Dinheiro custa dinheiro

Brasil precisa adotar políticas que reduzam o déficit público

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6 de fevereiro de 2008, 23h00

Em 1974, o economista Edmar Bacha cunhou a expressão “Belíndia” para caracterizar o sistema de distribuição de renda no Brasil. Um misto da rica Bélgica com a pobre Índia, isto é, alta concentração da renda nacional na mão de poucos belgas e a esmagadora maioria da população de hindús, vivendo abaixo da linha da pobreza ou, quando muito, conseguindo virar o mês para pagar as contas acumuladas tanto no setor privado (instituições financeiras, credores, etc) como no setor público (serviços públicos e, principalmente, tributos). À síntese de todos os nomes chamemos a isso de déficit que gera inadimplência.

Nesse quadro, continua-se a ver a renda nacional ser comprimida nas classes média e baixa ou porque o valor nominal do salário perde seu poder real de compra ou porque o valor real dos preços está maquiado com uma grande parcela de tributos indiretos embutidos que são suportados por essas mesmas classes. Sem falar no setor produtivo que é penalizado com a alta taxa de juros do sistema financeiro e tributos mais altos ainda. Os ricos estão imunes a esse tipo de problema em qualquer lugar do planeta.

Num cenário de compressão da renda, as pessoas comuns sentem, diretamente no seu orçamento, a corrosão dos ganhos, seja pelos preços — mesmo com inflação baixa — seja pela extorsiva carga tributária (direta e indireta). Com relação a esta última fica, ao contribuinte brasileiro, a sensação de “amargor no bolso”, porque sabe que aquilo que pagou ao governo federal, estadual e municipal, não reverterá em serviços públicos de qualidade belga. Sua vida continuará a ser trilhada nos caminhos insólitos da Índia.

E a renda se torna, em muitos casos, mais comprimida ainda, pela política de alta dos juros. O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central como guardiões da moeda e da estabilidade econômica, fixam juros em patamares elevados sob a desculpa de contenção da meta de inflação. Por outro lado, só baixar juros não adianta. Se assim fosse, o Brasil teria crescido nos anos 80, quando as taxas eram baixas e até negativas.

O Brasil precisa adotar um conjunto de políticas que reduzam o déficit público e alavanquem o desenvolvimento econômico com financiamentos à indústria e à produção com a real possibilidade de geração de emprego e renda. A economia deixaria de girar num círculo vicioso para operar virtuosamente. Claro que uma reforma tributária e trabalhista ajudariam.

As projeções de nosso crescimento econômico são risíveis se comparadas com países, proporcionamente, comparáveis ao nosso, como os emergentes denominados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Nosso crescimento esteve atrás desses parceiros desde o ano de 2006. A China cresceu 10,5%, a Índia 9,3% e a Rússia 4,6%, o Brasil só cresceu 2,86%.

Aí pode ser feita a seguinte pergunta: por que os juros no Brasi são altos? A resposta só pode ser esta: Os juros são altos porque o governo, maior devedor da economia, precisa pagar juros altos para obter empréstimos internos para financiar o déficit público. Como o governo precisa financiar constantemente sua dívida, ele recorre ao mercado para buscar recursos. Dado que seu apetite é grande e a disponibilidade de recursos no sistema brasileiro não é tão larga assim, os juros básicos, a Selic, só podem ser altos. Afinal, dinheiro custa dinheiro.

Ainda que tenhamos conseguido certa estabilização de preços com o Plano Real, não conseguimos uma estabilização macroeconômica. Fatores como a grave concentração de renda, o desemprego informal e a conseqüente tendência ao populismo fiscal e cambial; o elevado nível de endividamento do Estado (endividamento público) e da Nação (endividamento externo); a indexação formal dos títulos públicos, dos contratos superiores a um ano, e dos preços administrados, e a estagnação dos salários reais e, a partir do momento em que a inflação anual atinge dois dígitos, pela reindexação informal dos salários, e pela abertura comercial da economia.

É algo fantasioso, mágico ou sobre-humano incapaz de ser controlado com seriadade política e determinação econômica? Parece que não. Trata-se, na verdade, de falta de vontade ou coragem política para proceder as reformas que o país ansia e os políticos têm medo de implementar. De outro modo, as coisas andariam na perspectiva da realidade concreta e dos desafios a serem vencidos com seriedade.

Ante esse cenário, só nos resta acreditar que o governo não está equivocado na condução da política monetária e nos destinos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Será que a alta taxa de juros, que trava o nosso desenvolvimento social e econômico não passa de forte mandinga que só acaba na base de muito galho de arruda e reza da braba ou de vontade séria e persistente do governo, no sentido de adequar as taxas de crescimento a um pesado modelo de investimento em infra-estrutura aliado à verdadeira reforma tributária.

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