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Justiça paulista começa o ano com 11 milhões de ações paradas

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12 de fevereiro de 2008, 13h27

A direção do Tribunal de Justiça de São Paulo não sabe o que fazer para tirar o maior Judiciário do país do atoleiro de processos em que está metido. Em entrevista coletiva e no discurso que marcou a abertura do ano judiciário, nesta segunda-feira (11/2), o presidente do TJ paulista, Vallim Bellocchi, informou que a Justiça do estado está soterrada por 17 milhões de processos em primeira instância e reclamou do orçamento, mas não apontou soluções para agilizar os julgamentos e diminuir o tamanho da montanha de papel.

Do total de processos em primeira instância em 2007, 5,7 milhões — ou pouco mais de um terço — foram distribuídos aos juízes. Destes, 3,6 milhões foram julgados. Feitas as contas, revela-se que mais de 11 milhões de processos ficaram encalhados.

O presidente do TJ manteve o mesmo discurso de seus antecessores ao apresentar como justificativas a falta de investimento e de organização. Criticou o orçamento, mas isentou os colegas que o antecederam, o governo e o Legislativo. Para obter recursos extras que garantam o funcionamento da máquina, Bellocchi receitou o remédio de sempre: correr atrás do Executivo para pedir suplementação de verbas e tapar os buracos.

Bellocchi fez um discurso genérico afirmando que para garantir celeridade à Justiça seria necessário construir fóruns digitais, contratar novos servidores e adquirir tecnologia. Afirmou também que é preciso recrutar novos magistrados, com a abertura de concursos para preencher as vagas existentes. Mas não explicou como fará isso.

O Tribunal fechou o ano de 2007 com suplementação orçamentária, situação que repetiu a do ano anterior. Na época, o então presidente, Celso Limongi, relatou aos deputados estaduais paulistas que o déficit projetado pelo Tribunal para 2007 era de R$ 120 milhões. Isso sem prever a instalação de mais nenhuma vara ou comarca, ou mesmo a nomeação de servidores já aprovados em concurso público.

No ano passado, o Tribunal encaminhou proposta de orçamento de R$ 7,2 bilhões para 2008. A tesoura do Executivo a reduziu para R$ 4,6 bilhões, um corte de 36% e um montante em cerca de R$ 100 milhões menor do que o dinheiro que fez girar a máquina judiciária em 2007.

Mas o corte não aconteceu apenas no orçamento de 2008. Essa é uma novela que se repete a cada ano. Entre 2005 e 2008, a participação do Judiciário no bolo estadual encolheu, passando de 5,12% para uma previsão de 4,88%. Em 2007, o governo encaminhou proposta orçamentária para o Judiciário de R$ 3,9 bilhões, o mesmo valor destinado em 2006. À época, o TJ pedira R$ 8 bilhões.

Se o gasto com pessoal for mantido nos mesmos níveis do ano passado, só esse item vai levar cerca de R$ 3,3 bilhões da receita bruta, que inclui despesas com funcionários ativos, inativos e pensionistas. O gasto não inclui outras despesas não computadas, indenizações, dívidas acumuladas de outros anos e restos a pagar a inativos e pensionistas. Esse foi o número apontado pelo relatório da gestão fiscal, no final de 2007.

Enquanto não encontra saída para o impasse financeiro, a cúpula do Judiciário paulista trabalha com o entendimento de que o Executivo faz os cortes com a promessa de que se houver necessidade virão verbas suplementares. Acredita também numa válvula de escape, que surgiu no ano passado, quando foi criada a frente parlamentar em defesa da autonomia financeira do Judiciário. Baseada na experiência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a frente quer encontrar instrumentos para dotar o Tribunal paulista da tão sonhada independência e autonomia financeira.

Volume crescente

“São 17 milhões de processos num estado com 40 milhões de habitantes. É como se para cada dois paulistas existisse um com ação no Judiciário”, constatou Bellocchi. O número de processos apontado por Bellocci diz respeito apenas à primeira instância e refere-se a levantamento feito em 31 de dezembro do ano passado.

Naquela data, 17.126.081 processos estavam nos fóruns de primeiro grau do estado. Destes, só 5.751.789, ou pouco mais de um terço, foram distribuídos aos juízes. O mesmo levantamento, feito pela Corregedoria-Geral da Justiça, aponta que dos processos distribuídos, 3.634.581 tiveram sentença até o último dia de 2007.

Para se ter idéia do volume de recursos que a cada mês entra na Justiça paulista, pode-se debruçar sobre as estatísticas da Corregedoria-Geral da Justiça referente a dezembro do ano passado. Naquele mês, só na primeira instância, 676.337 novos processos foram distribuídos aos magistrados. No mesmo período, 259.320 ações foram julgadas. A diferença entre o que entrou e o que saiu em dezembro foi de 417.017. É esse número sempre a mais, que se repete a cada mês, que faz o volume de processos crescer como uma bola de neve.

Segundo o chefe do Judiciário paulista, os juízes de primeira instância estão trabalhando no limite com cerca de nove mil processos para cada magistrado que atua na capital e cerca de três mil feitos para aqueles que atuam nas comarcas do interior. Na segunda instância, de acordo com Bellocchi, a situação é um pouco melhor, com mais de 500 mil recursos pendentes. De acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça, colhidos em 2006 e divulgados na semana passada, o estoque da segunda instância de São Paulo é de 583 mil. Ainda naquele ano, de 496,9 mil casos novos, o TJ paulista julgou 467,7 mil.

Possíveis soluções

Está na mesa do presidente do TJ paulista anteprojeto de lei que transfere integralmente para o Judiciário paulista a taxa judiciária, além de 21,05% do que é arrecadado com emolumentos dos cartórios extrajudiciais. Esses recursos hoje são depositados nos cofres do Executivo, que repassa parte ao Tribunal. No caso dos emolumentos, são repassados 3,28% da arrecadação. A proposta foi elaborada pelo desembargador Ivan Sartori.

A arrecadação envolve cifras da ordem de mais de R$ 600 milhões anuais. Sartori justifica sua proposta alegando que a taxa judiciária e parcela significativa dos emolumentos dos cartórios extrajudiciais são imprescindíveis para a estruturação do Judiciário e a organização da Justiça. Diz que o aumento crescente da demanda pelos serviços judiciários e o gigantismo do estado de São Paulo impõem que esses recursos sejam destinados diretamente aos cofres do Tribunal paulista.

Segundo Sartori, a destinação de menos de 5% do total das receitas do estado para o orçamento anual do Tribunal de Justiça é a responsável pela alarmante situação vivida pelo Judiciário de São Paulo. Na opinião do desembargador, não tem sentido destinar emolumentos ao Executivo, quando a fiscalização dos cartórios é exclusividade do Judiciário, que arca com o ônus dessa atribuição.

“Hoje, pela Lei 11.331/2002, 17,7% dos emolumentos vão para os cofres do Estado, enquanto ao Judiciário, responsável pela fiscalização, vão apenas 3,3%. Por seu turno, a taxa judiciária advém, justamente, dos serviços jurisdicionais, tornando-se indevida a percepção de valores por parte de outro Poder, em razão dessa atividade, o que vem a traduzir verdadeira ingerência de um Poder no outro, em detrimento do princípio constitucional da separação e da independência dos Poderes”, afirmou Sartori no ofício encaminhado ao presidente do Tribunal de Justiça.

A taxa e os emolumentos são considerados pelos magistrados como instrumentos para tirar o Judiciário da penúria financeira em que vive hoje. As duas fontes de recursos integrariam um fundo próprio para cobrir despesas do Judiciário. O instrumento é chamado de fundo Especial de Defesa do Tribunal de Justiça. Os recursos seriam complementados pelas custas processuais.

Cada uma dessas receitas tem uma finalidade diferente. A taxa judicial é responsável pela despesa do Poder Judiciário, ou seja, pela remuneração dos gastos oriundos da prestação jurisdicional. As custas são cobradas para cobrir o custo dos atos processuais. Os emolumentos são destinados ao custeio das atividades extrajudiciais. É pago quando o cidadão lavra uma escritura ou registra um imóvel.

Na briga pelas verbas da Justiça, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa ao Executivo, em fevereiro de 2005, ao impedir o aumento de 3% para 21% da alíquota a ser repassada ao Tribunal de Justiça sobre os emolumentos dos cartórios extrajudiciais. A decisão, em caráter liminar, suspendeu a Resolução 169/2005, aprovada pelo Órgão Especial que aumentou a alíquota.

A resolução provocaria um aumento de 17,7% no repasse de verbas recebido pelo Tribunal, com os serviços notariais e de registros. A regra faria saltar de 3,3% para 21% a alíquota destinada ao Judiciário.

O governo paulista ingressou no Supremo com Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar. O caso foi parar nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que acolheu os argumentos apresentados pela Fazenda do estado. Para o Executivo paulista, a Tribunal de Justiça violou o artigo 167 da Constituição, ao remanejar recursos de um órgão para outro sem prévia autorização legislativa e ao instituir fundo, também sem a devida autorização.

Para aumentar o repasse, o Tribunal se baseou na Emenda Constitucional 45 (Reforma do Judiciário). A emenda estabelece que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça.

Mas o STF entendeu que o dispositivo que permitiria o aumento do repasse não é auto-aplicável. “Assim, nesse juízo liminar, tenho como plausível a tese do requerente (governo de São Paulo), no sentido de que o Tribunal de Justiça de São Paulo teria, indevidamente, invadido esfera reservada à lei”, afirmou Gilmar Mendes.

O governo paulista também alegou que a entrada em vigor da resolução, prevista para o dia 10 de fevereiro de 2005, traria prejuízos à Fazenda estadual. “Não tenho dúvida da conveniência política da suspensão do ato, tendo em vista o conteúdo desagregador da medida adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com a imediata repercussão na relação entre os poderes daquele estado”, afirmou o ministro.

A Procuradoria-Geral do Estado afirmou que se a resolução entrasse em vigor provocaria o desvio anual de cerca de R$ 400 milhões dos cofres públicos estaduais. Essa verba é destinada, na maior parte, ao custeio da assistência judiciária. “A conseqüência imediata seria a paralisação de todos os processos penais de réus que não têm condições de pagar um advogado”, sustentou o procurador do Estado, Elival da Silva Ramos.

O governador paulista sustentou, ainda, que as verbas são extrajudiciais. Por isso, não se enquadram no dispositivo constitucional citado pelos desembargadores e devem ser destinadas ao poder público estadual. A liminar foi deferida por maioria, com votos vencidos dos ministros Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso.

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