Poder de punir

Cabe aos órgãos públicos ditar o comportamento da sociedade

Autores

  • Roberto Porto

    é mestre em Direito Político e Econômico professor da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP e promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

  • Alice Luz

    é bacharel em direito pela Fundação Armando Alvares Penteado

15 de fevereiro de 2008, 23h01

Atual a discussão sobre recentes investigações feitas pela Polícia Federal, precisamente visando o combate ao crime de sonegação fiscal. As opiniões tem sido as mais diversas. Por um lado verificamos argumentos de que as operações realizadas fazem parte de um verdadeiro ritual de publicidade, e que as prisões efetuadas em nada diminuem a taxa de criminalidade, pelo contrário, pode-se aumentá-la, multiplicá-la ou transformá-la. De outro, observamos aqueles que clamam pela ostentação dos suplícios dos investigados, em uma técnica que, segundo Foucault, pode ser equiparada aos extremos de uma raiva sem lei. Estes, não desejam saber da pena jurídica aplicada, eles reivindicam tomar parte da punição, sob a suspeita de que não se realize em toda a sua severidade.

Não há dúvida de que a coexistência destes sentimentos antagônicos tem origem em algo bem diferente da prática judicial que vem sendo aplicada por essa relevante Instituição que tantos serviços tem prestado a nossa sociedade. Neste cenário ambíguo, a discussão deveria estar focada na ocorrência do crime de sonegação fiscal e sua causa. A heterogeneidade do debate demonstração-castigo passa longe da origem do problema. É certo que os castigos disciplinares tem a função de corrigir os desvios, devendo portanto serem essencialmente corretivos.

Para tanto, deve o Estado, detentor da penalidade disciplinar, funcionar como parâmetro de comportamento, a partir de valores opostos definidos pela sociedade do bem e do mal, do lícito e do ilícito. Assim, cabe aos órgãos públicos, em todas as esferas, ditar o padrão de comportamento a ser seguido pela sociedade, através de um sistema de aprendizado baseado na repetição da disciplina. E é aí que se encontra a origem do problema.

O que permite ao Estado aplicar a penalidade disciplinar é a inobservância da regra, tudo o que se afasta dela, o desvio. Quando o próprio Estado não dá o exemplo, fugindo da regra por ele exigida, permite que outros assim também o façam. Estudos realizados pelo Banco Mundial colocam o Brasil em péssimo lugar em um ranking de boa governança entre 160 países, incluindo o combate à corrupção. De acordo com este trabalho, estamos equiparados a países considerados paupérrimos como Sri Lanka, Malauí e Angola, estabelecendo fortes laços entre os altos níveis de corrupção constatados e os baixos índices sociais.

Por óbvio, o dinheiro desviado pela corrupção e má administração pública não somente faz falta à saúde pública, na criação de postos de trabalho, mas tem efeito devastador na arrecadação de impostos, desestimulando os setores produtivos. Ainda assim, a arrecadação de impostos e tributos federais atingiu, em maio de 2007, R$ 27 bilhões de reais, melhor resultado para o mês da história, demonstrando o potencial deste país.

Sem o controle da corrupção estatal, da má administração do dinheiro público, combater a sonegação fiscal é tarefa das mais difíceis. O sucesso do poder disciplinar, exercido pelo Estado, pressupõe algo aparentemente simples, básico, o cumprimento das regras por ele estabelecidas, a fim de que cada indivíduo da sociedade possa distinguir claramente “ações criminosas das ações virtuosas”. A decomposição destas normas toma os indivíduos ao mesmo processo. Um Estado disciplinado é a base de um gesto eficiente. É a partir do bom exemplo que se opera a transformação dos indivíduos. Só assim teremos um consenso mais nítido a respeito do poder de punir.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito Político e Econômico, professor da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP e promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

  • Brave

    é bacharel em direito pela Fundação Armando Alvares Penteado

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!