Posse da Apamagis

Juiz é injustamente culpado pela lentidão, diz Calandra

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12 de fevereiro de 2008, 17h13

Cada juiz escreve por mês o equivalente a um livro de 600 páginas, somente nas atividades rotineiras. Um juiz com 10 anos de trabalho na área criminal terá ouvido 60 mil pessoas entre réus, vítimas e testemunhas. Na esfera cível a situação não é diferente. O trabalho dos juízes é hercúleo. E, ainda assim, é ele quem leva a culpa pela morosidade da Justiça. Trata-se de uma injustiça.

Esse foi o tom do discurso do desembargador Nelson Calandra, que tomou posse nesta segunda-feira (11/2) da Presidência da Associação Paulista de Magistrados, a Apamagis. Em seu discurso, Nelson Calandra destacou a atuação institucional da Apamagis, na defesa das prerrogativas da magistratura. E enfatizou, ainda, ter o firme propósito de fazer com que a Justiça não seja apenas uma palavra a mais no cenário do universo jurídico.

Calandra destacou também que a Justiça paulista abre o de 2008 “convivendo com um orçamento que apresenta um corte de cerca de 40% na proposta do Tribunal de Justiça”. E lembrou que a arrecadação da Taxa Judiciária tornaria o Judiciário de São Paulo auto-suficiente.

A solenidade de posse aconteceu no Clube Monte Líbano. Foram empossados, além do presidente, o 1º e 2º vice-presidentes, respectivamente, Paulo Dimas e Roque Mesquita de Oliveira; e os conselheiros Carlos Teixeira Leite (presidente do Conselho Consultivo), Zélia Maria Antunes Alves (vice), Renzo Leonardi (secretário), Sebastião Amorim (conselheiro nato), José Renato Nalini, Marcus Vinicius Andrade, Antonio Bittencourt Rodrigues, Daniela Maria Cilento Morsello, João Omar Marçura, Osni Assis Pereira e Álvaro Augusto dos Passos.

A cerimônia teve a participação dos ministros Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, e Massami Uyeda e Sidnei Agostinho Beneti, do Superior Tribunal de Justiça. Também estiveram presentes à posse o chefe de gabinete Presidência da República, Gilberto Carvalho; o vice-presidente da Assembléia Legislativa, Waldir Agnello; o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, desembargador Marco César Muller Valente; o procurador-geral de Justiça, Rodrigo Pinho; o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab; o secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Antonio Marrey; o secretário municipal de Transportes, Alexandre de Moraes; e do presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D’Urso.

O ministro Sydney Sanches, o deputado federal Regis Fernandes de Oliveira e os juízes Francisco Xavier de Paula Neto, Antonio Carlos Viana Santos e Nelson Messias foram homenageados na solenidade.

Leia o discurso

Cumprimento as autoridades presentes, cujos nomes foram previamente declinados pelo Cerimonial, também os nossos associados e associadas e os nossos queridos convidados e convidadas. A Vossas Excelências dedico o mais profundo agradecimento pela honra que concedem à Associação Paulista de Magistrados, com suas presenças nesta solenidade que comemora a posse da Diretoria e do Conselho Consultivo, Orientador e Fiscal da nossa entidade, tendo tido também o propósito de homenagear os integrantes dos Órgãos de Direção e Cúpula do Egrégio Tribunal de Justiça.

SENHORAS E SENHORES

Que as minhas palavras iniciais sejam de gratidão e homenagem a todos aqueles que integraram a Diretoria e o Conselho no biênio que findou; a todos homenageando na pessoa do Des. Sebastião Luiz Amorim — nosso Ex-Presidente, Jurista e Poeta, agora, para alegria nossa, Vice-Presidente da AMB e nosso Conselheiro Nato.

Neste ano, nossa entidade completa 55 anos de existência. Mais de meio século de luta em busca de um constante aprimoramento do Poder Judiciário. Nosso exemplo pioneiro trouxe a motivação para que o movimento associativo se expandisse, não só no Brasil, como em muitos outros países.

Não somos apenas uma entidade classista a defender interesses puramente corporativos. Nosso empenho maior é no sentido de aprimorar o Poder Judiciário, dando a ele condições materiais e técnicas para melhor cumprir sua missão Constitucional.

Não basta sejamos nós a maior Associação de Magistrados do Brasil. É preciso que o nosso gigantismo seja compensado com práticas gerenciais modernas, somado a ação política extremamente densa e eficaz. Para tal é necessário um perfeito entrosamento com as demais Associações de todo o Brasil e com a AMB, bem ainda com as demais entidades do mundo jurídico que somam quando a causa é a Pátria.

Constrange-nos ver as injustiças geradas por um sistema penal e processual desatualizado. Enviamos documento com mais de 1.000 páginas sugerindo alterações ao Ministério da Justiça. Iremos retomar este trabalho com o apoio sempre necessário da Seção Criminal do Tribunal de Justiça. Pouco do sugerido frutificou, porém não esmorecemos nem desistimos. Como resultado do sistema, temos a sensação de impunidade: a vítima desprotegida e o Judiciário desprestigiado, como se fosse o Juiz o culpado pela falta de instrumentos adequados na sua faina diária.

O volume de trabalho imenso e a falta de recursos materiais faz que o processo seja lento e oneroso e, mesmo trabalhando sem descanso, com plantões aos sábados, domingos e feriados, ainda nos criticam por termos, à semelhança de outras categorias profissionais, dois períodos de férias por ano. Até hoje, nenhum Parlamentar aceitou acompanhar a vida de um Juiz diariamente, para ver de perto o quanto se trabalha. Cada um de nós, em cada mês de trabalho, escreve o equivalente a um livro de seiscentas páginas, somente nas suas atividades rotineiras. Em 10 anos de trabalho, um Magistrado terá ouvido, na atividade criminal, aproximadamente 60.000 pessoas, entre réus, vítimas e testemunhas. Afora o trabalho de presidir debates e sentenciar. Na esfera cível, os números não são diferentes. A quantidade de pessoas é menor, mas o volume de trabalho é maior. Muitos processos são julgados sem audiência, mesmo assim, ao longo do mesmo período, cerca de 80.000 pessoas terão sido abrangidas pela prestação jurisdicional, como partes, peritos, testemunhas e informantes. Se multiplicarmos o numero de pessoas atingidas pela prestação jurisdicional, teremos 140.000 pessoas na atividade civil e criminal, o que multiplicado por 1.877 juizes em atividade, resulta numa população de 19.320.000 pessoas.

Mostram as estatísticas que os processos são contados aos milhões, no Primeiro Grau. Em Segundo Grau, mais de meio milhão de recursos em tramitação. A produção de julgados é imensa, por nossas mãos e de nossos servidores transita uma enorme parcela do PIB nacional. Apenas com os depósitos judiciais seria possível fundar um Banco de dimensão nacional.

O Tribunal de Justiça, nos últimos quatro anos, unificou o Segundo Grau, por força da Emenda Constitucional 45, e promoveu a mais completa reestruturação no Primeiro Grau, com promoções envolvendo quase mil Magistrados. Iniciou um processo de reciclagem através de contrato com a Fundação Getúlio Vargas, criou o primeiro Fórum totalmente informatizado, na Freguesia do Ó, passando também a implantar gradativamente novas unidades informatizadas. Foi eliminado o Diário Oficial em papel, milhares de toneladas de papel foram poupadas, o impacto ambiental foi reduzido. Pela primeira vez nos Juizados Especiais foram criados e providos cargos de Juizes para tal setor. Ainda, ocorreu a criação de um Colégio Recursal, com Juízes fixos. Também, foram providas as Varas de Execução Criminal, antiga reivindicação da sociedade.

Abrimos este ano de 2008 convivendo com um orçamento que apresenta um corte de cerca de 40% na proposta do Tribunal de Justiça. Na Frente Parlamentar pela Independência do Poder Judiciário, apresentamos o anteprojeto que transfere ao Poder Judiciário a arrecadação da Taxa Judiciária. Apenas com isto, afastadas as isenções indevidas da referida taxa, já seríamos auto-suficientes. Lutamos por esta conquista que será uma vitória para a cidadania. Queremos servir melhor e é por isso que ao lado do Tribunal de Justiça procuramos mostrar aos parlamentares a importância de tal conquista para todos nós.

Preocupou-nos a arquitetura equivocada do Conselho Nacional de Justiça, no qual a Justiça Estadual dispõe de apenas duas cadeiras. Não é possível conceber que o segmento que tem o maior número de membros, que decide o maior número de processos, tenha tão baixa e desproporcional representatividade. A Magistratura Estadual acaba também por ter que prestar informações ao CNJ sobre matérias de ordem jurisdicional, com isto mais tarefas são acumuladas pelos Juízes. A Apamagis, visando proteger seus associados, acaba de constituir um escritório de Advocacia com representação em Brasília e São Paulo, para promover a defesa técnica dos seus temas de interesse institucional e dos seus próprios associados.

Ao mesmo tempo, instalaremos no próximo mês, grupo profissional de estudo e pesquisa em matéria legislativa e jurisprudencial, para marcar os rumos da ação política a ser desenvolvida por nossa entidade, sempre sob a orientação de colegas extremamente devotados e profundos conhecedores dos assuntos. Planejamos uma reforma administrativa, para termos mais agilidade e eficiência. Ao mesmo tempo, estudamos projetos avançados no campo da informática, bem ainda em relação à administração do patrimônio imobiliário. É preciso conservar para não perder, e as dependências da Associação devem ser uma extensão da casa e do trabalho do associado.

Estamos iniciando amplo programa de visitas ao interior. O nosso “Integra Apamagis”, aonde a Diretoria visitará os colegas para ouvi-los “in loco”, trazendo ao Tribunal suas angústias e reivindicações. Nosso planejamento orçamentário procurará a todos atender, na medida das nossas forças. A gestão anterior bateu todas as marcas em matéria de adesão de novos associados. Pretendemos melhorar o nível de adesão com a ajuda de nossos colegas.

Nossa Diretoria é numerosa, porque nossa Associação é muito grande, nenhum de nós é dispensado dos trabalhos diários e só mesmo somando a força de muitos será possível atingir as metas necessárias de aprimoramento do atendimento no plano corporativo e no plano institucional, avanços significativos, como da PEC que restabelece os adicionais por tempo de serviço, o resgate de valores devidos. O tratamento igualitário entre todos os Magistrados de Primeiro e Segundo grau, inclusive aposentados e pensionistas.

Quero finalizar agradecendo mais uma vez a todos que nos honraram com as suas prestigiosas presenças, aos nossos familiares que conosco sonharam um dia de vitória, abrindo mão muitas vezes do nosso convívio. Àqueles que já concorreram conosco, muitas vezes em lados opostos, ou do mesmo lado, demonstrando que a Justiça é a causa comum, e que a fraternidade deve pairar sobranceira sobre todas as paixões. Também os que partiram, cuja memória homenageamos, por suas atitudes e por suas lutas, algumas delas mais intensas do que as nossas, porque muitos deles, enfrentando dificuldades até maiores, nos deram a oportunidade de poder comemorar esta vitória, que não é só nossa. Peço licença para reparti-la com os presentes, pedindo que compartilhem conosco mais esta missão, pois, como diria Voltaire, “administrar a Justiça é a mais bela função da humanidade”, e nossa vocação, enquanto braço político do Tribunal de Justiça, reclama que “Justiça Seja Feita”.

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