pelo governo: um aumento salarial de 25% a partir de novembro do ano passado. Mas ganhou força por outras razões. Uma delas foi a intensificação de disputas internas entre os grupos vitaminados pela politização da carreira. Na esteira desse processo, começaram a se suceder atritos com ministérios num quadro em que o principal cliente da Advocacia Pública ficou em segundo plano. O confronto foi estabelecido.

A AGU é responsável pela defesa dos cofres públicos em mais de 20 milhões de processos. A maior parte (60% das ações), segundo apurou o jornal Valor Econômico, é de demandas dos próprios servidores públicos que cobram benefícios e reajustes salariais. O salário inicial do advogado da União é maior que o do presidente da República (R$ 12 mil contra R$ 11 mil de Lula)

O poder de pressão dos guardiões do Erário é grande. A golpes de greves, eles conseguiram a aprovação do projeto que reajusta as carreiras e cria uma elevação progressiva do salário inicial, de R$ 7,8 mil, em 2006, para R$ 17 mil, em 2009. O objetivo é justamente evitar a saída de advogados concursados para outras carreiras, como Ministério Público e magistratura federal, onde a remuneração inicial é de R$ 21 mil. E também para o setor privado, onde um advogado experiente em um grande escritório recebe pelo menos R$ 20 mil, valor multiplicado caso ele se torne sócio.

André Dantas Amaral, lotado no gabinete da AGU, dividia sua funções com as de secretário-geral da Anauni. Amaral, ocupando cargo em comissão, estaria repassando informações do órgão ao comando de greve. O substituto de Henrique Martins, Caruso Guedes, também é integrante da Anauni. Era responsável pela revista da entidade.

União Indefesa

Os tribunais não se sensibilizaram com os efeitos da greve. Semana passada, o Supremo Tribunal Federal negou-se a prorrogar prazos para que, na ausência de defensores, a União não fosse prejudicada.

Entre ministros circulou uma estranheza: na recente decisão do STF que aplicou ao funcionalismo os limites que há para greves na iniciativa privada, um fundamento foi estabelecido com clareza. Greves locais seriam examinadas pelos tribunais regionais; greves interestaduais, pelo Superior Tribunal de Justiça. Jamais por juízes singulares. De forma surpreendente, o primeiro movimento dos advogados da União foi questionar a greve na primeira instância. A segunda num tribunal regional. “Difícil achar que não foi sabotagem”, comentou um crítico desse quadro.

Esse filme não é novo. Ao assumir o cargo, o antecessor de Toffoli, Álvaro Augusto Ribeiro, afastou os mais antigos advogados públicos — aproveitados para que a recém-criada AGU pudesse entrar em funcionamento — para dar vez a jovens concursados. A retribuição não demorou na forma de uma demorada greve.

A justificativa dos advogados públicos para deflagrar a atual greve foi o anúncio do governo federal da suspensão dos reajustes salariais para os servidores públicos por causa do fim da CPMF. O acordo firmado entre as entidades de classe e o governo federal, em novembro do ano passado, previa reajuste de 30% até 2009.

A direção da AGU argumenta que o governo federal enfrenta sérias dificuldades orçamentárias após a rejeição da prorrogação da CPMF e o conseqüente corte de gastos nos três poderes. Segundo o governo, para criação de despesa de caráter continuado, como é o caso dos reajustes pleiteados pelos advogados públicos, a Lei Complementar 101/00 exige a demonstração da origem dos recursos para o custeio do aumento. O que não poderia ser feito no momento. “Como é que o governo pode pedir cortes orçamentários ao Congresso e ao Judiciário se for dar 25% de aumento a seus advogados?” indaga uma fonte ligada ao governo.

Segundo dados das associações de classe, cerca de seis mil advogados públicos participam da greve. O governo garante que o número não é verdadeiro, já que não há, por enquanto, registro de derrota da União por falta de advogado. O Planalto garante que responsabilizará o advogado público que provocar perdas ao Tesouro por conta da greve. Mas, ainda assim, serviços importantes como a recuperação de tributos sonegados estão parados.

A decisão sobre a legitimidade da greve dos advogados públicos será julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Em decisão tomada no dia 12 de fevereiro, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, considerou que há fundamento constitucional na ação principal porque o que está em jogo é o direito de greve dos servidores públicos. Assim, declinou da competência do STJ.

A União entrou no STJ contra liminar obtida pela Associação Nacional dos Membros das Carreiras da Advocacia-Geral da União (Anajur). A entidade conseguiu, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, impedir o governo de adotar qualquer medida disciplinar contra os associados que aderiram ao movimento grevista. A proibição incluiu o corte de ponto, suspensão ou desconto de vencimentos e inscrições em fichas funcionais sem o devido processo legal.

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