Revisão do Código

Lula foi sensato ao defender reforma do processo penal

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7 de fevereiro de 2008, 14h27

[Editorial do jornal O Estado de S.Paulo, publicado nesta quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008]

Em discurso na solenidade de abertura das atividades forenses de 2008, realizada na última sexta-feira (1/2) no plenário do Supremo Tribunal Federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a urgência de uma reforma do Código de Processo Penal, editado há quase sete décadas pelo Estado Novo varguista. E, aproveitando a presença dos principais dirigentes dos tribunais superiores, da Câmara e do Senado na solenidade, propôs uma aliança entre os Três Poderes com o objetivo de enfrentar esse desafio ainda este ano.

Concebido quando eram outras as condições socioeconômicas do país, o Código de Processo Penal define os recursos judiciais cabíveis em matéria criminal e estabelece as regras e prazos de tramitação das ações judiciais. Como esse é um tema muito técnico, Lula preferiu ler um texto preparado por sua assessoria, em vez de discursar de improviso. Fez bem. Além de oportuno e necessário, seu pronunciamento foi marcado pela sensatez e pela objetividade.

“O processo penal deve assegurar um tratamento rígido à questão da criminalidade e diminuir a sensação de insegurança. E, ao mesmo tempo, deve garantir aos réus e aos condenados criminalmente um tratamento condizente com os valores constitucionais”, disse o presidente, após lembrar que vários projetos de modernização da legislação processual estão engavetados na Câmara e no Senado.

Para Lula, a “cultura da litigiosidade” prevalecente nos tribunais decorre do número excessivo de recursos judiciais previstos pelo Código de Processo Penal, o que possibilita o adiamento dos julgamentos por tempo indefinido e abre caminho para a prescrição dos processos, propiciando a impunidade e desmoralizando a Justiça. O presidente também se referiu ao anacronismo da legislação processual penal que vem contribuindo para o colapso do sistema prisional, principal fator da crise de segurança pública. Por causa da morosidade na tramitação das ações penais, disse ele, presos de baixa periculosidade que poderiam ser condenados a penas alternativas são obrigados a permanecer meses em condições degradantes em penitenciárias superlotadas, aguardando julgamento. O discurso do presidente foi bem recebido não só pelas entidades da magistratura, como, também, pelo Conselho Federal da OAB.

Entre os projetos parados no Congresso que Lula enumerou, um dos mais importantes é o que proíbe a utilização, nos julgamentos, de provas obtidas por meios ilícitos, como “grampos” telefônicos e escutas ambientais não autorizadas previamente pela Justiça. Outro importante projeto por ele citado é o que amplia as possibilidades de prisão preventiva. Encaminhado em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, com apoio de entidades de magistrados, o projeto permite aos juízes decretarem a prisão preventiva se identificarem indícios fortes da prática de um crime violento ou com grave dano à administração pública ou ao sistema financeiro e se o acusado prejudicar o andamento do processo, apagando provas e intimidando testemunhas.

Lula também mencionou os projetos que, sem comprometer os direitos de defesa dos acusados, disciplinam o transporte de presos para depoimentos, diminuem prazos, restringem as possibilidades de adiamento dos julgamentos e coíbem a utilização de recursos judiciais com propósitos meramente protelatórios, por parte dos advogados de defesa. “Caso essas mudanças sejam aprovadas, a expectativa é de que os processos criminais se tornem, pelo menos, duas vezes mais rápidos”, concluiu o presidente.

Essa não é a primeira vez que o Executivo propõe uma ação articulada com o Legislativo e o Judiciário para modernizar a anacrônica ordem jurídica e judicial do país. Há quatro anos, com a aprovação da Emenda Constitucional 45, que introduziu a reforma do Judiciário, os presidentes dos Três Poderes firmaram um “pacto republicano” para a tramitação, em regime de urgência, de importantes alterações no ultrapassado Código de Processo Civil. O acordo tornou possível a redução do número de recursos, agilizou a tramitação das ações judiciais e abriu caminho para o descongestionamento dos tribunais, sem ferir direitos e garantias dos cidadãos. Nada impede que essa experiência seja repetida no campo do processo penal.

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