Culpa da escola

Não é o Exame que impede entrada de bacharel no mercado

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2 de fevereiro de 2008, 23h01

Marcelo Oliveira - por SpaccaSpacca" data-GUID="marcelo_oliveira.jpeg">O bacharel em Direito é a vítima que não consegue identificar seu algoz. Acredita que é o Exame de Ordem que o impede de entrar no mercado de trabalho. Não é. O problema é das faculdades que permitem o ingresso de estudante despreparado para cursar o ensino superior e não se importa em ajudá-lo a suprir suas deficiências. Ou será do ensino fundamental que não prepara o estudante para fazer bem a faculdade?

A constatação, bem como a dúvida, são do presidente da Comissão do Exame de Ordem da OAB do Rio de Janeiro, Marcello Oliveira. Segundo o advogado, as estatísticas do exame permitem apontar quais são as faculdades ruins. De acordo com ele, a iniciativa da OAB é detalhar ainda mais os dados para permitir que a instituição melhore nas questões em que seus bacharéis se saíram pior na prova.

À frente da comissão desde janeiro de 2007, Oliveira contou, em entrevista à Consultor Jurídico, as experiências – e problemas – inerentes à função. Marcello Oliveira sabe que o Exame de Ordem está cada vez mais visado, motivo pelo qual, segundo ele, a OAB vem tomando providências para tornar a prova segura. Perguntado sobre as suspeitas de fraudes nos exames de algumas seccionais, Oliveira afirmou que houve tentativas. “Se o que está havendo é prevenção e as denúncias estão ocorrendo antes de macularem o exame, onde é que está o prejuízo à instituição?”, pergunta.

O Estatuto da Advocacia, cobrado na prova, costuma aparecer no rol das queixas sobre o Exame. “O advogado que não tem ciência das suas prerrogativas, que se curva quando deveria fazer uma defesa intransigente do cliente ou diante do abuso de um juiz, enfraquece a advocacia”, afirma Marcello.

Quanto à polêmica decisão liminar da juíza Maria Amélia de Carvalho, já suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que permitiu a seis bacharéis advogarem sem passar no Exame, Oliveira faz coro ao presidente da seccional fluminense da OAB, Wadih Damous. “Esse tema deve ser debatido em ação de inconstitucionalidade e não suscitado em um deferimento de uma tutela antecipada que pode trazer prejuízos à OAB. Em um primeiro momento, esse tipo de decisão enfraquece a instituição”, afirmou.

Jovem, o presidente da comissão se submeteu ao Exame de Ordem em 1998, pouco tempo depois que a obrigatoriedade foi imposta. Oliveira formou-se na PUC do Rio, especializou-se em Direito Empresarial e em Processo Civil. Atualmente, advoga para o escritório Tauil, Chequer & Mello na área de energia.

Atua como professor da Puc do Rio há dois anos e meio. “Sempre tive facilidade de estabelecer contatos no meio acadêmico. Tenho muitos amigos que dedicaram exclusivamente à academia e outros que a conciliam com a advocacia”, afirmou.

Leia a entrevista

ConJur — É justo um estudante, que fez vestibular para entrar na faculdade, estudou cinco anos ou mais, recebeu um certificado de conclusão e habilitação, depois de tudo isso ter de se submeter a nova avaliação para poder exercer a profissão de advogado?

Marcello Oliveira — Há várias questões que precisam ser aprofundadas. Que prova ele prestou para entrar na faculdade? O que se verifica é a proliferação de cursos que aceitam o ingresso do estudante mesmo sabendo que ele não tem condições de cursar o ensino superior. Não há a preocupação em mostrar ao aluno quais são as deficiências dele nem em ajudá-lo a recuperá-las. A faculdade apenas vende esperança. O bacharel é vítima. E a OAB a vítima preferida deles, porque acreditam que é o Exame de Ordem que os impede de ingressar no mercado de trabalho.

ConJur — Não é?

Marcello Oliveira — Não. Se 66% dos alunos de uma determinada universidade foram aprovados e outras três ou quatro com percentual próximo, vê-se que o problema não é da OAB. Não é o Exame de Ordem que torna o candidato incapaz de ingressar no mercado da advocacia. É a formação dele nos ensinos básico, médio e superior. Candidatos da Uerj [Universidade do Estado do Rio de Janeiro], UFF [Universidade Federal Fluminense], UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] passam.

ConJur — Não há também um problema cultural em que as pessoas entram na faculdade pensando apenas no diploma?

Marcello Oliveira — Eu não culpo aquele que tem a esperança de ingressar. Ele é a vítima. Só não acredito que ele esteja conseguindo identificar seu algoz. Não é fácil o discurso da OAB de culpar as instituições de ensino. Não estou dizendo que a faculdade A, B ou C é ruim, por isso os candidatos não passam. É estatístico.

ConJur — E qual foi o índice de aprovação no último Exame de Ordem?

Marcello Oliveira — A última prova elaborada exclusivamente pela OAB do Rio de Janeiro foi o Exame 33. Tivemos aproximadamente 17% de candidatos aprovados, resultado melhor que o do Exame 32 que, após os recursos, teve aprovação de 10%. Apesar da recuperação no Exame 33, o resultado ainda está aquém do que gostaríamos. Ainda não tenho os resultados por universidade, mas no 32, quando 10% foram aprovados, a Uerj aprovou 66% dos seus alunos.


ConJur — Como a prova é elaborada?

Marcello Oliveira — Antes do Exame unificado, tínhamos as bancas exclusivamente do Rio de Janeiro que debatiam sobre os temas que entrariam na prova. Com o Exame unificado, a diferença é que temos uma banca nacional que se reúne em Brasília para a elaboração e correção das questões. O Rio indicou para a banca nacional o professor Carlos Alberto Barbosa Moreira, grande mestre em Direito Civil e pessoa da minha absoluta confiança.

ConJur — O que muda com o Exame unificado?

Marcello Oliveira — A unificação do Exame soluciona problemas de logística e de estrutura. Com isso, podemos nos concentrar nos aspectos acadêmico-pedagógicos para que o Exame efetivamente reflita o ensino e o conhecimento de um candidato que ingresse na profissão. O Exame unificado também traz um fortalecimento institucional para a OAB. Apenas alguns estados não aderiram. São Paulo não entrou no Exame unificado, mas acabou de contratar o Cespe para fazer a próxima prova. Acreditamos, ainda, que o Exame unificado vai evitar problemas como atraso na divulgação dos resultados.

ConJur — Por falar em atraso, quem recorreu das provas discursivas do Exame 33 não sabia se tinha de fazer o 34. O que houve de errado?

Marcello Oliveira — Posso te assegurar que cerca de 60 % dos candidatos já sabia, porque foi divulgado antes da prova o resultado de Penal, Constitucional, Trabalho e Empresarial. Candidatos de Penal e Trabalho representam mais da metade dos candidatos. A notícia que foi disseminada, de que os candidatos não sabiam se tinham passado, é em parte verdadeira. Houve, de fato, uma dificuldade de comunicação entre os coordenadores do Cespe. Dia 22 de janeiro foram publicadas as últimas três áreas que faltavam: Civil, Administrativa e Tributária.

ConJur — Mas essas pessoas tiveram que prestar o Exame 34.

Marcello Oliveira — Quem prestou o exame 34 e foi aprovado no 33 em função do recurso interposto vai ter o dinheiro da inscrição devolvido. É um compromisso que assumimos porque obviamente foi um problema administrativo nosso. O que me tranqüiliza é saber que no próximo exame esse problema do atraso vai ser, se não absolutamente sanado, muito minimizado.

ConJur — É verdadeira a história de a prova tem um monte de pegadinha?

Marcello Oliveira — Pode haver questionamento sobre a propriedade de determinado enunciado. Mas o que podemos fazer é corrigir isso. Não tem como melhorar e evitar as pegadinhas se não analisarmos o que já fizemos. Confiamos nos nossos examinadores. Não sei se a magistratura ou o Ministério Público está disposto a fazer esse debate, mas a OAB está porque se encontra no olho do furacão.

ConJur — O número divulgado de reprovados por faculdade em cada exame inclui aqueles que não conseguiram ser aprovados na prova anterior?

Marcello Oliveira — O índice de reprovados não significa novos bacharéis daquela instituição necessariamente. Podem ser bacharéis que já fizeram exame. Há bacharéis que prestaram a prova sete vezes. Acontece. Quando eles levarem a sério o exame e entenderem quais são suas deficiências, provavelmente, vão passar.

ConJur — Se o maior problema está nas instituições de ensino, como fazer para mudar essa situação?

Marcello Oliveira — Há mecanismos legais para isso. Entre as atividades da OAB está a de elaborar pareceres sobre a condição do curso. O MEC poderia dar mais atenção a esses pareceres, porque no período de três anos, 50% dos pareceres do Conselho Federal foram absolutamente ignorados. O corte anunciado de 6,3 mil vagas em 29 instituições já é um começo. O planejamento até 15 mil cortes em cerca de 80 instituições que apresentaram baixo índice de aprovação no Enade também. Ainda que muitas dessas vagas estejam ociosas, o MEC pede a redução para que haja atenção maior da instituição ao candidato que apresenta deficiências. Já tem três instituições de ensino que abriram capital.

ConJur — E o que isto tem a ver com a qualidade do ensino?

Marcello Oliveira — Não sou contra; a captação de recursos é necessária para o desenvolvimento de muitas atividades. Mas por que não se debate o interesse do aluno versus o interesse do investidor? A princípio, são interesses de difícil conciliação. Ao invés disso, ficam com soluções fáceis como a do senador Gilvam Borges, que diz que nenhuma profissão exige aprovação em avaliação depois da formação. Isso é analise que um senador faça? Os outros não têm e por isso o Direito não pode ter?

ConJur — Por que no Direito se exige a avaliação? O próprio mercado não se encarrega de filtrar os maus profissionais?

Marcello Oliveira — A advocacia é uma atividade em que há interesse público. Apesar de as pessoas não verem isso com tanta clareza como na profissão do médico, o advogado interfere no patrimônio ou na saúde do cliente, pode levá-lo à ruína. Se o profissional não for qualificado, pode causar enormes prejuízos à sociedade. O advogado que não tem ciência das suas prerrogativas, que se curva quando deveria fazer uma defesa intransigente do cliente ou diante do abuso de um juiz, enfraquece a advocacia. Acho que a assertiva de que o mercado regularia é uma visão que não considera determinados valores.


ConJur — Mas se o Exame de Ordem não fosse obrigatório, o resultado não seria semelhante?

Marcello Oliveira — Mas o trabalho da OAB seria mais volumoso. A Ordem também tem função disciplinar e o exame tem uma função preventiva. É claro que se houver profissionais mais qualificados, evitamos má prática, violação ética e, conseqüentemente, de levar advogados ao Tribunal de Ética. O que fazemos é uma primeira triagem de pessoas comprometidas com a advocacia. Não vamos esperar que o cliente se frustre com aquela prestação de serviço para depois julgar o advogado.

ConJur — O Exame da Ordem pode avaliar o conhecimento jurídico. Mas e a parte ética, como se avalia?

Marcello Oliveira — Sempre incluímos questões ligadas ao Estatuto da Advocacia e código de ética. É uma forma de nos certificarmos que o bacharel estudou e entende as razões do estatuto e do código. Agora, se nós tivermos uma forma melhor de fazer a avaliação, isso será debatido.

b>ConJur — O exame de Ordem pretende ser uma forma de defender a reserva de mercado?

Marcello Oliveira — Não entendo como a OAB, que tem 600 mil advogados em seus quadros, impõe uma reserva de mercado. O advogado já estabelecido não concorre com o recém-formado. No Rio, são 4,5 mil novos advogados por ano. Não sei a quantidade de advogados que o mercado teria condições de absorver.

ConJur — As freqüentes denúncias de fraude no Exame de Ordem comprometem sua credibilidade?

Marcello Oliveira — No exame 33, um jornal divulgou que um professor de curso preparatório estava incentivando seus alunos a colar no exame. Se não me engano, a manchete era “Fraude ameaça exame da OAB”. Pergunto: o que a OAB tem a ver com o fato de um professor incitar os alunos a colarem? O que aconteceu foi uma tentativa de fraude. O mesmo aconteceu em São Paulo. Identificaram o vazamento, e antes de a prova ser realizada, o exame foi cancelado. Se o que está havendo é prevenção e as denúncias estão ocorrendo antes de macularem o exame, onde é que está o prejuízo à instituição? É exatamente o contrário, pois evitamos que as fraudes aconteçam.

ConJur — Há Exame de Ordem nos Estados Unidos, na França?

Marcello Oliveira — Nos Estados Unidos, há o Bar Exam. Amigos que tiveram a oportunidade de fazer contam que a prova é extremamente rigorosa. Deveríamos verificar a propriedade de se aplicar o exame em comparação com outros lugares. Não está havendo uma análise aprofundada do tema. O que há é oportunismo de um grupo de políticos?

ConJur — Foi o caso da frente parlamentar contra o Exame criada na Assembléia Legislativa do Rio?

Marcello Oliveira — Sem dúvida. A OAB em nenhum momento foi chamada para debater o assunto. Não consigo entender a criação de uma frente contra o exame, sem que o parlamentar tenha o cuidado de avaliar prós e contras das instituições e dos grupos sociais envolvidos.

ConJur — O senhor acha que existe a possibilidade de o Congresso a mudar a lei?

Marcello Oliveira — Espero que o Congresso entenda a importância do exame e o esforço que a OAB está fazendo nacionalmente para que ele seja correto. Enquanto ficarmos com frases de efeito ou não identificar que o problema está na deficiência da formação, não tem como avançar.

ConJur — Para que serve o bacharel sem a carteira da OAB?

Marcello Oliveira — Existem concursos públicos que têm conteúdo jurídico e não pedem a experiência prévia de advogado. O bacharel em Direito pode aproveitar seu conhecimento para administrar uma empresa. Quando admitimos o bacharel nos quadros da OAB, entendemos que ele, a princípio, tem a intenção de ser advogado. Se é importante para a magistratura que o bacharel exerça a advocacia, para ter experiência e possa entender o lado do advogado e do jurisdicionado, tanto melhor.

ConJur — O juiz togado consegue a carteira da OAB quando se aposenta sem passar pelo exame. O senhor acha justo?

Marcello Oliveira — Existe um debate interno se aqueles, que se aposentaram na magistratura ou no MP, deveriam prestar Exame de Ordem. Mas a Ordem está sujeita a uma norma que a obriga a admitir nos seus quadros o juiz togado. Ainda que essa questão seja levantada nas sessões do Conselho, temos de seguir a lei.

O Exame de Ordem é inconstitucional como diz o Movimento Nacional dos Bacharéis de Direito?

Marcello Oliveira — A Constituição fala do atendimento às qualificações profissionais que a lei estabelecer. A Lei Federal 8.906 determina a obrigatoriedade do exame. É um requisito de qualificação profissional. Não foi a OAB que estabeleceu a obrigatoriedade do exame, mas o legislador.

ConJur — A briga entre o MNBD e a OAB do Rio é jurídica ou política?


Marcello Oliveira — Pode ter nascido de uma reivindicação que eles acreditam ser justa, mas está se tornando política, porque há pessoas explorando isso politicamente. O movimento já demonstrou que está associado ao grupo político anterior à atual gestão da OAB-RJ. Parece que eles são os inocentes úteis. Com a unificação e o fim da fragilidade que o exame tinha e que vem de gestões passadas, dificilmente vão restar outros pontos objeto de alarde. A briga deve continuar em termos conceituais. Não vejo problema.

ConJur — E quanto ao advogado que assinou a petição dos bacharéis?

Marcello Oliveira — Se os clientes acham que tem uma reivindicação justa a fazer ao Judiciário, não posso criticar o advogado por exercer a profissão. Ele patrocina os interesses das outras pessoas. Não é o advogado que está em juízo, mas seus clientes.

ConJur — A prática não é importante no processo de qualificação do advogado?

Marcello Oliveira — Sim, mas é complementar. Não se pode imaginar que a prática dá formação ao advogado. Esta tem que ser de estímulo à criatividade, ao pensamento, à pesquisa. Isso ocorre no banco universitário. No escritório, o estagiário vai ficar realizando funções que não são de advogado propriamente, até que ele conquiste confiança. Outro dia, o professor Joaquim Falcão, conselheiro do CNJ, criticava um projeto de lei que propõe a antecipação da obrigatoriedade de estágio. Segundo o professor, o aluno tem que passar mais tempo em sala de aula. Eu concordo, a formação vem da universidade.

ConJur — O senhor disse que a OAB aborda no exame de Ordem questões sobre prerrogativas. No Rio, existe muito desrespeito ao trabalho do advogado?

Marcello Oliveira — Infelizmente, ainda se ouve sobre magistrados que afirmam que a presença do advogado é inútil ou que atrapalha. São vozes isoladas, mas absolutamente inadmissíveis. Em qualquer profissão, há aqueles que não têm a conscientização da sua função. Por isso estamos surpresos em função desse debate sobre a decisão da liminar da juíza Maria Amélia de Carvalho [que autorizou seis bacharéis de Direito a exercer a advocacia sem aprovação no Exame de Ordem]. A Ajufe [Associação dos Juízes Federais] divulgou nota em suporte à juíza e dizendo que a OAB não poderia tratá-la como inimiga pública. Só que a OAB nunca disse que a juíza era sua inimiga pública. Nossa postura não é de confronto com a Ajufe. Ao contrário, é colaborativa no sentido de identificar quem são os profissionais que excedem em suas funções para coibir esse tipo de prática. Nós fazemos isso na advocacia e esperamos que a magistratura também faça nos seus quadros.

ConJur — O senhor acha que houve abuso da juíza?

Marcello Oliveira — A juíza obviamente fez uma avaliação da pertinência dos argumentos jurídicos. Nós só achamos que essa interpretação não tem cabimento. Não acredito que tenha abuso, mas a interpretação dela é absolutamente equivocada. Abuso é um juiz em audiência mandar um advogado se calar quando ele tem direito à sustentação oral.

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